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Muita gente desconhece como foi criada a margarina.
E aqui vale contar a diferença básica de produção entre ela e a manteiga, pois, em muitas situações, são usadas como similares, como se uma pudesse substituir a outra no consumo e em receitas.
A manteiga é um produto natural obtido da centrifugação do creme de leite fresco, resultante da divisão da parte sólida do soro, que é a parte líquida.
Ou seja, a manteiga é um produto de origem animal que passa por um processamento mínimo
Já a margarina é um produto composto predominantemente de óleos e gorduras vegetais. Foi desenvolvida na França, no século 19, com o objetivo de ser uma alternativa mais barata do que a manteiga e produzida em larga escala.
Com a expansão da indústria e o avanço do consumo urbano, esse creme vegetal passou a ocupar um espaço fixo nas cozinhas, recebendo nomes, cores e embalagens cada vez mais atraentes e com a promessa de que seria a versão melhorada da manteiga sem a presença de gordura saturada na composição.
Porém, ela deixou de ser um substituto econômico e virou um produto moldado pelo marketing, que tentava (e ainda tenta) aproximá-lo da ideia de modernidade, praticidade e até de saúde.
Porque a margarina passa por processos industriais que podem gerar a gordura trans, que também está associada ao aumento do risco de doenças cardíacas.
Apesar da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter proibido em 2021 o uso de gorduras trans industriais em alimentos, ainda é permitido um limite de até 2% de gordura trans do total de gorduras em alimentos industrializados.
É nesse ponto que a história da margarina se cruza com o debate público atual que estamos levantando.
Nós do Idec analisamos a rotulagem e a composição nutricional e de ingredientes dos produtos da marca Becel, e junto com o Grupo de Estudos, Pesquisa e Práticas em Ambiente Alimentar da Universidade Federal de Minas Gerais (GEPPAS/UFMG), realizamos uma análise de publicações do perfil de uma rede social da marca.
Foram analisados os produtos Becel Amanteigada (250 g), Becel Original com Sal (250 g), Becel Original sem Sal (250 g), Becel Pro Activ (250 g) e Becel Toque Gourmet (500 g).
E, ao examinarmos a lista de ingredientes e a informação nutricional, concluímos que, de acordo com a classificação Nova, todos os produtos analisados são categorizados como ultraprocessados e são altos em gordura saturada, considerando os parâmetros da Anvisa para a rotulagem nutricional frontal.
Mas isso não é exatamente uma novidade.
Se, pelos parâmetros técnicos são todos produtos ultraprocessados, por que a marca divulga que as margarinas são saudáveis?
Porque existe um apelo de venda que põe o lucro acima da saúde, e por isso estamos denunciando a marca Becel pela prática de publicidade enganosa e abusivas com as pessoas consumidoras.
Nossa análise de 14 publicações relacionadas ao produto Becel Pro Active, disponíveis na página oficial do Instagram da marca, constatou o uso de elementos que remetem a saudabilidade. Por exemplo:
- Alega que ajuda a reduzir o colesterol e que contribui para a saúde cardiovascular, quando, na realidade, a literatura científica evidencia a associação do consumo de ultraprocessados com doenças cardiovasculares, diabetes, entre outras doenças crônicas não transmissíveis (DCNT).
- A marca afirma que a Becel Pro Activ é a margarina mais recomendada pelos médicos e nutricionistas e que, com apenas duas colheres por dia, ela ajuda a reduzir o colesterol em até 10%, quando combinada a hábitos saudáveis. Utilizam a credibilidade de uma categoria profissional para te convencer que o produto é saudável.
- As cores e a composição das imagens remetem a um ambiente leve, saudável, utilizando-se das estratégias de marketing para influenciar a opinião e o sentimento das pessoas em relação a esse tipo de produto.
Com tanta mensagem reforçando que o produto é saudável, a opinião das pessoas consumidoras é, de fato, influenciada.
Tanto que muitos dos relatos postados revelam como são internalizadas as alegações de saúde e o apelo a autoridades profissionais, o que leva a uma interpretação do produto como necessário à manutenção da saúde e até essencial ao tratamento de condições clínicas, como o colesterol elevado.
O conteúdo dos comentários demonstra o efeito concreto e preocupante da publicidade, que leva as pessoas consumidoras a atribuírem exclusivamente à margarina propriedades terapêuticas, reforçando o caráter enganoso dessa comunicação.
E para que as relações de consumo sejam mais justas e você possa fazer melhores escolhas é que buscamos a responsabilização dos envolvidos.
Não basta identificar a enganosidade, é preciso confrontá-la.
Quando uma empresa pega um ultraprocessado, o veste com jaleco branco e o apresenta como “solução de saúde”, ela ultrapassa a fronteira da comunicação aceitável e entra no terreno da violação de direitos.
É preciso quebrar esse mito da margarina. Ela é o único produto alimentício ultraprocessado que foi mantido na cesta básica e recebeu alíquota zero de impostos.
E, nesse cenário, a saúde pública não pode ficar aquém dos lucros da indústria.
O discurso bonito nas redes sociais não pode valer mais do que a transparência, a honestidade e o respeito às pessoas consumidoras.
É com o seu apoio que podemos acabar com esse reinado da margarina sob a falsa alegação de saúde.
Nossas análises serviram como argumento técnico para a denúncia que protocolamos junto à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e ao Programa de Proteção e Defesa do Consumidor do Espírito Santo (Procon-ES) para que investiguem a Becel por publicidade enganosa e abusiva.
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