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Livros inacessíveis, lei antiquada

Se você possui graduação, tem ideia de quantos livros teve que comprar até se formar? Destes, quantos deles consultou nas bibliotecas? Ou melhor: de quantos precisou tirar xerox?

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Atualizado: 

05/07/2012
Guilherme Varella e Igor Moreno Ferreira
A cópia reprográfica para fins educacionais é uma realidade muito comum nas universidades brasileiras. No entanto, essa prática, já consolidada entre os estudantes, professores e instituições de ensino, ainda é condenada pela absurdamente restritiva Lei 9.610/98 (LDA — Lei de Direitos Autorais), que, dentre outros problemas que possui, obsta a cópia integral de obras para uso privado e para fins educacionais.
 
De 1998, a LDA pouco se encaixa à realidade brasileira. Recente pesquisa do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) atesta isso, mostrando as dificuldades de acesso aos livros universitários e os impedimentos criados pela legislação autoral para o pleno exercício do direito à educação no País.
 
Com conclusões semelhantes às obtidas em estudo de 2008 — o que demonstra que o cenário não melhorou — a pesquisa realizada entre março e abril desse ano analisou as possibilidades de acesso aos livros universitários através do levantamento das bibliografias obrigatórias do primeiro semestre de três cursos — Direito, Medicina e Engenharia Elétrica — de duas instituições de ensino paulistas: a USP (Universidade de São Paulo) e a PUC-SP (Pontifica Universidade Católica de São Paulo).
 
Listados os títulos obrigatórios (223 livros da USP e 80 livros daPUC-SP), sem os quais os estudantes não cumprem nem o básico de sua formação, foram verificadas as dificuldades que os estudantes encontram para ter acesso às obras nas bibliotecas, bem como a disponibilidade e o valor dos livros no mercado, em comparação coma sua renda. O objetivo era averiguar se o universitário tem condições de estudar no Brasil: se há livros nas estantes das faculdades e se os preços são compatíveis com a realidade nacional. Em caso de negativa nessas duas respostas, ficaria a pergunta: a lei de direitos autorais, que protege essas obras, traz alguma alternativa? Ela é um estímulo ou uma barreira à educação?
 
Indisponíveis e caros
As constatações e respostas não foram muito animadoras. Os resultados da pesquisa mostraram que a indisponibilidade de livros é semelhante nas bibliotecas das duas instituições. Dos títulos exigidos, 17,5% não estavam disponíveis na biblioteca da USP e 16,5% faltavam na biblioteca da PUC-SP. Caso procure, nas livrarias e editoras, esses livros indisponíveis, o estudante também vai sair de mãos abanando: 46,2% dos títulos da USP estão indisponíveis também no mercado; no caso da PUC, não se encontram 30,8% deles.
 
Ainda assim, caso seja obstinado e encontre o livro que precisa para estudar, o estudante vai esbarrar no preço, totalmente proibitório. A pesquisa do Idec demonstrou que, para comprar todos os livros exigidos no primeiro semestre do curso de Direito da PUC-SP, por exemplo, um aluno teria que desembolsar R$ 2.354,87, o que representa mais que a renda mensal média do brasileiro, de R$1.852,40, segundo dados de março, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Já o aluno de Medicina da USP desembolsaria modestos R$ 10.663,90 para o mesmo período, o equivalente a 5,7 vezes a sua renda mensal.
 
Tais resultados atestam que, apesar de termos uma política públicade subsídio ao mercado editorial via isenção de impostos, com a finalidade de baratear os livros aos consumidores, os preços praticados no mercado são extremamente elevados para a maioria da população. Uma pesquisa de 2008 do GPOPAI-USP (Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas Para o Acesso à Informação) calculou que só no ano de 2006 as editoras receberam R$ 978 milhões, cerca do dobro do orçamento do Ministério da Cultura à época. Os benefícios, porém, não são sentidos na democratização do acesso aos livros para a sociedade, especialmente para os que mais precisam deles: os estudantes.
 
Copiar é preciso
Nesse complicado cenário, cabe aos estudantes procurar uma alternativa viável para seu aprendizado acadêmico, e não resta outra que não a cópia. A cópia com finalidade educativa, sem qualquer intuito de lucro e sem qualquer impedimento à exploração comercial das obras. Cópia, sem a qual, os estudantes não teriam acesso aos conteúdos exigidos para a sua básica formação. Quem é ou foi estudante universitário que o diga.
 
Com os direitos do autor — explorados pelas editoras e pouco voltados aos próprios autores — de um lado, e o direito de acesso à informação e ao conhecimento de outro, a balança dos direitos autorais permanece em desequilíbrio no país tendo recebido a pior nota no quesito possibilidades para o acesso à educação, o Brasilo cupa hoje o 5º lugar entre os piores regimes de direitos autorais do mundo, segundo a "IP Watchlist" de 2012, publicada anualmente pela Consumers International.
 
E a LDA tem muita culpa no cartório: ao invés de proteger os autores e facilitar o uso justo das obras, ela confunde e atrapalha. Por exemplo, com uma redação pouco esclarecedora, que enseja diversas interpretações ao permitir "a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista".  As dubiedades contidas em seus termos abrem um perigoso espaço para interpretações que limitam o acesso à educação e informação.
 
Assim, diante da falta de livros nas bibliotecas e dos preços exorbitantes no mercado, a proibição da cópia integral privada e as restrições a cópias reprográficas para fins educacionais fazem ainda menos sentido. Uma incompatibilidade que desencadeou grande debate na sociedade brasileira sobre a necessidade de mudança daLei.
 
A necessária reforma da LDA
O processo de reforma da Lei de Direitos Autorais, iniciado em 2007pelo Minc (Ministério da Cultura) de Gilberto Gil, envolveu maciça participação da sociedade civil em audiências e consultas públicas sobre o tema, realizadas em todo o país. No entanto, apesar do estágio avançado em que se encontrava o anteprojeto, o novo direcionamento político da atual gestão do Minc optou por frear oprocesso de reforma e, pior que isso, retroceder. O texto, estancado no Executivo, foi novamente alterado, reinserindo dispositivos, outrora descartados, nocivos ao equilíbrio entre proteção autoral e direito de acesso. Diante da inércia do Governo, a Câmara já pensa em alternativas para resolver a questão, como o PL 3.133/12,do Deputado Nazareno Fonteles, que traz o texto de reforma da LDA, resultado das contribuições públicas, novamente ao debate.
 
Fato é que o pleno exercício do direito à educação exige a reforma da Lei de Direitos Autorais. Uma lei que está em completo descompasso com as práticas mais banais do cotidiano, como tirar xerox de um livro para estudar ou a plena digitalização de conteúdos; que não leva em conta as possibilidades do mundo digital para a difusão das obras; e que é insuficiente até para atingir sua finalidade última, de proteger os autores. Uma Lei que deve ser revisada e alterada. Muito embora sejam fortes as tentativas de estagnar a reforma, oriundas principalmente de tradicionais interesses privados, o interesse público e o direito legítimo de acesso ao conhecimento clamam por uma lei mais justa e equilibrada.  

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