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01/03/2012
Atualizado:
29/09/2017
Daniel Mendes Santana
Nesta época do ano, diversas regiões do país têm sido castigadas por temporais. Diante disso, muitos são os casos de danos causados a automóveis em decorrência de inundações. Surge então a seguinte indagação: as seguradoras de veículos cobrem os danos ocasionados por enchentes?
De acordo com a Circular nº 306, de 2005 da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), as seguradoras compulsoriamente têm de oferecer cobertura à submersão total ou parcial proveniente de enchentes ou inundações, inclusive quando o veículo encontrar-se guardado em subsolo. Esta determinação abrange os chamados Seguros de Garantia Compreensiva A e B, significando que mesmo as apólices de seguro com garantia mais básicas devem possuir esta cobertura.
Esta mesma regulamentação estabelece que o segurado só terá direito à indenização integral se o dano do veículo atingir ou ultrapassar 75% do valor contratado fixado na apólice, conforme o plano contratado pelo segurado. Neste caso, para não ser surpreendido, o consumidor deve atentar-se aos termos da apólice do seguro contratado.
A finalidade maior do segurado ao celebrar um contrato de seguro é possuir a garantia de ressarcimento contra riscos predeterminados. Neste sentido, o artigo 757 do Código Civil dispõe: “art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento de prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.”
Todavia, existem casos de consumidores que, mesmo tendo celebrado contrato de seguro automotivo, passam por dificuldades para serem ressarcidos pela seguradora. Um desses motivos acaba sendo a maneira de preencher o questionário apresentado pela seguradora no momento da contratação deste seguro. Informar no questionário que possui o hábito de deixar o veículo apenas em estacionamentos, jamais estacionando nas ruas, pode deixar o preço do seguro mais barato para o consumidor. Entretanto, se o veículo for danificado por uma enchente justamente no momento em que este consumidor deixou o carro estacionado na rua, este terá maiores dificuldades em obter o ressarcimento.
Daí surge a crítica: ora, se a regulamentação da SUSEP estabelece que o segurado possui direito a ser ressarcido diante de danos provenientes de submersão total ou parcial provocado por enchentes e inundações, inclusive quando o veículo encontrar-se estacionado em subsolo, não há motivo para a seguradora se recusar a ressarcir o segurado simplesmente sob a alegação deste encontrar-se estacionado na rua momento da inundação.
Ademais, o preenchimento do questionário serve apenas para elucidar os hábitos do consumidor à seguradora. As respostas apresentadas pelo consumidor em tal questionário não devem servir para isentar a seguradora da obrigação de ressarcimento caso ocorra alguma situação atípica. Esse entendimento decorre dos princípios norteadores das relações de consumo relativos à boa fé e lealdade contratual, elucidados no artigo 4º, III do Código de Defesa do Consumidor, princípios estes corroborados no próprio Código Civil que, em seu artigo 765, prevê que tanto o segurado como também o segurador devem se pautar pela estrita boa-fé e veracidade nas declarações prestadas e nas circunstâncias concernentes ao objeto do contrato.
Observados tais princípios, é fundamental a compreensão de que, tendo o segurado agido de boa-fé nas suas declarações – o que, na inteligência do Código de Defesa do Consumidor, deve ser provado pelo segurador –, deverá o segurador também agir de boa-fé em relação às circunstâncias que envolvem o objeto do contrato, quais sejam, o risco que, ainda que predeterminado, poderá sofrer variações mínimas que não o isentarão de arcar com a cobertura uma vez contratada.
Desse modo, poderá o consumidor muito bem deixar o carro sempre em estacionamentos mas, em determinado dia, quando não houver estacionamento por perto ou estiver em uma situação de emergência, estacionar o seu carro na rua e sofrer um sinistro. Neste caso, o simples questionário preenchido pelo consumidor não se mostrará suficiente a ensejar o não ressarcimento deste consumidor.
Porém, o consumidor não está isento de se defrontar com a conduta da seguradora que adota o critério de oferecer a cobertura levando apenas em consideração o questionário preenchido pelo segurado por mais abusiva que ela seja e passível de contestação judicial. É relevante asseverar que caberá a esta informá-lo eficazmente sobre este método antes da celebração do contrato e orientá-lo no preenchimento da apólice.
É direito do consumidor ter plena ciência dos termos da apólice e sanar todas as dúvidas que venham a surgir, assim como cabe ao fornecedor prestar todo tipo de esclarecimento. Isto porque, tendo como base o direito à informação, previsto pelo artigo 6º, III do Código de Defesa do Consumidor, o contratante deve sanar todas as suas dúvidas sobre os termos contratuais antes de celebrar o referido contrato, sendo que os esclarecimentos acerca dos termos contratuais é uma obrigação que o fornecedor possui para com o consumidor.
Outro exemplo de dificuldades de ressarcimento ocorre quando o motorista enfrenta um alagamento, e a seguradora, sob a alegação de que este agravou por sua conta e risco os danos verificados no veículo, recusa-se a ressarcir o consumidor. Sobre esta situação, cumpre esclarecer que para se escusar de ressarcimento, cabe sempre à seguradora fazer prova de que uma eventual conduta imprudente do consumidor foi a causa para a ocorrência dos danos no veículo.
Via de regra o consumidor possuirá direito ao ressarcimento. Somente não terá direito ao ressarcimento nos casos em que a seguradora fizer prova inequívoca de que o próprio segurado deu origem ao dano por sua própria conta e risco. Não obstante, para se precaver de condutas abusivas e enfrentar dificuldades de ressarcimento diante de um eventual sinistro, o consumidor deve estar sempre atento no momento de celebrar o contrato, avaliando os termos e condições da apólice e esclarecendo todos os tipos de dúvidas com a seguradora que terá a obrigação de saná-las.
Importante lembrar que, caso haja na apólice de seguro cláusulas abusivas que coloquem o segurado em desvantagem exagerada, estas serão consideradas nulas de pleno direito nos termos do artigo 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor.