Bloco Associe-se

Associe-se ao Idec

ONGs de defesa do consumidor: eleições e ética*

Ao colocar a defesa do consumidor como um dos pilares dos direitos básicos do cidadão brasileiro, a Constituição Federal de 1988, juntamente com o Código de Defesa do Consumidor, atribuiu à sociedade a responsabilidade de participar na construção de políticas públicas que efetivem esses direitos e permitam a superação da posição de vulnerabilidade do consumidor em relação ao poder econômico. Esse é o desafio primordial das organizações de defesa do consumidor.  O Idec, fundado há 25 anos, por sua independência de governos, poder econômico, políticos e seus partidos, contabiliza hoje inúmeras conquistas notáveis em benefício da sociedade.

separador

Atualizado: 

29/09/2017
Marilena Lazzarini e Vidal Serrano Nunes Junior
Credibilidade e legitimidade são consequências de atuação ética. No plano internacional, um código de conduta deve ser seguido pelos membros da Consumers International, federação mundial de associações de consumidores fundada em 1962, com 220 membros em 115 países, da qual o Idec faz parte.  Em nosso país, as organizações filiadas ao Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC), fundado em 1998, também devem se pautar pelo princípio da independência, assim como os da transparência e democracia na gestão das entidades, da solidariedade e do compromisso social.  
 
Os problemas dos planos de saúde, das concessionárias de telefonia e de energia elétrica, dos abusos dos bancos, da falta de assistência técnica aos produtos eletroeletrônicos, entre tantos outros, afligem os cidadãos todos os dias.  As estatísticas do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor mostram que a maior parte dos milhões de reclamações dos consumidores país afora é originada pela atuação ineficiente das agências reguladoras. Isso evidencia a necessidade de uma profunda revisão no funcionamento desses órgãos e de medidas efetivas que assegurem a proteção do consumidor de forma coletiva. Com isso, diminuirão as filas congestionadas nos Procons, juizados cíveis e associações de consumidores.      
 
Os direitos do consumidor são uma vitória da sociedade que não pode ser usada como bandeira política às vésperas de eleição como promessa de solução de casos isolados. Neste momento, vê-se claramente o uso paternalista e clientelista por um candidato à eleição da capital paulistana, como informam matérias veiculadas pela imprensa, reduzindo a nobre bandeira da defesa dos interesses legítimos das pessoas a um balcão de negócios eleitorais. Os conflitos de consumo devem ser encaminhados e solucionados, mas numa perspectiva cidadã de exercício de direitos.
 
Essa prática de usar a bandeira da defesa do consumidor na rançosa lógica política do “toma lá da cá” contribui para difundir um modelo da anticidadania, especialmente numa sociedade com pequena tradição de organização social como a nossa. E, mais que isso, prejudica injustamente aquelas organizações que atuam com seriedade e princípios éticos.
 
Por essa razão exatamente é que o Idec, em conjunto com as demais entidades do FNECDC, lançou recentemente sua Plataforma dos Consumidores para as Eleições Municipais de 2012, disponível no site do Idec.
 
Esse conjunto de reivindicações está aberto à adesão por qualquer candidato majoritário do país, mas ele exige dos postulantes às prefeituras compromissos bem mais sólidos com os cidadãos que a simples resolução pontual e fugaz de problemas individuais ou a troca de favores. Além disso, a Plataforma não quer apenas resgatar conteúdo político específico; ela visa, também, tentar diminuir as possibilidades de velhas formas recalcitrantes na política brasileira, o clientelismo, o patrimonialismo e o populismo. Essas figuras, embora despontem também em contextos democráticos, são a antítese da democracia, porque minam suas bases: a igualdade, a impessoalidade e os valores republicanos. O clientelismo é a relação de troca em que não há igualdade entre as partes, sendo um submisso ao outro, porque possui menos poder; o patrimonialismo confunde relações pessoais e privadas com regras públicas, corrompendo Estado e indivíduos; e o populismo destrói as construções sociais e políticas, já que visa estabelecer uma relação sem qualquer mediação entre um líder e seus seguidores. As experiências históricas no Brasil e no mundo que acolheram esses fenômenos quase sempre acabam em desastre.
 
Assim, a proteção e a defesa do consumidor não podem ser feitas de qualquer modo. No Brasil, embora tenhamos grandes problemas a superar, essa luta passa pela garantia do exercício do direito individual, mas também do coletivo. Passa pela crítica, mas também melhoria das instituições públicas de defesa do consumidor (Secretaria Nacional do Consumidor, Procons, polícias especializadas), das instituições complementares (defensorias, ministérios públicos, agências reguladoras), das entidades da sociedade civil (ainda tão débeis e desamparadas) e também das empresas privadas. Se vivemos grandes problemas com elas, não inventaram ainda nenhum modelo melhor sem elas. Esse caminho não é fácil nem imediato: é preciso ouvir e informar o consumidor, compilar dados, investigar, propor melhorias na regulação, mover ações coletivas e individuais, pressionar os três poderes, ir a tribunais, promover campanhas, fiscalizar e testar produtos e serviços, enfim, atuar em todas essas frentes ao mesmo tempo.
 
Entidades idôneas e independentes politicamente propugnam que a defesa do consumidor esteja na pauta dos governos, em todas as instâncias. Mas se opõem a que essa luta seja apequenada, barateada e usada como moeda de troca eleitoral, fazendo crer a consumidores e cidadãos desavisados, que seus problemas podem ser resolvidos num passe de mágica por candidatos em época de eleição.
 
*O artigo "ONGs de defesa do consumidor: eleições e ética" foi publicado originalmente no site brasilianas.org.