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Reportagem do site Aupa, publicada em 27/09/2021
Título original: Saiba descobrir e impedir que sustentabilidade e ESG se tornem o conto do vigário
“Somos biodegradáveis, somos recicláveis – Omo é diferente para fazer um mundo diferente”. Essa propaganda do sabão em pó Omo, da multinacional Unilever, acaba de ser denunciada por greenwashing, por tentar se apropriar de questões de sustentabilidade de forma enganosa. A denúncia foi feita ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que recomendou a Unilever alterações na propaganda, de forma a explicar os aspectos biodegradável e reciclável do produto anunciado.
Entretanto, esse não é um caso isolado. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) com o Instituto Market Analysis apontou que indícios de greenwashing – ou lavagem verde, em tradução livre – podem ser encontrados em oito em cada 10 produtos vendidos no Brasil. A pesquisa também revelou que, apenas de 2010 a 2014, a quantidade de produtos que se autodeclaram “verdes”, muitas vezes sem apresentar provas, cresceu quase cinco vezes (478%), principalmente na categoria produtos de limpeza e de higiene e cosméticos.
Segundo Clauber Leite, coordenador do programa de Energia e Sustentabilidade do Idec, o greenwashing consiste em usar uma “informação enganosa” para transmitir a sensação de que um produto ou serviço “está fazendo um bem”, para o meio ambiente e a sociedade, quando, na realidade, isso não é comprovável. De modo que é uma prática condenada pelo Código de Defesa do Consumidor.
Riscos associados ao greenwashing e a importância de combatê-lo
O novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), publicado em agosto, revelou que as mudanças climáticas causadas pelo comportamento humano estão influenciando eventos climáticos extremos no mundo todo – o que é um “alerta vermelho” para a humanidade. No Brasil, períodos de seca prolongada já têm prejudicado o abastecimento de água em diversas cidades e a geração de energia no país. Portanto, a adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo são hoje fundamentais.
“É muito importante que as empresas entendam a responsabilidade delas” nesse contexto, e se prontifiquem a gerenciar seus impactos socioambientais na prática, não só na propaganda, segundo Glaucia Terreo, diretora da Global Reporting Initiative (GRI) no Brasil, uma organização internacional de normas para relatórios de sustentabilidade. “Quando uma empresa faz a gestão do próprio impacto [negativo], ela diminui os riscos para ela mesma, além de criar valor para a sociedade e o planeta”, destaca.
Além disso, segundo o Idec, a prática de greenwashing por empresas pode causar adversidade no engajamento dos consumidores com o consumo sustentável. Tal fato pode resultar ainda em “prejuízos ao meio ambiente, aos consumidores e à própria imagem da empresa”, afirma Leite.
Um exemplo é o protetor solar Sundown, fabricado pela Johnson & Johnson do Brasil, que apresenta o selo “I’m green”. Esse selo foi colocado para mostrar que as embalagens do produto agora são produzidas com polietileno de cana-de-açúcar, um “plástico verde”. Porém, a empresa não respondeu ao pedido do Idec por documentos para comprovar esse selo, o que sugere ser um caso de greenwashing. Aliás, a maioria dos protetores solares contém componentes químicos muito prejudiciais ao meio ambiente e à saúde humana, apontam estudos internacionais, o que torna mais urgente mudar a formulação do produto do que a embalagem.
Segundo Juliana Albuquerque, diretora do Conselho de Ética do Conar, a divulgação correta de informações relacionadas com ações de sustentabilidade pode contribuir tanto para melhores práticas empresariais, quanto para a oferta de melhores opções aos consumidores – que estão cada vez mais atentos aos impactos socioambientais de produtos e empresas.
Como descobrir e denunciar greenwashing
Uma forma confiável para descobrir se um produto ou uma empresa pratica greenwashing, é conferir o trabalho de organizações da sociedade civil que pesquisam e monitoram essa prática. O Idec, por exemplo, tem uma página em seu site dedicada a esse tema, que informa sobre como identificar e não cair nas armadilhas do greenwashing.
Leite também alerta que não basta um fabricante propagandear que “seu produto é vegano, não testado em animais, que gera 70% economia de água ou é 100% biodegradável”. Essas afirmações precisam ser pautadas em provas concretas e é direito do consumidor confirmar sua veracidade. O consumidor pode entrar em contato com o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) da empresa e solicitar provas sobre tais afirmações. E, se constatar greenwashing, pode denunciar a marca e o fabricante nos canais de defesa do consumidor.
O trabalho de autorregulamentação da publicidade desenvolvido pelo Conar também busca combater o greenwashing. “Ausência de precisão, exagero ou uso de conceitos genéricos para a divulgação das ações de sustentabilidade” foram problemas detectados em matérias publicitárias já reprovadas pelo Conar, que baseia suas decisões no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, destaca Juliana Albuquerque. Esses problemas são caracterizados como greenwashing, pois podem levar a um “entendimento ampliado ou equivocado da ação [de sustentabilidade] efetivamente realizada” pelo anunciante, segundo a diretora do Conselho de Ética do Conar.
Qualquer pessoa física ou jurídica pode fazer uma denúncia ao Conar, através do site do Conselho, caso encontrem uma propaganda comercial veiculada no Brasil que aparenta ser greenwashing, por apresentar algum dos problemas citados acima. Se a denúncia for aprovada pelo Conselho de Ética, o Conar poderá solicitar a alteração ou a suspensão do anúncio.
Como identificar e combater o ESG-washing
O greenwashing também pode ser visto aplicado às informações ESG – ambiental, social e de governança – de empresas e instituições financeiras – sendo conhecido, nesse caso, como ESG-washing. Tariq Fancy, o ex-diretor de Investimentos Sustentáveis da BlackRock, afirmou recentemente que parte do movimento ESG, propulsionado mundialmente pela BlackRock, se resume a pouco mais do que marketing. Fancy também revelou, ao jornal USA Today, que, durante sua gestão, notou que muitos fundos de investimento são “rebatizados como ‘verde’, sem alteração perceptível para o próprio fundo ou suas estratégias subjacentes, simplesmente por uma questão de aparências”.
Uma forma de identificar se uma empresa pratica ESG-washing é conferir seu relatório de sustentabilidade – que é publicado voluntariamente pelas empresas ou obrigatoriamente em alguns setores, para divulgar impactos no meio ambiente, sociedade e economia. Segundo Glaucia Terreo, esses relatórios devem respeitar um princípio de equilíbrio, como recomenda a GRI: “As informações relatadas deverão refletir aspectos positivos e negativos do desempenho da organização, de modo a permitir uma avaliação fundamentada do seu desempenho geral.”
Dessa forma, se o relato de sustentabilidade ou ESG de uma empresa só apontar impactos positivos e não esclarecer o que está sendo feito para gerir e evitar os impactos negativos, é provável que ela esteja praticando greenwashing. Terreo explica que já se deparou com empresas do agronegócio, por exemplo, que não mencionam em seus relatórios a gestão de impactos relacionados com desmatamento ou uso de pesticidas – são atividades que comprovadamente geram riscos socioambientais.
Contudo, relatar os impactos com transparência é só o primeiro passo em direção ao desenvolvimento sustentável. É preciso ainda que as empresas adotem uma nova cultura organizacional, segundo Terreo: “Essa ‘matrix’ que foi criada para manter o sistema econômico girando – de produção insustentável à propaganda insustentável ao consumo insustentável ao resíduo insustentável – precisa mudar.”
Para a diretora da Global Reporting Initiative o Poder Público também tem um papel a exercer no combate às falsas promessas de sustentabilidade. “Na União Europeia, por exemplo, o Green Deal é por meio do Estado – eles vão mudar regulações e procedimentos”, para alinhar a economia Europeia com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, explica Terreo. Entretanto, a fiscalização da conformidade de empresas com essas novas regulações é tão importante quanto a sua promulgação, para não abrir margem para más práticas e greenwashing.
As pessoas que são impactadas direta ou indiretamente por atividades empresariais, tal como cidadãos, consumidores e investidores, também têm como papel serem vigilantes e cobrarem responsabilidade socioambiental das empresas. “Mas isso é uma coisa que ainda falta no nosso cenário”, no Brasil, enfatiza Glaucia Terreo.