O Brasil, a nível mundial, detém um título importante: somos o país que abriga a maior biodiversidade do mundo.
Estima-se que, em território nacional, dentro dos seis biomas, estejam de 10% a 15% de toda a biodiversidade do planeta.
Apesar de acumularmos números importantes, a ciência tem alertado o quanto a forma atual de produzir alimentos pode gerar a escassez de alimentos.
Parece contraditório, ou surreal, mas é verdade. Vamos aos fatos.
O sistema alimentar atual, que passa pela produção, pelo processamento e pela distribuição de um alimento, até sua preparação e consumo, é responsável por agravar as mudanças climáticas e, consequentemente, a biodiversidade.
Entre os setores econômicos, a agricultura das cadeias longas é responsável por um quarto das emissões de gases de efeito estufa, 70% do uso de água doce e 80% da perda de habitats.
Atualmente, temos um ciclo vicioso entre a produção de alimentos e a degradação da natureza.
Pois, a consequência da enorme utilização de extensões de terra para um cultivo de monoculturas (soja, milho e trigo) e para criação de pastos para animais é o agravamento da crise climática.
Esse modelo de cultivo é chamado de cadeia produtiva longa, que opera em larga escala, com alto grau de mecanização, uso intensivo de agrotóxicos e foco quase exclusivo na exportação ou abastecimento de grandes indústrias.
Um exemplo emblemático no Brasil é a produção de soja, que ocupa vastas áreas do território nacional, especialmente no Centro-Oeste, em biomas como o Cerrado e a Amazônia.
Esse modelo exige grandes investimentos, favorece grandes proprietários de terra e está frequentemente associado ao avanço do desmatamento, à grilagem e à expulsão de comunidades tradicionais.
Atualmente, o cultivo da soja é voltado para a produção de ração animal, óleo vegetal refinado e como base para produtos alimentícios ultraprocessados. Muito pouco disso vai para o consumo in natura direto da população brasileira.
Essa lógica produtiva, baseada no lucro e na exportação, desconsidera as necessidades alimentares locais que cultivam alimentos da região, substituindo a diversidade do cultivo de variedades de alimentos por monoculturas.
Além disso, o uso intenso de agrotóxicos em grandes plantações esgota o solo, polui a água e o ar, e, consequentemente, adoece as populações do entorno, além de colocar em risco a biodiversidade dos biomas.
Essas cadeias produtivas também provocam um desequilíbrio na distribuição de terras e recursos, dificultando o acesso à terra por parte de agricultores familiares e povos indígenas.
Os incentivos para produção e exportação dessas commodities - financiados por bancos e com renúncias fiscais concedidas pelo governo federal - atraem agricultores, que deixam de produzir alimentos básicos, como arroz, feijão, frutas, verduras e legumes.
O modelo agressivo da soja e das demais commodities não apenas ameaça o meio ambiente, como também desestrutura economias locais e iniciativas de produção de alimentos mais sustentáveisao impor uma lógica concentradora e excludente.
Ao invés de fortalecer a soberania alimentar, esse tipo de cadeia produtiva prioriza mercados globais, ignorando as necessidades sociais e ecológicas dos territórios onde se instala.
Por essa mesma biodiversidade citada no começo do texto, o Brasil tem um grande potencial para produção de alimentos saudáveis e sustentáveis.
O caminho para revertermos esse cultivo que explora e gera a insegurança alimentar de tantos, é:
- Cobrando políticas públicas que assegurem o direito à alimentação adequada, como, por exemplo, a ampliação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) visando alimentos de cultivo agroecológico oriundos da agricultura familiar;
- Concedendo incentivos fiscais para pequenos produtores para manter e expandir o cultivo de variedades de frutas, legumes e verduras, para além das mesmas espécies vendidas sempre em grandes mercados;
- Incidindo uma política tributária maior para indústrias responsáveis por cadeias produtivas agressivas. A política tributária deve servir de instrumento para o estímulo e a promoção da saúde, por meio de instrumentos tributários que estimulem a alimentação saudável, e não ao contrário;
- Revendo a política de financiamento privado para a soja e outras monoculturas.
|