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Brasil no escuro

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Pesquisa do Idec revela que a qualidade do fornecimento de energia elétrica não é igual em todo o País: cidadãos de algumas regiões ficam muito mais horas sem luz por ano do que os de outras partes do Brasil

Os 180 mil moradores de dois municípios paraenses ainda esperavam pela volta da energia elétrica no dia 12 de junho, depois de um incêndio ter atingido a subestação de Vila do Conde, em Barcarena, no nordeste do Estado. Era dia dos Namorados. E os casais das cidades de Moju, com 77 mil habitantes, e Tailândia, com 103 mil pessoas, seriam obrigados a jantar à luz de velas. Eles aguardavam desde o domingo, dia 10, a resolução do problema que também afetou os cidadãos de Abaetetuba, Barcarena, Cachoeira do Arari, Igarapé Mirim, Mocajuba, Salvaterra, Soure e Tomé-Açu.

A Centrais Elétricas do Pará (Celpa), concessionária responsável pelo serviço elétrico na região, prometeu “todo o suporte necessário à situação”, mas enviou somente um caminhão aos municípios. O veículo partiu da sede da empresa, em Benevides, a 252 quilômetros de Tailândia, a parada final para os reparos. Em nota, diretores da companhia declararam que o restabelecimento “levou um pouco mais de tempo devido à complexidade do incidente e ao deslocamento da subestação móvel”.

As justificativas não convenceram os consumidores, que se juntaram a 3.963 mil outros paraenses que recorreram ao Procon estadual contra a companhia por motivos diversos só nos primeiros seis meses deste ano. Dados do órgão paraense mostram que a Celpa também recebeu grande número de queixas em 2017, sendo a líder de reclamações no setor elétrico, com 9.331 mil.

Foram cenários como esse que motivaram o Idec a avaliar a qualidade do serviço de fornecimento de energia das concessionárias e permissionárias brasileiras. Veja como foi feito o levantamento no quadro abaixo.

COMO FOI FEITA A PESQUISA

Neste estudo, consideramos toda a área de distribuição de energia elétrica do Brasil, que conta com 91 distribuidoras de energia elétrica, que atendem, atualmente, a 81 milhões de unidades consumidoras.

Foram feitas análises nacional e regional no período de 2011 a 2017. Para ambas, foram levados em conta os seguintes aspectos: o número de unidades consumidoras ao longo do tempo, o número de unidades consumidoras afetadas pela violação dos indicadores de continuidade de serviço e o valor limite desses indicadores. A análise nacional apresenta a atuação das regiões brasileiras na continuidade do fornecimento de energia. Já a regional evidencia o desempenho dos Estados e das distribuidoras de energia.

Os dados avaliados foram extraídos do site da Aneel.

Clauber Leite, engenheiro e pesquisador do Idec em Energia e Consumo Sustentável

ELETRICIDADE DESIGUAL

Considerando os conjuntos elétricos das distribuidoras (área de atendimento que pode englobar mais de um município) e suas respectivas unidades consumidoras – UCs (propriedade com instalações, equipamentos elétricos, condutores e acessórios como o relógio medidor), o Instituto analisou as violações ao valor limite dos indicadores DEC (Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) – que mede quanto tempo um conjunto elétrico ficou sem energia –, e FEC (Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) – que informa a constância com que o corte de energia ocorre.

O problema é que o limite médio para esses dois indicadores pode variar bastante, pois são definidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para os conjuntos elétricos das distribuidoras considerando vários fatores, como densidade das unidades consumidoras, o mercado de energia, a vegetação da área, o índice pluviométrico, entre outros.

De forma geral, Centro-Oeste e Norte são as regiões cuja qualidade do serviço prestado é menos adequada. A situação varia de distribuidora para distribuidora e de conjunto para conjunto, mas, na média, Sul e Sudeste têm os melhores indicadores.

Em comparação, enquanto um morador do Amazonas pode ficar até 48 horas seguidas e 45 vezes por ano sem energia elétrica, quem vive em São Paulo enfrenta, no máximo, sete horas seguidas de escuridão, seis vezes por ano. Desigualdade, portanto, define: o amazonense tende a sentir os impactos da falta de eletricidade cerca de sete vezes mais do que o paulista. Quanto às médias regionais, é possível perceber um cenário muito semelhante: moradores da região Norte podem ficar 31 horas seguidas e 28 vezes por ano sem luz, enquanto residentes da região Sudeste têm chances de passar nove horas seguidas à luz de velas, e anualmente, ver a energia acabar sete vezes.

Questionada sobre essa diferença gritante entre conjuntos elétricos, a Aneel afirmou que a metodologia comparativa da agência mostra que há redução da diferença com o passar do tempo. Contudo, não existe uma previsão para que todas as regiões do Brasil tenham um mesmo limite. Uma das razões são as sensíveis diferenças do padrão de rede, da infraestrutura e das características de atendimento. Além disso, se houvesse homogeneização dos limites, as áreas mais desafiadoras para atuação das concessionárias teriam as tarifas elevadas. A agência também reforçou que os limites são estabelecidos levando em conta as realidades distintas do País. Por essa razão, os limites para conjuntos elétricos da região Amazônica são, de fato, diferentes dos de grandes áreas metropolitanas.

“Quando a Aneel determina limites de qualidade diferentes para cada concessionária e, consequentemente, para os consumidores, está adotando uma prática incompatível com a boa-fé objetiva e a equidade. O fornecimento de energia elétrica, que é um serviço essencial, deve ser feito de maneira adequada, eficiente, segura e contínua. Portanto, o limite deveria ser universal”, declara o engenheiro Clauber Leite, pesquisador do Idec em Energia e Consumo Sustentável e responsável por este levantamento.

QUALIDADE DO SERVIÇO

Com o objetivo de verificar a qualidade do serviço prestado e o desempenho do sistema elétrico das distribuidoras, o DEC e o FEC são calculados pelas empresas mensalmente e informados à Aneel. O objetivo da agência é realizar a gestão do fornecimento do serviço e da estrutura física do sistema, como cabos, fiação, postes de energia e centros de distribuição. Porém, os conjuntos elétricos possuem diferentes condições ambientais e de infraestrutura e, consequentemente, vulnerabilidades específicas que influenciam as interrupções no fornecimento de energia. E, como o número de unidades consumidoras tem crescido, as fraquezas do sistema ficam mais expostas. De 2011 a 2017, a quantidade de unidades consumidoras aumentou, em média, 2,8% ao ano, ou seja, aproximadamente 1,9 milhão de unidades a mais anualmente. A região Norte foi a que mais cresceu, 5,7% ao ano, seguida da Centro-Oeste, com 3,7%.

O levantamento também analisou o aumento das quedas de energia por região. Até 2015, o número de unidades afetadas subiu. Já em 2016 e 2017, houve leve diminuição. Em todo o período da pesquisa – de 2011 a 2017 – Norte e Centro-Oeste foram as regiões mais prejudicadas pela descontinuidade do serviço. Em 2017, quando Sudeste e Sul tiveram menos problemas, Norte e Centro-Oeste não acompanharam o movimento. Pelo contrário, a interrupção do fornecimento foi mais frequente, e de 2016 para 2017, o número de unidades consumidoras afetadas inflou.

Na região Norte, o Idec constatou que as quedas de energia no Acre e no Amapá têm afetado parte significativa de consumidores, chegando a quase 100%. Em Roraima é pior: o número de interrupções entrou numa curva crescente, tendo, no ano passado, atingido 100% das unidades. Já no Centro-Oeste, apesar de o período entre 2015 e 2016 ter apresentado pequena redução das suspensões de fornecimento, 2017 quebrou o ritmo, com mais gente sem energia elétrica, principalmente em Goiás, o Estado mais crítico, onde a quase totalidade das unidades sofreu com as “paradas” da rede.

Sul e Sudeste têm em comum o ano de 2014 como o período com mais corte de fornecimento. Depois, houve melhora nos índices, mas Rio Grande do Sul e Espírito Santo ainda são destaques negativos. O Nordeste também melhorou os índices de falta de energia até 2015, com queda no ano seguinte. Em 2017, contudo, nova subida perturbou a região. Alagoas, Bahia, Pernambuco e Piauí foram os Estados mais atingidos. Já o Maranhão tem visto as interrupções diminuírem ao longo dos anos.

QUEM APAGA MAIS A LUZ?

As concessionárias que mais contribuem para os resultados negativos quanto ao tempo de falta de energia no Centro-Oeste do País, com 6,3 milhões de unidades consumidoras, são a Companhia Celg de Participações – sediada em Goiás e adquirida recentemente pela transnacional Enel – e a Energisa, de Mato Grosso. No Norte, que possui 5 milhões de unidades, a Energisa, do Amazonas, é a maior vilã. Moradora de Barcarena (PA), também na região Norte, a engenheira civil Marisa de Souza não confia na rede. “As quedas de energia são constantes, e isso não exclui ninguém. Já trabalhei em um grande complexo industrial com uma subestação de energia para dar suporte às operações na área de produção de alumínio. Porém, devido a fatores externos na rede de transmissão, as interrupções ocorrem. Nas casas, então, você pode imaginar, né?”, ela conta. No Nordeste, com total de 21,1 milhões de unidades atendidas, os maus números de Alagoas, Bahia, Pernambuco e Piauí vêm das concessionárias Eletrobras Alagoas, Eletrobras Piauí, Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba) e Companhia Energética de Pernambuco (Celpe).

O Sudeste, com 36,1 milhões de unidades, tem o Espírito Santo, com a Empresa Luz e Força Santa Maria SA (ELFSM) empurrando o Estado para a lanterna, literalmente. Ainda que outros Estados da região tenham menos problemas, não faltam reclamações. A jornalista Michele Zamarioni, moradora de Extrema (MG), diz que a prioridade da Energisa é o polo industrial local, algo que, por vezes, faz com o que o serviço de fornecimento a casas e comércios seja negligenciado. “A gente tem mais de 180 empresas aqui. Imagina o quanto de energia usa uma Bauducco, uma Panasonic. Até janeiro, tinha muito problema de interrupção. Agora, faz um tempo que a energia não cai”, pondera.

O Sul, com 12,4 milhões de pontos de medição de consumo, tem o pior índice no Rio Grande do Sul, graças às concessionárias Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE-D) e RGE, pertencente ao grupo chinês CPFL Energia. João Paulo Reis Costa, professor e pesquisador da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (Efasc), na região gaúcha do Vale do Rio Pardo, revela que nas áreas rurais a questão é mais problemática. “No campo, a força da energia não acompanha a necessidade dos agricultores familiares. Várias famílias não conseguem investir em equipamentos de maior porte em função da energia muito fraca. Sem falar de tantas áreas onde é comum ficar cinco dias sem energia, depois de ventos e chuvas”, ressalta. Ele frisa, ainda, que a energia elétrica é um gargalo para o desenvolvimento da região por ser inibidora de investimentos nas propriedades, o que causa a estagnação ou até diminuição da produção. “O problema, a meu ver, é que a energia elétrica é uma questão privada. Ficamos reféns disso. Infelizmente, a Agergs [Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul], que é a agência reguladora aqui, não passa de um mero cabide de empregos, que não se posiciona em relação às concessionárias”, critica.

A partir da análise dos dados regionais, o Idec confirmou que há mesmo discrepâncias no fornecimento de energia. “Isso pode ser corroborado pelo fato de o Sudeste apresentar um valor limite de nove horas, e o Norte, de 31 horas”, enfatiza Leite. Ao realizar a avaliação dos conjuntos elétricos, ele verificou que o melhor índice é de uma hora seguida num dia e uma vez por ano sem energia, aplicado pela concessionária Light em 11 conjuntos da zona sul carioca, com 281 mil unidades consumidoras. “Por outro lado, um consumidor do conjunto Purus Madeira, em Manaus (AM), com 61 mil unidades, pode ficar até 103 horas sem energia no ano”, compara o pesquisador do Idec.

Quanto à piora dos índices nos últimos anos por região, Estado e concessionária, a Aneel garante que, nos últimos dois anos, de acordo com números apresentados pelas distribuidoras, o desempenho do DEC e do FEC tiveram “sensível melhoria”. Contudo, como a análise feita pelo Idec considerou o período de sete anos, foi identificada melhora no Norte, principalmente no Pará, e no Sudeste – com exceção de São Paulo – e piora no Centro-Oeste, no Sul e no Nordeste.