Rótulo nutricional ou bicho de sete cabeças?
MODELO IDEAL
Os rótulos do tipo semáforo nutricional são baseados em uma proposta da Agência de Regulação de Alimentos do Reino Unido. Lá, a rotulagem nutricional vem sendo discutida há muitos anos e recentemente foram obtidos avanços nessa questão. Em junho deste ano, o país anunciou que grandes multinacionais irão adotar o semáforo, unindo-se a grandes varejistas que já usam esse tipo de rotulagem.
"A Organização Mundial da Saúde reconhece que a informação nutricional clara, simples e correta é uma das medidas necessárias para o controle e a redução das doenças crônicas, como hipertensão, diabetes e obesidade", lista Ana Paula. Mas essa não é a única medida para facilitar a vida dos consumidores. "São também fundamentais questões como a restrição da publicidade de alimentos destinados a crianças, as políticas fiscais para a redução do custo de alimentos saudáveis, e os projetos para melhoria da cadeia de produção e distribuição desses alimentos. Além disso, há ações que já estão em curso, como a legislação que regulamenta o Programa Nacional de Alimentação Escolar, restringindo alimentos não saudáveis e incentivando a aquisição de alimentos da agricultura familiar nas escolas", conclui Daniel Bandoni.
A Revista do Idec procurou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a fim de saber se ela tem avaliado meios de melhorar a rotulagem nutricional dos alimentos. Contudo, até o fechamento desta edição, a agência não havia respondido ao pedido de entrevista.
Pesquisa inédita do Idec mostra que a população brasileira ainda tem dúvidas sobre as informações dispostas nas embalagens de alimentos industrializados. Semáforo nutricional é apontado como uma das saídas para melhorar o entendimento.
O ser humano moderno existe há milhares de anos e, desde essa época pré-histórica, nosso organismo mudou muito pouco. A alimentação, ao contrário, passou por revoluções. As consequências desse descompasso são os casos cada vez mais comuns de obesidade, diabetes, hipertensão e uma série de outras doenças crônicas. Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2009, mostram que metade dos adultos brasileiros apresenta excesso de peso, e quase 15% já são obesos.
Um passo importante para evitar esses problemas é ler as informações nutricionais dos alimentos industrializados. Mas o brasileiro leva em conta as informações das embalagens antes de levar um produto para o seu prato?
Uma pesquisa realizada pelo Idec com 807 mulheres (veja o quadro Como foi feita a pesquisa) – metade delas sem problemas de saúde e metade com doenças como hipertensão, diabetes, colesterol elevado e/ou obesidade – mostra que a informação nutricional é valorizada no momento da compra de alimentos: a maior parte das entrevistadas afirma observar o rótulo: 27% dizem que leem sempre essas informações e 51% afirmaram ler às vezes, contra 21% que nunca leem. "Consideramos bastante positivo que quase 80% das pessoas tenham declarado observar com frequência as informações nutricionais no momento da compra, pois isso demonstra uma preocupação com a qualidade da alimentação importante para frear o crescimento dos números de doenças crônicas", afirma Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec que coordenou a pesquisa.
Em São Paulo, 70% confiam nas informações dos rótulos. Classes A/B confiam mais (44%), utilizam mais as informações para uma dieta saudável (38%) e estão mais dispostas a mudar de marca segundo as informações nutricionais (23%)
Apesar de as consumidoras reconhecerem a importância dessas informações para fazer escolhas mais saudáveis, a pesquisa também revela que ver e entender o conteúdo da tabela nutricional ainda é um problema para uma parcela significativa das entrevistadas: 30% afirmam compreender apenas parcialmente, e outros 10% nada ou muito pouco. "Ou seja, a informação é valorizada, mas ainda utilizada de maneira restrita, porque as pessoas não conseguem compreendê-la totalmente", ressalta Ana Paula. Chama a atenção, ainda, que menos da metade das entrevistadas, de todas as faixas de renda, saiba que a rotulagem de alimentos é obrigatória por lei. "Surpreende também o fato de as mulheres que têm doenças crônicas ou familiares nessa situação – e que teoricamente necessitam desse tipo de informação – não utilizarem mais a rotulagem que as demais", diz a nutricionista do Idec.
O levantamento faz parte de um projeto apoiado pelo IDRC (The International Development Research Centre, ou Centro Internacional de Investigação sobre o Desenvolvimento) sobre regulação de alimentos e doenças crônicas. Esse é o primeiro estudo brasileiro que avalia o conhecimento, a percepção, o comportamento e a preferência do consumidor sobre rotulagem nutricional de maneira abrangente, em quatro cidades do país.
Participaram da pesquisa 807 mulheres adultas, de todas as faixas de renda, com idades entre 20 e 65 anos, residentes nas cidades de São Paulo (SP), Goiânia (GO), Salvador (BA) e Porto Alegre (RS). Entre as participantes, 404 sofrem de doenças como hipertensão, diabetes, obesidade, problemas cardíacos, dislipidemia (colesterol elevado) e osteoporose ou residem com familiares nessas condições. O restante não possui nenhuma dessas doenças.
Os dados foram coletados por uma empresa de pesquisa de mercado entre os dias 8 e 19 de maio de 2013, em locais de grande circulação. A margem de erro ficou abaixo de 4%.
O QUE É OBSERVADO
Quando pegam uma embalagem de alimento no supermercado, os olhos das consumidoras percorrem alguns itens: a validade e a data de fabricação dos alimentos é o que mais chama a atenção para 40% delas. Em seguida, estão preço, marca e composição nutricional. Para 17% das mulheres com maior renda, a composição nutricional é o primeiro item a ser observado, contra apenas 9% das de baixa renda.
Entre os nutrientes observados na tabela nutricional, o valor energético – também conhecido como quantidade de calorias – ocupa o primeiro lugar no ranking de informação mais lida. Esse item é analisado por 32% das entrevistadas. Em seguida, aparecem as proteínas, o sódio e os carboidratos, vistos por 15% das mulheres, além das gorduras trans.
Quem observa os dados principais já sai na frente. Saber que um alimento deve conter pouca quantidade de açúcares, de sódio, de calorias e de gorduras é um ótimo começo. Saber combinar pequenas quantidades de alimentos industrializados com uma maior variedade de alimentos frescos em refeições caseiras é ainda melhor.
Se o desafio for escolher entre produtos de marcas diferentes, das entrevistadas que afirmam ler a tabela nutricional sempre ou às vezes, metade declarou que já comparou as informações para escolher o alimento que iria comprar. Não foram notadas diferenças significativas entre ser ou não portadora de doenças, como hipertensão e diabetes, entre as mulheres que declararam fazer essa escolha.
PARA FACILITAR O ENTENDIMENTO
Além do nível de compreensão, a pesquisa também avaliou a facilidade de leitura e visualização da tabela nutricional – considerando o tamanho da letra e a sua localização na embalagem. Nesse aspecto, 34% das mulheres com doenças crônicas declarou ser muito difícil essa leitura. Entre as saudáveis, 23% teve a mesma opinião.
As complicações diminuem quando foi avaliada a presença de termos como "contém glúten", "colorido artificialmente" e "contém soja transgênica". Cerca de 40% das entrevistadas considera que essas informações influenciam na decisão de compra. Ainda, outra parcela bastante considerável – quase 50% – avalia ser fácil ou muito fácil a compreensão dessas mensagens. Para o Idec, uma das soluções para melhorar o entendimento das informações seria usar o semáforo nutricional nas embalagens. A ideia é simples: incluir, na parte frontal das embalagens alimentares, um semáforo: verde para nutrientes que aparecem em quantidades baixas; amarelo para aqueles que estão em quantidades medianas; e vermelho para os que aparecem em quantidades altas no produto alimentício. Só pelas cores, o consumidor conseguiria identificar rapidamente se aquele é um alimento saudável para as suas necessidades alimentares e também a frequência de consumo daquele produto. Por exemplo, um alimento com cores vermelhas em um ou mais nutrientes sinalizaria que o seu consumo deve ser pouco frequente e em pequenas quantidades, ou ainda, identificaria facilmente os alimentos ricos em sódio e açúcar, que devem ser evitados principalmente por pessoas portadoras de hipertensão e diabetes, respectivamente.
"O semáforo pode ser um importante avanço: ele decodifica a informação nutricional presente nos rótulos, facilitando o entendimento", esclarece Daniel Bandoni, doutor em Nutrição em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo e um dos membros do conselho de especialistas da pesquisa feita pelo Idec. "A revisão da informação nutricional, para um padrão que a torne mais clara e visual, pode contribuir para a escolha no momento da compra e para a melhora da alimentação", completa.
Cerca de 80% das entrevistadas concordam que a utilização do semáforo nutricional seria um avanço. Para elas, se as informações fossem mostradas em tamanho maior que na tabela nutricional, com cores e na parte frontal da embalagem, a exemplo do semáforo, seria muito mais fácil compreendê-las. "O semáforo é a proposta de rotulagem nutricional que possui mais características que facilitam a compreensão dos consumidores em relação aos nutrientes dos alimentos. O resultado da pesquisa deixa isso claro", enfatiza Ana Paula.