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Restrição ao direito de informação

Proposta em discussão no Conselho de Defesa do Consumidor limita acesso a esclarecimentos

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Atualizado: 

05/11/2020
Marilena Lazzarini (foto) e Ricardo Morishita Wada

Artigo publicado no jornal O Globo, de 05/11/2020

O Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC) discute proposta que vai reduzir o direito do consumidor à informação. É verdade que muitos dos atuais Serviços de Atendimento ao Consumidor (SAC) não são bons; mas se essa proposta vingar, a situação só vai piorar, seremos atendidos só por robôs. Para entrar em vigor ainda este ano, tramita a toque de caixa no conselho, entre outros temas considerados urgentes pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). A intenção é substituir o Decreto 6523/2008, que regulamentou o Código de Defesa do Consumidor, para garantir informações adequadas e claras sobre os serviços de setores regulados como telefonia, energia elétrica, planos de saúde, transporte aéreo e terrestre, entre outros — sob a justificativa de ampliar os canais de atendimento das empresas, com base em estudos realizados por consultora contratada.

Nem se cogita realizar consulta e/ou audiência pública, que dirá a realização de um estudo de impacto regulatório, que traga subsídios para uma discussão qualificada sobre as alterações — o que é preocupante, especialmente diante da própria redação do novo decreto, confusa, como se observa no artigo 2º: “Para fins deste Decreto, considera-se: I - processo de atendimento: transformação intencional da parte do fornecedor que produz a diferença entre dois estados do consumidor que o conduzem ao atendimento de sua manifestação.”(sic)

Esse “presente de Natal” aos brasileiros trata como “consumidor insatisfeito” quem busca tais serviços, conceito impróprio, que torna opaco o exercício de direitos constitucionalmente reconhecidos, para destacar critérios mercadológicos de satisfação ou insatisfação. Os SACs passarão a oferecer apenas as opções para reclamar e cancelar o serviço; não será mais possível pedir informações ou esclarecer dúvidas, suspender cobranças indevidas ou serviços prestados sem solicitação, incluídos no Decreto 6523.

Atualmente, empresas de telecom, bancos e outros serviços atendem a pedidos de informação e consultas, mas a demanda que transborda para os Procons é significativa: 31% em 2018, 28% em 2019 e quase 20% até outubro de 2020, segundo o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor /MJ. Se prevalecer essa regra, os únicos canais serão os Procons ou as Agências Reguladoras. Como isso vai beneficiar os consumidores ou a eficiência do Estado? Trata-se de uma transferência de responsabilidade do mercado para o Estado, na contramão de todas as boas práticas regulatórias do mundo.

A proposta quer dar carta branca às empresas para que ofereçam os canais de contato mais convenientes. Atribui ao fornecedor a possibilidade de regular. Isso é constitucional ou legal? O Estado não pode se abster de regular e proteger o consumidor. Mais grave, pretende mudar, radicalmente, o acesso do consumidor ao atendimento telefônico, restringindo-o às situações de emergência e consumidores de baixa renda. Na prática, decreta o fim do atendimento telefônico, o que deixará milhões de cidadãos sem contato pessoal com as prestadoras de serviços regulados federais. Posterga a regulamentação do que seja “emergência” e “baixa renda”, o que traz insegurança jurídica. E se não bastasse, mesmo com toda a tecnologia disponível, aumenta o prazo de solução das reclamações de cinco para sete dias.

Afinal, quais são os avanços para o consumidor? Como ele poderá obter informações, suspender uma cobrança indevida ou mesmo tirar uma dúvida? Será que retirar o direito do consumidor de falar com um atendente seria uma medida de proteção? O mais bizarro é que nada proíbe que medidas para ampliar os canais de atendimento sejam implementadas com pequenas alterações no atual Decreto 6523, em vez de apresentar uma proposta que promove desmonte e retrocesso de direitos dos cidadãos.

Marilena Lazzarini é presidente do conselho diretor do Instituto de Defesa do Consumidor, Ricardo Morishita Wada é professor de Direito do Consumidor