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Apresentada na última semana como caminho para evitar desperdício, baratear preço de alimentos e facilitar doações, a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de flexibilização da regra sobre a validade de alimentos no Brasil fere diretamente o CDC (Código de Defesa do Consumidor). Além disso, as declarações de Guedes demonstram um desconhecimento sobre as políticas e programas de segurança alimentar e nutricional que seriam mais efetivos para resolver esses problemas apresentados e combater a fome que voltou a assolar os lares brasileiros.
"A data de validade dos alimentos indica para o consumidor o prazo para consumo seguro do produto, ou seja, que não vai trazer nenhum prejuízo à saúde. A proposta apresentada nas declarações do ministro, de 'consumir preferencialmente antes de', é imprecisa e pode levar o consumidor ao engano sobre a segurança sanitária do produto. A imprecisão dessa informação aliada à necessidade de garantir condições ideais de armazenamento para a efetividade da data declarada trazem preocupação e potencial risco à saúde para a população brasileira", diz a coordenadora do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Janine Coutinho.
De acordo com artigo 31 do CDC, a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. Além disso, o Brasil possui regras estabelecidas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que são também alinhadas entre os países do Mercosul e que seguem as diretrizes do Codex Alimentarius sobre o tema, que reúne normas para proteger a saúde dos consumidores e assegurar as boas práticas durante a comercialização de alimentos.
É importante destacar que a intenção do governo, de rever tal direito do consumidor, foi anunciada em um evento organizado pelo setor produtivo, a Abras - Associação Brasileira de Supermercados, que possui interesse econômico direto na flexibilização da data de validade dos alimentos. "É preocupante a interferência desse setor em decisões estratégicas sobre políticas de alimentação e nutrição, priorizando questões econômicas e não da saúde do consumidor", completou Janine.
Além da violação a um direito já estabelecido há mais de 30 anos por lei, as declarações do ministro Paulo Guedes sobre o desperdício de alimentos mostram desconhecimento de políticas e programas de segurança alimentar e nutricional que poderiam garantir alimentos a todos de forma segura.
Desde 2003, alimentação é um direito social estabelecido constitucionalmente. Porém, nos últimos anos, a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional está sendo negligenciada. O último plano que definia as agendas estratégicas para a superação da fome e a garantia da alimentação adequada e saudável foi encerrado em 2021 e, até o momento, não há um novo plano que estabeleça as estratégias e as prioridades do governo federal sobre o tema. Além disso, houve uma tentativa de silenciar a sociedade civil, por meio da extinção do Consea Nacional, em 2019.
E os dados sobre insegurança alimentar no Brasil estão alarmantes. Uma pesquisa divulgada em abril deste ano pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) mostrou que 19,1 milhões de brasileiros, o equivalente a 9% da população, passavam fome no final de 2020.
"A agenda da fome não pode ser banalizada e discutida de forma enviesada sem atacar os problemas estruturais que realmente merecem destaque, cujas raízes estão relacionadas às desigualdades sociais, falta de emprego, falta de acesso a políticas públicas como auxílio emergencial e ao Bolsa Família", lembra a coordenadora do do programa de Alimentação do Idec.