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Direito absoluto à publicidade?

<p> <i>Artigo escrito por Karina Grou, Coordenadora de A&ccedil;&otilde;es Judiciais do Idec, para o &Uacute;ltima Inst&acirc;ncia, aqui editado por Carlos Thadeu, Supervisor de Informa&ccedil;&atilde;o do Idec</i></p>

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Atualizado: 

10/08/2011

Os que repudiam qualquer restrição à publicidade comercial buscam a equiparação do direito à expressão comercial aos direitos de liberdade de informação e de expressão. Trata-se de defender a liberdade de expressão comercial como espécie do gênero direitos humanos fundamentais. Mais do que isso, procuram caracterizar o direito à publicidade comercial como direito absoluto!

Mas, um olhar rápido no texto da Constituição Federal permite concluir que não se trata disso.

Em primeiro lugar, vale lembrar que mesmo os direitos humanos fundamentais não guardam caráter absoluto, sofrendo limitações especialmente nos casos onde há confronto entre eles. Não são raras estas situações.

Citemos apenas um exemplo de oposição entre direitos humanos fundamentais apenas para ilustrar: o embate entre o direito à saúde e o direito à intimidade. Na história do Brasil, essa situação é muito comum em questões importantes de saúde pública. Este dilema reapareceu mais recentemente na vida do país quando ressurgiu o grave problema da dengue, em 2002.

Na ocasião, o enfrentamento da epidemia se deparava com os obstáculos das casas fechadas sem moradores ou das recusas dos moradores em permitir o acesso dos agentes sanitários. Naquele momento, após debate em torno da estratégia de enfrentamento da epidemia, que envolvia argumentos favoráveis e contrários a uma atuação estatal mais agressiva - que contemplava a franquia inclusive forçada aos lares pelos agentes de saúde -, a conclusão de alguns juristas foi a de que a ameaça iminente à saúde pública era razão suficiente para justificar tal procedimento. Evidentemente, em casos em que não pairava tal ameaça, o ingresso forçado, sem autorização judicial, só se justificaria em imóveis abandonados ou desabitados. Essa interpretação, de Sueli Dallari, entre outros, inclusive ficou consignada em documento publicado pela Fundação Nacional de Saúde (Liberdade individual e controle sanitário, Brasília, 2002).

A questão poderia ser aprofundada, mas o essencial a reter, na discussão, é que mesmo o direito à intimidade pode ser relativizado diante da necessidade de se proteger a saúde da população. O que se dirá então do direito à liberdade de expressão comercial, que não é direito fundamental e muito menos absoluto.

Nos últimos dias, um manifesto elaborado por publicitários se contrapôs à atuação estatal, especialmente à da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a de eventuais leis que imponham limites à propaganda e promoção de alimentos não saudáveis e bebidas alcoólicas. Muito parecido com a oposição do meio publicitário, em passado não muito distante, às limitações à propaganda de cigarro.

Publicidade comercial ou liberdade de expressão comercial é "a atividade desenvolvida para fomentar o consumo ou para seduzir o consumidor para a aquisição de determinado produto ou serviço", segundo Vidal Serrano Nunes Júnior (Publicidade Comercial. Proteção e Limites na Constituição de 1988, São Paulo). Nítido está o caráter econômico da liberdade de expressão comercial que tem como titulares imediatos os publicitários do referido Manifesto.

Não se trata, portanto, pura e simplesmente de liberdade de manifestação do pensamento, de direito de opinião ou de informação. Também não se trata de liberdade de imprensa que, aliás, também nos parece atingida pelos excessos do Manifesto dos Publicitários quando afirma ser a publicidade o sustento da liberdade de imprensa. Será que, pelo menos em algum nível, a afirmação não representa uma ameaça velada à imparcialidade que deve pautar os órgãos de imprensa?

As recentes discussões colocam em confronto o direito à publicidade e o direito à saúde da população brasileira, exatamente o que se quer preservar quando se fala em proibir publicidade de bebidas alcoólicas, de medicamentos e de alimentos não saudáveis. Parece claro que, diante deste confronto, a saúde deve prevalecer, restringindo-se a publicidade.

O direito à saúde é intrinsecamente relacionado ao direito à vida e integra o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana, que é fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, III) e limitador da atividade econômica (artigo 170, caput, da Constituição Federal), assim como a defesa do consumidor (artigo 170, V, da Constituição).

E não podemos nós deixar de reconhecer a influência das mais variadas formas de publicidade no consumo de produtos e serviços e, por conseqüência, o impacto que o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, medicamentos e alimentos não saudáveis vêm causando à saúde das pessoas. Basta olhar o programa de qualquer curso de formação de publicitários e salta aos olhos o estudo das mais variadas estratégias para atingir o emocional das pessoas e impingir-lhes produtos e serviços.

Basta olhar os números e os vultosos recursos públicos gastos com tratamento de crianças obesas, intoxicações medicamentosas e com o alcoolismo e acidentes causados por pessoas alcoolizadas. Aliás, não seria contra-senso punir com severidade os motoristas com baixíssimos limiares de álcool no sangue e não fazer nada quanto ao estímulo desenfreado ao consumo de bebidas?

A publicidade e o direito se dirigem ao homem e ambos levam em conta as fragilidades humanas, embora com intuitos bem diferentes. O "levar em conta a fragilidade humana" do Direito é que admite, ou mesmo impõe, a restrição da publicidade em prol da saúde pública. Por essa razão, o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) defende a aprovação imediata do PL 2733/08, que dispõe sobre restrições à publicidade de bebidas alcoólicas, e que as regulamentações da Anvisa proíbam a publicidade de medicamentos dirigida ao consumidor, mesmo de venda livre, e a publicidade de alimentos não saudáveis.
 

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