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Atualizado:
No dia 21 de dezembro de 2010, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou, por 55 a 18 votos, o Projeto de Lei Complementar nº 45 de 2010. Assim, em de 27 de dezembro de 2010, foi publicada a Lei Complementar nº 1.131, que alterou a Lei Complementar nº 846/98, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, possibilitando o direcionamento de 25% dos leitos e demais serviços hospitalares do estado, sob contrato de gestão com Organizações Sociais, para os planos e seguros de saúde privados.
Porém, esta alteração promovida pela Lei Complementar nº 1.131/2010 fere princípios da Constituição Federal, da Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990) e da Constituição Estado de São Paulo, bem como trará danos irreparáveis ao sistema de saúde com a diminuição dos leitos dos hospitais públicos para pacientes do SUS.
O art. 196 da Constituição Federal prescreve que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
E o art. 199 da Constituição Federal permite que a iniciativa privada preste serviços de assistência à saúde, de forma complementar ao Sistema Único de Saúde. Mas o parágrafo 2º deste dispositivo constitucional veda expressamente a destinação de recursos públicos às instituições privadas com fins lucrativos. E a LC nº 1.131/2010 nada mais faz que destinar recursos públicos aos planos de saúde privados, disponibilizando para as operadoras a infraestrutura criada com financiamento público, e oficializa a chamada “dupla fila” ou “dupla porta” nos serviços de saúde do SUS, uma para aqueles que possuem planos de saúde e outra que atende aos demais cidadãos, gerando assim atrasos para quem mais precisa por sua condição social.
Além disso, o artigo 43 da Lei nº 8.080/1990 prevê a gratuidade nos serviços públicos. E a Constituição do Estado de São Paulo também elenca o princípio da gratuidade (artigo 222, inciso V) para orientar o Estado acerca das diretrizes que são adotadas na área da saúde pública. Por fim, o Código de Saúde do Estado de São Paulo também preceitua a gratuidade das ações e serviços de saúde em seu art. 12.
Cabe ainda observar que esta Lei Complementar consiste em clara tentativa de burlar o instituto do ressarcimento ao SUS, previsto na Lei de Planos de Saúde, cuja legalidade e constitucionalidade vem sendo reafirmada por todas as instâncias do Poder Judiciário, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal.
O artigo 32 da Lei nº 9.656/98 prevê o ressarcimento ao SUS ao estabelecer que serão ressarcidos, pelas operadoras de planos de saúde, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, mas prestados a seus consumidores e respectivos dependentes por instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS.
Este instrumento foi criado com o claro objetivo de viabilizar o resgate de uma parte dos gastos do sistema público de saúde, que possui orçamento restrito se comparado à demanda da população, com o atendimento de clientes de planos de saúde.
Mais que um instrumento para viabilizar o resgate de uma parte dos gastos do sistema público de saúde, que possui orçamento restrito se comparado à demanda da população, com o atendimento de clientes de planos de saúde, o ressarcimento ao SUS deve ser visto como mais um meio para combater a prática abusiva e ilegal de recusa de cobertura pelos planos de saúde.
A recusa de cobrir procedimentos, principalmente aqueles que demandam altos custos, é prática reiterada das operadoras de planos de saúde, que acaba por empurrar os consumidores para o SUS, que presta um serviço para o qual as empresas privadas já foram pagas e tem o dever contratual e legal de prestar.
Vale lembrar que, desde a sua criação, o ressarcimento ao SUS não foi devidamente implementado e cobrado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. E o Tribunal de Contas da União – TCU realizou uma auditoria na ANS que constatou que a Agência não processa o ressarcimento ao SUS de procedimentos ambulatoriais, fazendo-o tão-somente quanto às Autorizações de Internação Hospitalar (AIH). Porém, conforme consta do relatório desta auditoria, os valores despendidos para clientes de planos de saúde, de 2003 a 2007, para pagamento dos atendimentos ambulatoriais de alto custo, processado por meio de Autorização de Procedimentos de Alto Custo (APAC) superam os das AIH em mais de R$ 10 bilhões.
Assim, além de o governo federal não buscar implementar adequadamente o ressarcimento ao SUS e reaver das operadoras o que o SUS gastou para tratar seus clientes de planos de saúde, o governo estadual sanciona uma lei para destinar leitos dos hospitais públicos às operadoras de planos de saúde e desviar quase dois milhões de atendimentos para os usuários de planos de saúde privados, ou seja, dois milhões de atendimentos a menos para usuários do SUS.
Diante disso, sete entidades da sociedade civil apresentaram no dia 15/02/2011 uma representação contra a Lei Complementar nº 1.131/2010 ao Ministério Público Estadual. Assinam a representação o Instituto de Direito Sanitário Aplicado – Idisa, o Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo – Cosems/SP, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec, o Sindicato dos Médicos de São Paulo – Simesp, o Fórum das ONG Aids do Estado de São Paulo, o Grupo Pela Vidda-SP e o Grupo de Incentivo à Vida – GIV.
O Idec, que tem como meta missão contribuir para que todos os cidadãos tenham acesso a bens e serviços essenciais e para o desenvolvimento social, e como um dos signatários da representação acima mencionada, espera que o Ministério Público tome todas as providências a seu alcance para questionar a legitimidade e a constitucionalidade da Lei Complementar nº 1.131/2010.