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Notícias do Brasil: um pouco sobre o Marco Civil da Internet

O Marco Civil da Internet, projeto de lei 2126/2011, resultou da reação da sociedade brasileira a iniciativas legislativas que regulavam a rede e os internautas unicamente sob a perspectiva do crime. Não é nada raro que os avanços tecnológicos e a potencialidade da Internet sejam encarados com desconfiança, levando a regulações que favorecem o vigilantismo e a criminalização de condutas cotidianas na rede. Para enfrentar essa concepção se fortaleceu a reivindicação por uma Carta de Princípios da Internet – antes da tipificação penal, é fundamental garantir direitos.

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Atualizado: 

27/07/2017
Veridiana Alimonti
Inspirado nos Princípios para a Governança e Uso da Internet no Brasil, aprovados em resolução do Comitê Gestor da Internet no Brasil em 2009, o projeto de lei foi colocado em consulta pública pelo Ministério da Justiça em plataforma online inovadora e colaborativa. Foram recebidas mais de 2000 contribuições, consolidadas na proposta final encaminhada ao Congresso Nacional  em 2011. Já na Câmara dos Deputados, sob a relatoria do Deputado Federal Alessandro Molon, o projeto passou por outra consulta pública e uma série de audiências públicas.
 
Em 2012, o Marco Civil foi pautado para votação mais de cinco vezes, mas nenhuma delas se realizou devido à resistência especialmente das empresas de telecomunicações e da indústria de direitos autorais. A agitação não voltou da mesma forma em 2013 e durante vários meses o projeto de lei esteve distante das prioridades do Legislativo e do governo.
 
Porém, as revelações de espionagem feitas por Edward Snowden alteraram a conjuntura e a Presidenta Dilma Rousseff passou a ver no Marco Civil parte da resposta a essa situação, determinando urgência constitucional à sua tramitação no mês de setembro. Neste regime, o projeto de lei passa a trancar a pauta de votação da Casa Legislativa em que se encontra se não for apreciado em 45 dias, o que acontecerá na Câmara dos Deputados a partir do dia 28 de outubro. Depois da Câmara, o projeto vai ainda ao Senado, também em regime de urgência.
 
As principais polêmicas e riscos em torno do projeto de lei são:
 
Neutralidade da rede: A última redação divulgada para o art. 9º estabelece ao responsável pela transmissão, comutação ou roteamento o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicativo, sendo admitidas exceções somente em razão de requisitos técnicos e serviços de emergência a serem regulamentados posteriormente. De forma a controlar o gerenciamento de tráfego, o artigo impede ainda que tais empresas bloqueiem, monitorem, analisem ou fiscalizem o conteúdo dos pacotes de dados. Esse é o principal alvo de ataque das operadoras de telecomunicações, que querem alterar seu modelo de negócio atual para poder oferecer planos de acesso à Internet diferenciados não apenas por velocidade, mas pelo tipo de serviço ou conteúdo disponível.
 
Ao mesmo tempo, algumas propostas de emendas a esse artigo querem deixar claro que ele não se opõe à prática de franquia de dados, bastante comum na internet móvel. Ainda que isso seja discutível, a questão fundamental é que o Marco Civil não deve servir à consagração de modelos de negócios específicos das empresas, principalmente quando vêm acompanhados de práticas abusivas – o que ocorre com a oferta de planos “ilimitados” com baixas franquias e consideráveis reduções da velocidade de navegação após atingido o limite de dados.
 
Privacidade: Outro incômodo às operadoras de telecomunicações. O Marco Civil proíbe que elas guardem os dados de navegação dos usuários, estabelecendo apenas a guarda dos registros de conexão (número IP, horário da conexão e desconexão) por um ano. Essa redação impede, portanto, a comercialização pelas operadoras das preferências dos consumidores na Internet a potenciais anunciantes, assim como fazem os provedores de aplicações de Internet (ex: Google, Facebook e outros sites). Para estes, o projeto prevê alguns parâmetros na utilização das informações dos usuários que os acessarem, mas permite a guarda de dados. Se é certo que o Brasil precisará avançar nesses parâmetros mesmo após a aprovação do Marco Civil, é certo também que o projeto acerta ao diferenciar o provedor de conexão dos provedores de aplicações de Internet. Estes têm conhecimento do que o usuário faz ao acessar o seu site; aqueles têm condições de traçar o mapa completo de navegação de cada um de seus clientes.
 
Responsabilidade de intermediários: Neste ponto o problema é a indústria de direitos autorais. A versão do Marco Civil encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional continha a regra geral de que o provedor de aplicações de Internet só poderia ser responsabilizado por conteúdo de terceiro se descumprisse ordem judicial determinando a retirada ou bloqueio. Contudo, o lobby dos direitos autorais, em especial das Organizações Globo (ligadas à maior emissora de televisão do país), conseguiu inserir no art. 15 um parágrafo que exclui a aplicação dessa regra geral caso se trate de infração a direitos autorais ou conexos. O novo parágrafo agride o direito dos usuários ao devido processo legal frente a pedidos de retirada de conteúdos considerados pelos requerentes - e não pela Justiça - infringentes aos direitos autorais, abrindo exceção que não deveria ser objeto do Marco Civil. Isso pode prejudicar a realização de um dos princípios fundamentais do projeto de lei - a liberdade de expressão e relacionados direitos constitucionais de acesso ao conhecimento e à cultura.
 
Armazenamento de dados no Brasil: Tendo em vista as denúncias de espionagem, o governo pretende incluir no projeto de lei a obrigação de guarda e armazenamento no país dos registros e dados referentes a pessoas localizadas no Brasil. Embora possa facilitar a aplicação da legislação nacional à proteção dos dados de brasileiros e estimular a instalação de data centers no país, a medida não serve ao combate efetivo da espionagem, considerando que tais informações podem ser enviadas ao país de origem da empresa, além de serem muito mais complexos e disseminados os mecanismos de vigilância. Por outro lado, tal medida pode levar à uma segmentação prejudicial da rede, entre outras questões. Assim, as soluções devem ser construídas pelas vias diplomáticas e técnicas, sendo relevante que o próprio Brasil avance nas suas regras de proteção à privacidade e dados pessoais frente ao governo e às empresas.
 
Desde a sua formulação até seu contexto atual, o Marco Civil da Internet é exemplar no que se refere aos desafios de garantir princípios e direitos aos usuários no uso da rede. É preciso mobilização da sociedade e priorização do governo em suas políticas públicas para que realmente se estabeleça uma regulação democrática da Internet, que a conceba como ambiente de direitos e não somente de negócios ou de vigilância. A disputa está a pleno vapor no Brasil e estamos atentos  para que as notícias sejam boas.
 
Para acessar o último relatório divulgado do Marco Civil (versão em português), clique aqui. O projeto de lei 2126/2011 foi apensado ao PL 5403/2001.