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As atuais regras da geração distribuída (GD) - que possibilitam a geração de energia por meio de sistemas de pequeno porte localizados nos pontos de consumo ou próximos deles - favorecem as famílias mais ricas e pressionam a renda das mais pobres, comprometendo outros gastos do seu orçamento. A constatação é de estudo do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que correlaciona a presença de sistemas de produção de energia solar nas principais capitais brasileiras com o nível de renda e o peso das contas de luz para as famílias conforme a classe social.
“O cenário é preocupante tendo em vista que parte dos custos de distribuição dos usuários de GD é pago, via tarifas de energia, pelos não adotantes de tais sistemas”, afirma Clauber Leite, coordenador do Idec. “Caso se entenda que o subsídio ainda é necessário, ele deve ser transparente e coberto por recursos do Tesouro Nacional, sujeito ao teto de gastos”, completa o especialista.
Além do impacto sobre os consumidores mais pobres, o subsídio preocupa o Idec porque, caso sejam mantidas as atuais regras, deve subir significativamente nos próximos anos. Outro estudo coordenado pela professora Virginia Parente, do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo - USP, mostra que, nessa hipótese, os sistemas de geração distribuída local (em que a geração de energia ocorre no ponto de consumo) representarão um impacto financeiro de R$ 97 milhões a R$ 1,5 bilhão para os não adotantes ao longo de dez anos, dependendo da concessionária. A pesquisa mostra ainda que, em 2030, o impacto da GD nas tarifas pode chegar a R$ 9,40 para cada 100 kWh consumidos. As simulações consideraram os casos das distribuidoras Cemig, CPFL Paulista e RGE Sul.
Localização geográfica da GD
A análise feita pelo Idec mostra que 31% da potência instalada em São Paulo está localizada nas regiões mais ricas da cidade, enquanto apenas 4% está nas regiões mais pobres. No caso de Belo Horizonte, a discrepância é ainda mais acentuada, com 42% da potência em bairros ricos e menos de 1% nos de baixa renda.
Localização das ligações de GD e distribuição da potência instalada por faixa de renda em São Paulo (SP)
Fonte: elaboração própria a partir de dados da ANEEL e do IBGE
Quanto aos projetos empresariais, 20% da potência instalada por pessoas jurídicas (ou 10% de toda a capacidade de GD instalada no país) pertence a empresas com capital social superior a R$ 100 milhões. “O subsídio cruzado custeado pelas tarifas dos consumidores de energia elétrica tem servido mais como benefício a grandes empresas do que como incentivo a pequenos empreendedores”, destaca Leite.
Por outro lado, qualquer aumento mínimo nas contas de energia das famílias mais pobres tem peso significativo no orçamento. Em média, as famílias mais pobres precisam dedicar mais de 4% de seu orçamento às tarifas de energia, enquanto, para as ricas, esse número não chega a 1%, considerando dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017 - 2018 (versão mais recente divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)).
Localização das ligações de GD e distribuição da potência instalada por faixa de renda em Belo Horizonte (MG)
Fonte: elaboração própria a partir de dados da ANEEL e do IBGE
Clique aqui para ver o estudo completo do Idec
Energia solar para poucos
Consideradas mais acessíveis, as modalidades de autoconsumo remoto, em que um pequeno consumidor pode investir em cotas de uma usina solar e consumir os créditos da energia gerada, e geração compartilhada, em que dois ou mais consumidores podem se unir para compartilhar créditos gerados por um sistema fotovoltaico, ainda representam uma parcela muito pequena do mercado, tanto em termos de potência instalada quanto em termos de titulares, correspondendo a cerca de 14% do total de titulares no país. “Não se pode dizer, portanto, que esses instrumentos estejam sendo efetivos em seu propósito de democratizar a geração distribuída”, destaca Leite, do Idec.
Qualidade da energia
A presença de sistemas de GD pode ajudar a melhorar a qualidade do fornecimento de energia da região em que se encontram nos horários em que a produção é superior ao consumo dos detentores dos sistemas. Na prática, no entanto, essa vantagem operacional praticamente não se verifica nas áreas pesquisadas, uma vez que as áreas com piores condições de atendimento por parte das distribuidoras são justamente aquelas periféricas, com menor presença de GD.