Sabor enganação
Mas não é só isso. Além dos riscos à saúde, há um outro fator que torna o uso massivo de aditivos preocupante: muitos deles alteram as características do alimento, fazendo-os parecer uma coisa que não são. Para fins didáticos, classificamos esse tipo de aditivo como "transformador". O levantamento do Idec identificou que, entre os produtos avaliados, esse tipo é o mais empregado, principalmente os aromatizantes (50% dos produtos) e os corantes (41,6%). "Os aditivos transformadores são utilizados em produtos ultraprocessados para que eles se pareçam com um alimento de verdade. Por isso, enganam o consumidor", critica Bortoletto. Ela cita o exemplo de um suco de uva de caixinha que, na verdade, tem como base suco concentrado de maçã. Por isso precisa adicionar corantes e aromatizantes, para ficar com a aparência e o sabor da fruta que estampa a embalagem.
Há também aditivos classificados pelo Idec como "conservadores", usados para manter as características do produto, como os conservantes e os antioxidantes. Os alimentos que contêm apenas aditivos desse tipo não são necessariamente ultraprocessados. "O leite de caixinha, por exemplo, tem alguns aditivos para conservar, mas que não mudam suas características", cita a nutricionista. Já nos molhos para salada, embora a maioria dos aditivos tenha função conservadora, há também transformadores na fórmula. Este, sim, é um produto ultraprocessado.
QUANTIDADES BEM DIFERENTES
A pesquisa também constatou que, em alguns casos, a quantidade de aditivos varia bastante de acordo com a marca do produto. Por exemplo, enquanto uma marca de salgadinho não contém nenhum aditivo, outra tem seis. A diferença também impressiona entre as barrinhas de cereais: uma marca contém quatro aditivos, outra tem 17 entre seus ingredientes!
Segundo a nutricionista do Idec, a discrepância na quantidade dessas substâncias em alimentos da mesma categoria tem a ver com duas coisas: o grau de processamento e a qualidade da matéria-prima utilizada. "Normalmente, os produtos que têm mais aditivos são aqueles que passam por mais processos de transformação, que usam mais ingredientes industriais e subprodutos de alimentos, como extratos e soros, em vez de alimentos inteiros. Os aditivos mascaram o processo", explica Bortoletto.
Nesse sentido, a especialista defende que é possível ter no mercado alimentos com menos aditivos e com mais qualidade. Só que isso, na maioria das vezes, representa mais custos para a indústria. "Usar alimentos inteiros é mais caro. Os aditivos também são empregados para baratear o produto". Levando isso em conta, Bortoletto recomenda que, quando for comprar um alimento ultraprocessado, o consumidor compare a quantidade dessas substâncias em produtos de diferentes marcas. "Quanto menos aditivos, melhor", lembra.
Só tem um problema: embora os aditivos devam ser declarados na lista de ingredientes, a indústria pode indicar, em vez de seu nome, um código numérico. Trata-se do INS, sigla para Sistema Internacional de Numeração. No Brasil e demais países do Mercosul, é obrigatório indicar a função tecnológica do aditivo e seu nome ou seu código INS. Pode aparecer, por exemplo, "conservante ácido sórbico" ou "conservante INS 200".
Segundo a Anvisa, a norma de rotulagem geral de alimentos, que inclui as regras para a lista de ingredientes, está em processo de revisão, e a declaração de aditivos possivelmente será alterada para dar mais clareza ao rótulo. Por enquanto, ao deparar com códigos numéricos na lista, o consumidor já sabe que se trata de algum tipo de aditivo. A lógica também vale para outros termos estranhos, que não são ingredientes conhecidos e nem lembram comida.
SABOR ENGANAÇÃO
Pesquisa do Idec com 96 produtos mostra que corantes e aromatizantes são os aditivos alimentares mais utilizados e que a quantidade dessas substâncias varia muito de uma marca para outra
Estabilizante goma xantana, acidulantes ácido lático e ácido cítrico, corante inorgânico dióxido de titânio, conservador sorbato de potássio, antioxidantes BHA e BHT e sequestrante EDTA cálcio dissódico. Essas substâncias com nomes estranhos podem estar no prato de alguém que, inocentemente, pensa fazer uma refeição saudável. Acredite se quiser: todos esses ingredientes artificiais são utilizados em um molho de salada! Esse tipo de produto é o que mais contém aditivos alimentares, de acordo com uma pesquisa do Idec que avaliou o rótulo de 96 alimentos, de diversas categorias. Em média, os molhos para salada avaliados contêm nove aditivos, e algumas marcas chegam a ter 11.
Mas, afinal, para que servem esses químicos nos alimentos? De acordo com a definição da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), "aditivo alimentar é qualquer ingrediente adicionado intencionalmente aos alimentos, sem propósito de nutrir, com o objetivo de modificar as características físicas, químicas, biológicas ou sensoriais (...)". Ou seja, a indústria utiliza aditivos com uma série de finalidades, como conservar; dar e realçar cor, sabor e cheiro; evitar oxidação; tornar uma mistura de ingredientes mais uniforme etc.
Atualmente, há 315 substâncias com essas funções autorizadas no Brasil, segundo a Anvisa. São elas as responsáveis por fazer com que grande parte dos alimentos SABOR ENGANAÇÃO industrializados não estraguem entre o tempo que saem da fábrica até chegar à nossa mesa e por dar a eles a "cara" e o gosto que conhecemos. No entanto, o aumento do consumo de produtos ultraprocessados tem feito crescer também a preocupação em relação à segurança dos aditivos.
Uma série de pesquisas relaciona essas substâncias a problemas de saúde. Corantes, por exemplo, são associados a vários efeitos adversos, principalmente alergias, além de males gastrointestinais e respiratórios. Um estudo realizado em 2006 da Universidade de Southampton, na Inglaterra, também apontou que um conservante muito utilizado, o benzoato de sódio, está relacionado ao desenvolvimento de hiperatividade em crianças. "Embora haja limites para o uso de aditivos, o consumo frequente de alimentos ultraprocessados expõe a um risco maior", aponta Ana Paula Bortoletto, nutricionista e pesquisadora do Idec. "Além disso, a maioria dos estudos avalia uma substância isoladamente. Não se sabe bem os efeitos do consumo excessivo e combinado de várias delas em longo prazo", completa.