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Há várias razões pelas quais os jogos de apostas e jogos online estão se tornando um problema epidêmico no Brasil. Uma delas é a popularização dos dispositivos móveis e do acesso à internet exclusivamente por meio de redes sociais, onde a exposição à publicidade é frequente, o que torna mais simples para as pessoas se envolverem nesses tipos de atividades.
Além disso, a falta de regulação e fiscalização adequadas por parte do governo também contribui para o aumento desenfreado desse tipo de comportamento.
Outro fator importante é a vulnerabilidade de grupos da população das classes C, D e E com baixa renda e histórico de endividamento, que, ao buscar alternativas para superar a crise financeira, se tornam mais suscetíveis a serem atraídos por esse tipo de jogos de azar, que vem sendo tratado pelas empresas de apostas como de entretenimento e promessas de dinheiro fácil e rápido.
A publicidade agressiva passou a ser veiculada na mídia brasileira desde que a Lei 13.756/18 foi aprovada, criando o mercado de "apostas de quota fixa", popularmente conhecida como bets. Nelas, o apostador faz seus palpites em eventos esportivos, principalmente o futebol. Junto disso, as empresas de apostas passaram também a disponibilizar jogos eletrônicos com mecanismos de resultados aleatórios, onde o apostador ganha pela combinação dos resultados indicados pela programação a partir de algoritmos. O famoso Jogo do Tigrinho é um deles.
O investimento maciço em publicidade é a principal estratégia de atuação das empresas de apostas, e foi assim que elas rapidamente dominaram este mercado no Brasil. Com a contratação de personalidades famosas, esportistas de renome internacional, influenciadores de destaque com milhares de seguidores, pagamento para outros influenciadores disseminarem o ambiente de apostas, além de investimentos pesados no futebol. Atualmente entre os 20 clubes da série A do futebol brasileiro, 15 clubes são patrocinados por empresas de apostas que respondem por 80% do orçamento.
A demora na regulamentação do ambiente de apostas que só aconteceu no final de 2023 com a aprovação da Lei 14.790/2023, que ainda está em fase de implementação, fez com que assistíssemos no Brasil a explosão de problemas de endividamento e dependência de vícios provocados por apostas. Enquanto a regulamentação não define os limites e regras rígidas, a publicidade agressiva e enganosa por parte das empresas de jogos de azar desempenha um papel significativo no endividamento da população, nos colapsos familiares, nos problemas de saúde mental que tem causado até a morte de cidadãos e cidadãs.
As empresas de jogos de apostas desempenham um papel relevante na mudança de comportamento dos apostadores. A maioria das empresas operam de fora do Brasil, não são transparentes quanto aos critérios de jogos, não possuem política de combate ao uso excessivo e nem de combate à dependência psicológica que esses jogos desencadeiam no comportamento dos apostadores.
Os riscos de uma regulamentação tardia e muito branda de jogos e apostas no Brasil pode causar o aumento da incidência de pessoas viciadas, lavagem de dinheiro, fraude e corrupção. Além disso, pode haver a exploração de indivíduos vulneráveis ao jogo, contribuindo para problemas sociais e de saúde pública.
A falta de regulamentação adequada também pode levar à concorrência desleal e ao enfraquecimento do controle estatal sobre a indústria de jogos. Além do descontrole da fiscalização do mercado, a arrecadação tributária, que tem sido utilizada para defender a liberação do mercado de apostas no Brasil, pode ter uma contrapartida muito cara para o Governo Federal, com impacto na saúde pública, gerando mais gastos para o Estado.
Atualmente, hospitais de excelência como o Hospital das Clínicas de São Paulo já não têm capacidade de acolher pessoas com dependência e vício em jogos, com sobrecarga de atendimentos, a receita com tributos pode ser insuficiente para sanar o problema provocado por uma atividade comercial.
Não basta apenas ao governo exigir recursos iniciais, como o pagamento de altas taxas para autorizar o funcionamento dessas empresas no mercado brasileiro. Como a maioria das empresas que operam nesse mercado têm sede no exterior, elas também terão que ter sede no Brasil até o início de 2025 por conta da regulamentação. Até lá, o Brasil pode se tornar um celeiro para a lavagem de dinheiro.
Somente com a outorga de funcionamento, o governo espera receber R$ 3 bilhões de 112 empresas. Cada uma delas poderá explorar até três marcas, o que eleva para 339 bets em operação no país, aumentando a exposição da população a uma atividade de alto risco econômico e sanitário.
Falta sensibilidade aos gestores sobre os riscos que esse mercado de aposta provocará na população brasileira, principalmente a famílias das classes C, D e E, que nos últimos anos foram seduzidas pela falta promessa de ganhos fáceis e já se encontram ainda mais endividadas, com nome negativado e transferindo os poucos recursos que restam para casas de apostas. O que faz com que essas famílias deixem de comprar alimentos e produtos de primeira necessidade. O varejo, o setor bancário e até as igrejas já sentem o impacto dos danos causados pela indústria de apostas.
Enquanto o argumento da arrecadação de tributos e geração de empregos segue como o principal favorável à abertura do mercado de apostas, centenas de famílias estão indo à ruína financeira e com transtornos psiquiátricos muitas vezes irreversíveis, levando muitos ao suicídio.
O sistema de saúde pública já vive sobrecarregado e não tem estrutura para acolher os dependentes de jogos de azar. O governo deve cobrar essa responsabilidade das empresas de apostas. Essa é uma questão complexa e importante. O Estado precisa considerar algumas estratégias para lidar com a situação, como implementar políticas de saúde pública focadas na prevenção e tratamento da dependência de jogos de azar, aumentar a fiscalização e regulamentação para reduzir o impacto negativo na sociedade e cobrar taxas ou impostos especiais para ajudar a financiar programas de tratamento e prevenção da dependência. É essencial que o governo trabalhe em conjunto com a sociedade para encontrar soluções eficazes e justas para esse problema.
A responsabilidade das empresas de apostas é pouco exigida pelo governo brasileiro. A flexibilização da legislação de proteção dos consumidores em função do potencial de recursos a serem tributados pelas empresas de apostas é uma prática comum em alguns países. No entanto, é importante que as autoridades reguladoras sejam vigilantes para garantir que as empresas cumpram com suas responsabilidades e protejam os consumidores de possíveis abusos. A transparência e a ética devem ser prioridades para garantir um ambiente de apostas menos prejudicial aos apostadores. É preciso se pautar por políticas de outras atividades que também possuem potenciais de danos à saúde da população, como é o caso dos cigarros e das bebidas alcoólicas.
A população está refém das ações dessas empresas através de recursos digitais. Elas usam estratégias de captação totalmente focadas em desestruturar os dispositivos comportamentais e que induzem o apostador a minimizar os enormes riscos de um jogo de azar. Muitas vezes, elas oferecem pequenos recursos chamados de bônus para incentivar o início no ambiente de apostas e impedem que o apostador saque o valor que ganhou, obrigando-o a fazer novas apostas para poder sacar, ou ainda exigindo que o saque só seja possível a partir de determinado valor. Enfim, pequenas ações que vão fidelizando ou escravizando o apostador naquele ambiente.
Por isso, é preciso impor limites a essas empresas. Monitorar o tempo e o dinheiro gastos em jogos e apostas, tanto online quanto presenciais, é essencial. Além disso, buscar ajuda profissional caso sinta que está perdendo o controle é fundamental.
Evitar influenciadores que promovem jogos de apostas pode ser uma estratégia eficaz. Limitar a exposição a conteúdos que estimulem o vício pode ajudar a manter uma relação saudável. Sair da dependência, pedir apoio de pessoas próximas, buscar ajuda de um profissional de saúde mental pode ser crucial para superar o vício.
O Idec publica este manifesto não apenas como uma maneira de informar as pessoas, governos e empresas sobre os males trazidos pelas apostas esportivas, mas também para afirmar que junto com outras organizações da sociedade civil vai enfrentar esse problema por meio de ações políticas, comunicacionais e judiciais. O fomento aos jogos de aposta é um ataque aos direitos de consumidoras e consumidores brasileiros e já estamos na luta contra esse absurdo.