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<em>Confira entrevista com Marilena Lazzarini</em>

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Atualizado: 

18/08/2011

No mês de março comemoram-se duas datas que imediatamente fazem pensar em Marilena Lazzarini: o Dia do Consumidor (15) e o Dia Internacional da Mulher (8). Uma mulher que desde muito cedo ocupou espaços públicos, todos ligados à defesa dos direitos do consumidor e quase sempre reservado aos homens, Marilena foi, desde 1976, integrante do grupo que criou o Procon-SP, e depois entre 1983 e 1987, sua diretora-executiva. Uma das fundadoras do Idec e, por um bom tempo, sua principal dirigente, a militante lutará em um plano mais estratégico dentro do Conselho Diretor do Instituto, no qual pretende aproveitar sua experiência internacional adquirida à frente da Consumers International.

Fortalecimento do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), extensão dos direitos já consolidados aos mais vulneráveis, internacionalização da defesa dos consumidores no âmbito das Américas, eleições 2010, luta dos poupadores contra os bancos nos tribunais brasileiros e relações entre clima e consumo foram alguns dos assuntos presentes na conversa que você confere a seguir

Idec: Por que depois de quase 23 anos presente no dia-a-dia do Idec, você resolveu voltar ao Conselho Diretor?
Marilena Lazzarini:
O Idec já está consolidado como instituição. A atual coordenadora-executiva [Lisa Gunn] é uma líder jovem, bem preparada tecnicamente, e a atual equipe é capaz de fortalecer o projeto e levá-lo adiante. Pessoalmente, estou fechando um ciclo: comecei no Conselho Diretor, exerci várias funções no Idec e também tive uma experiência internacional na luta pelos consumidores, como presidente do conselho da Consumers International, que reúne entidades de defesa do consumidor em 115 países. Essa foi uma experiência muito boa, pois lidei com as mais diversas realidades. Acho que agora posso trazer essa vivência para o Idec.

Idec: Quais serão os maiores desafios para esta fase do Idec?
ML:
O Idec tem credibilidade e legitimidade porque é uma instituição responsável, que trabalha com seriedade e, especialmente, que não apenas critica, mas é propositiva e oferece contribuições. Além disso, tem uma agenda temática afinada com a realidade nacional. O Idec é brasileiro, focado nos problemas da população e em sua realidade. Os associados do Idec são pessoas que querem defender os seus direitos enquanto consumidores e, para isso, precisam do nosso apoio e de nossa orientação. Mais do que receber benefícios imediatos, eles apoiam um projeto maior, de construção da cidadania. Por isso, um grande desafio é manter a sustentabilidade e ampliar a capacidade de atuação do Instituto. Precisamos conquistar mais gente que apoie a nossa causa, porque, quanto mais associados tivermos, mais poderemos fazer pelos consumidores do Brasil. Outro desafio é envolver as instituições parceiras nessa empreitada, criando um efeito multiplicador.

Idec: Você acha que o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), composto por órgãos federais, Procons de vários estados e cidades, e entidades civis, avançou no governo Lula? O que precisa melhorar?
ML: Sim, especialmente, pela liderança do Ricardo Morishita, que está há sete anos no DPDC [Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor] e pela tenacidade da equipe, que é muito pequena, infelizmente. Um avanço importantíssimo foi o Sindec [Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor], que sistematiza as reclamações dos consumidores em praticamente todos os Procons. Foi uma iniciativa excelente do DPDC, que hoje nos permite ter a fotografia fiel da conduta das empresas no país e buscar soluções a partir disso. Outro avanço foi a melhora na articulação do SNDC, especialmente com órgãos públicos, os Procons e ministérios públicos. Foi iniciada também a inclusão de entidades civis, como o Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC). O projeto do Idec sobre regulação, apoiado pelo BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], contribuiu bastante nesse sentido. Este é um aspecto que deve ser aperfeiçoado, mas para que isso aconteça, o órgão nacional de defesa do consumidor, que é um mero departamento, precisa ser valorizado e fortalecido. 

Idec: Neste ano temos eleições. Qual deveria ser a principal reivindicação dos consumidores ao futuro presidente e aos governadores?
ML: Estas eleições acontecem em um cenário de crescimento econômico do país. Trinta milhões de consumidores foram incorporados à classe média, usando o crédito intensamente e adquirindo bens e serviços. E esse universo tende a crescer. Isso é excelente, mas não podemos nos esquecer de que, embora tenhamos um Código de Defesa do Consumidor há praticamente 20 anos, não há programas de educação para o consumo, como acontece nos países mais desenvolvidos, e a vulnerabilidade da maioria dos consumidores ainda é grande, pois estes não conhecem os seus direitos. E quando os problemas acontecem, não sabem o que fazer para exigi-los, indo reclamar nos Procons ou arcando com os prejuízos. Para essa parcela de consumidores recém-chegados ao mercado, a vulnerabilidade é ainda maior. Para que o mercado funcione bem, é necessário equilíbrio e o consumidor deve ser protegido. É assim em todas as sociedades desenvolvidas. Nesse cenário, a educação para o consumo é fundamental. O sistema nacional precisa ser fortalecido, especialmente, nos seus elos mais fracos: o órgão coordenador [DPDC] e as entidades civis. É importante que sejam criadas políticas que contribuam para a sustentação das entidades civis, de forma independente, sem atrelamento a partidos políticos. 

Idec: Como o consumidor pode escolher os deputados federais e estaduais nos quais votar?
ML: Há muitos aspectos importantes a serem observados em um candidato, mas é difícil para o eleitor saber quais se relacionam com a sua condição de consumidor. Daí a importância de as entidades de defesa do consumidor tratarem disso. O FNECDC, com a contribuição do Idec, costuma apresentar propostas para discussão com seus associados, apoiadores e o público em geral, na forma de plataformas eleitorais. E nestas eleições isso vai ser feito, certamente. 

Idec: Quais problemas você acredita que os consumidores terão que enfrentar mais frequentemente nos próximos anos?
ML: O crescente apelo para o consumo, uma vez que a publicidade invade todos os espaços, é um dos principais, pois precipita decisões não responsáveis, especialmente por parte do público infanto-juvenil. Daí a importância da educação para o consumo nas escolas, já incorporada nos parâmetros curriculares do MEC [Ministério da Educação e Cultura], mas ainda não implementada. Outros problemas são o crédito e o endividamento, temas da Consumers International para o Dia do Consumidor deste ano. E também a urgência do consumo responsável, evidenciada pelas mudanças climáticas. Parece que o planeta Terra está cansado de ter a espécie humana como hóspede e pretende nos expulsar. 

Idec: Como você vislumbra a defesa do consumidor numa época em que o comércio eletrônico é global e a internet substitui a relação direta do consumidor com o fornecedor?
ML: Não basta termos legislações e instituições locais e nacionais, também necessitamos de regras e acordos internacionais, como a Convenção Internacional que está sendo discutida no âmbito da OEA [Organização dos Estados Americanos] para o comércio eletrônico, com grande esforço da delegação brasileira e contribuição da professora Cláudia Lima Marques. O consumo nos dias de hoje é cada vez mais internacionalizado. Entretanto, até o momento os fóruns internacionais têm sido tímidos na criação de normas para aproximar os esforços de todos os países em relação à proteção do consumidor, que é o principal protagonista desse mercado internacionalizado. 

Idec: E como é possível regulamentar mercados e atividades num cenário em que os governos nacionais perdem força frente às grandes corporações?
ML: Esse cenário de grande desequilíbrio é prejudicial ao mercado, como ficou comprovado recentemente, com a crise financeira internacional, ocorrida devido à falta de regulação dos mercados financeiros. E os governos estão percebendo isso. Essa realidade só fortalece a tese de que a política de proteção ao consumidor deve ser efetiva e de que a educação para o consumo implementada. Somente assim será possível iniciar um ciclo virtuoso, mais equilibrado, em que o consumidor possa solucionar os seus problemas individuais e apoie as organizações que, no caso das questões de âmbito coletivo, irão contribuir, de forma propositiva, na regulamentação junto aos poderes Legislativo e Executivo. 

Idec: A crise econômica de 2008/2009 deixou lições a respeito disso, mas os governos parecem que avançaram pouco, mesmo nos EUA.
ML: O sistema tem uma inércia muito forte devido ao poder das corporações empresariais, que se ligam, por sua vez, ao poder político-partidário, pelo financiamento das eleições. E, por outro lado, as instituições internacionais não têm funcionado adequadamente para oferecer respostas a isso. Na década de 90, depois de muito esforço, a Consumers International amargou o fracasso pela não aprovação de um código de conduta para as corporações transnacionais na ONU [Organização das Nações Unidas]. 

Idec: Explique a posição do Idec na luta pela recuperação das perdas das poupanças.
ML: O Idec entrou nessa discussão nos anos 90, a partir das perdas do plano Collor. Primeiro, por meio de uma ADIN [Ação Direta de Inconstitucionalidade], os bancos não queriam que o Código de Defesa do Consumidor se aplicasse a eles, isto é, já tinham a intenção de descaracterizar sua relação com o cliente como uma relação de consumo. Com a poupança ocorre a mesma coisa: eles também querem rasgar o contrato estabelecido com o poupador. É importante esclarecer que o Idec não contesta o mérito ou a constitucionalidade dos planos econômicos, mas a maneira como os bancos aplicaram os indexadores que corrigiam a poupança, descumprindo o contrato, porque o fizeram retroativamente, e não apenas a partir da decretação dos planos, o que seria normal. Então, o poupador pagou a conta dessa manobra dos bancos. Ora, quando a Justiça reconheceu o direto do poupador de reaver seu dinheiro, eles [os bancos] propõem uma nova ação no Supremo [Tribunal Federal] - uma ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] que pararia tudo que já foi feito até hoje e daqui por diante. É um desrespeito diante do qual o Idec não se calará. 

Idec: A conferência do clima de Copenhague resultou em quase nada de concreto: governos não assumiram mudanças significativas e empresas modificarão apenas aquilo que lhes for conveniente. O que o consumidor consciente deve fazer? É justo exigir que milhões de pessoas que acabaram de ter acesso a bens e serviços deixem de consumir? 
ML: Não deve haver renúncia, o Idec luta pelo acesso ao consumo. Mas é preciso especificar de que consumo estamos tratando. Essas pessoas precisam melhorar a sua qualidade de vida, o que só vai acontecer pela prática do consumo responsável, que não é necessariamente sinônimo de aquisição de uma porção de eletrônicos, roupas e calçados com etiquetas famosas, e alimentos fast food não saudáveis. Mudar os padrões de produção e consumo é o mais importante a fazer para mitigar essa questão e o consumidor pode ajudar muito. Sugiro àqueles que ainda não conhecem a campanha Clima & Consumo, do Idec e do Vitae Civilis [Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz, que acessem www.climaeconsumo.org.br.

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