O transporte aéreo no Brasil tem vivenciado um crescimento esplêndido na última década. A economia é favorável, o que faz crescer a procura por opções de lazer, o que permite o crescimento do turismo, o que estimula a compra de pacotes e passagens, alcançando o uso do transporte aéreo.
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21/07/2011
Atualizado:
27/07/2017
Maria Elisa Novais
Dois grandes eventos do esporte mundial já estão agendados para o Brasil, o que faz crescer o interesse internacional nesta terra, o que faz aumentar as viagens destinada ao Brasil, o que aumenta o uso do transporte aéreo. A economia mais dinâmica também permite que viagens a negócios se multipliquem, o que leva ao aumento em rotas aéreas específicas. Isso resulta, necessariamente, em um fato: lucro para as empresas aéreas.
No entanto, em uma economia de massa, lucro não pode ser a única preocupação de uma empresa. Uma empresa fornecedora de serviços tem responsabilidades claramente definidas no Código de Defesa do Consumidor. Não bastasse, no caso de contrato de transporte, a responsabilidade definida no Código Civil é similar à definida no estatuto consumerista: objetiva. Ou seja, não há ponderação acerca da culpa do transportador sobre o defeito na prestação do serviço, ele apenas terá que indenizar os prejuízos causados.
Durante muito tempo, houve grande discussão sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos serviços de transporte aéreo. Vã discussão. O diploma consumerista não exclui qualquer situação fática que se enquadre na definição de serviço do § 2º do artigo 3º do Código. Os Tribunais brasileiros não se cansam de caracterizar o serviço de transporte aéreo como relação de consumo, afastando absolutamente a incidência do Código Brasileiro de Aeronáutica.
Apesar de tantas evidências, a própria Agência Nacional da Aviação Civil – ANAC resistiu durante muito tempo em dar o devido tratamento a essa relação de consumo travada entre fornecedor do transporte aéreo e seu consumidor.
Apenas após provocação por meio de ação civil pública (autos nº 2006.61.00.028224-0/6ª Vara Federal de São Paulo), capitaneada pelo Idec, Procon e outras associações é que a ANAC se propôs a discutir uma regulamentação para dar tratamento adequado às situações de atrasos e cancelamento de voos, impondo o dever de assistência informacional e material às empresas aéreas.
Porém, é sabido que regulação sem fiscalização não tem efeito algum. Os problemas nos aeroportos nacionais continuam os mesmos: atrasos e cancelamentos, sem muitas explicações e sem qualquer assistência.
É o que pôde ser observado na última terça-feira, quando o sistema de check-in da Gol falhou em Congonhas e a operação teve que ser feita manualmente. O sistema falhar não é o problema. Qualquer máquina está suscetível a falhas; o problema é o descaso com os passageiros que pediam informações sobre seu voo, sobre o ocorrido, sobre o tempo de solução do problema e não tinham resposta; o problema é não ter qualquer plano de emergência em uma situação de pane no sistema de modo a atender os ditames da Resolução nº 141/2010, quais sejam, prestar assistência informacional e material, de acordo com o tempo de atraso ou em caso de cancelamento de voos.
O Idec enviou carta à Gol para que ela esclarecesse o procedimento adotado para atendimento às demandas de informação dos consumidores, quantos consumidores foram afetados pela falha no sistema, quantos tiveram seus voos atrasados ou cancelados e qual a efetividade da medida adotada. A resposta da Gol foi rápida, porém superficial e evasiva, dando como justificativa tratar-se de uma situação atípica na companhia.
Atípica ou não, para a defesa do consumidor e para o regime do contrato de transportes não interessa. Todavia, qual a estrutura que os consumidores tinham à disposição para pleitear os seus direitos? Nenhuma, já que a ANAC não mantém mais postos em aeroportos para atendimento do consumidor. Houvesse mantido, poderia constatar in loco os abusos praticados pelas empresas aéreas e o claro descumprimento das regras relativas ao cancelamento e atrasos de voos. O que resta ao consumidor? Valer-se do Juizado Especial Cível? Então, a única saída é a judicialização da demanda e solução postergada, resolvida “no varejo”, individualmente. A agência reguladora, que tem competência e meios para resolver a situação “no atacado”, de forma consolidada, a fim de evitar que práticas prejudiciais aos consumidores se repitam, não está lá para exercer a sua função.
Cumpre, assim, questionar, nesse momento, que medida será adotada pela ANAC para punir a companhia aérea que trouxe tantos prejuízos a uma série de consumidores, cujo número nem é divulgado ainda que indagado, mas certamente, expressivo o suficiente para transtornar o funcionamento da operação com reflexos em todo o país.
A proteção do consumidor é um direito constitucional. Cabe, assim, à ANAC, como a tantas agências reguladoras, cumprir seu papel definido desde a sua criação, de exercer a proteção do consumidor como determina o artigo 5º, XXXII, da Constituição Federal, que determina que a defesa do consumidor pelo Estado é direito que reflete a cidadania e, neste caso, o Estado é a ANAC, que permanece silente diante dessas situações.