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Os bancos sendo bancos, ao final do Acordo dos Planos Econômicos

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Atualizado: 

05/09/2025
Os bancos sendo bancos, ao final do Acordo dos Planos Econômicos
Walter Moura e Marilena Lazzarini

Este ano, o Supremo Tribunal Federal – STF homologou em definitivo o maior acordo privado do País, que viabilizou a mais de 1 milhão de brasileiros anteciparem o dinheiro surrupiado de suas contas poupança, por bancos, no tempo em que planos econômicos tentavam reverter períodos de hiperinflação (décadas de 1980 – planos Collor, Bresser e Verão).

A composição das partes ocorreu na ADPF 165/DF, um processo que ainda tramita no Supremo, a partir de uma longa negociação pleiteada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec e outras entidades perante a Advocacia-Geral da União – AGU, nos idos de 2016.

Quase 20 anos depois, é importante lembrar porque as entidades preferiram negociar um valor menor que o devido, no lugar de aguardarem o desfecho final do julgamento do caso no STF. Até o ano de 2010, vários consumidores tinham como certo o recebimento total da indenização devida pelos bancos, sobretudo quando o Superior Tribunal de Justiça – STJ definiu os índices no julgamento do Recurso Especial 1.141.595/RS.

Mas, no Brasil, bancos não respeitam decisões judiciais contrárias e não engolem derrotas, valendo-se pragmaticamente de seu aparato opulento para reverter todo e qualquer entendimento que lhe imponha obrigações. Foi então que a FEBRABAN e a CONSIF contrataram as bancas de advogados mais caras do país, àquela época, para ajuizarem a ADPF 165/DF. A peça foi assinada pelo ex-Ministro da Justiça Márcio Tomaz Bastos, além de Sérgio Bermudes e Arnoldo Wald.

Em 2013, quando o STF tentou pautar a ADPF para julgamento e chamou as sustentações orais, AGU e Banco Central defenderam surpreendentemente as teses bancárias, abandonando os cidadãos. Ao invés de concluir a sentença naquela oportunidade, o STF teve que suspender o julgamento depois de um pedido do ex-Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, para rever as contas apresentadas no processo.

Com a saída do Ministro Joaquim Barbosa, o caso não voltou à pauta por sucessivos impedimentos dos Ministros daquela Corte e, nos dois anos subsequentes, o Idec apontava que o STJ começou a mudar seus julgados paulatinamente para extinguir a conta dos consumidores.

Idec já previa que, com o tempo, os bancos conseguiriam se livrar das condenações revertendo precedentes e alcançando a declaração de constitucionalidade de suas manobras operacionais com dinheiro do povo.

De um lado, poupadores lutaram para manter os bancos obrigados a indenizar pelos prejuízos sofridos, embora oferecendo um desconto sobre os índices fixados pelo STJ, abrindo chance para que centenas de milhares de famílias antecipassem o recebimento sem enfrentar os intermináveis recursos protelatórios dos exércitos de advogados das bancas.

Em 01/06/2016, escrevemos neste Jota como ruíam as vitórias dos poupadores[i]:

“olhando para o STJ, é possível saber por que o tempo vale ouro aos bancos. Desde o advento da ADPF, quase a totalidade das Ações Coletivas foram extintas por prescrição (REsp 1070896, Luis F. Salomão, DJe 04/08/2010), os juros remuneratórios foram reduzidos das condenações originais (REsp 1.535.990, Luis F. Salomão, DJe 20/08/2015)”.

Em 2017, os números da composição foram fechados e o portal G1 anunciava que “advogados... questionam se acordo é vantajoso aos poupadores”[ii]. Entre otimistas e realistas, o Idec estava certo e, em 2019, o STF já dava o primeiro sinal de vitória aos bancos, no julgamento da ADPF 77/DF que considerou constitucional o Plano Real, sem indenizar diferenças aos depositantes.

Na homologação do acordo dos Planos, na ADPF 165/DF, o STF examinou e confirmou a constitucionalidade da correção aplicada nas medidas econômicas conhecidas como Collor, Bresser e Verão, embora sem isentar os bancos de indenizarem os poupadores, graças ao acordo celebrado lá atrás. Agora, por 24 (vinte e quatro) meses, quem ainda não havia aderido aos termos da composição receberá esses valores, seguindo as regras que foram homologadas pelo acordo. A paz reina entre consumidores e bancos? A resposta é não!

A novidade é a tentativa bancária de tentar manchar as páginas finais dessa longa história, sugerindo na mesa de negociação que os cidadãos elegíveis (que preenchem os requisitos para recebimento) não encontrados e que não conseguirem manifestar aceitação expressa, nesta última fase, fiquem no vácuo.

A tentativa mordaz não passou ao largo dos representantes dos poupadores, surpreendidos com a amnésia seletiva dos interlocutores financistas que dizem não se lembrar das balizas iniciais fixadas (que sempre foi de que, ao final, todos receberão). Engraçado que, em se cuidando de bancos, hoje, a Febraban passou a ser presidida pelo ex-Procurador-Geral do Banco Central (que esteve à mesa no início do acordo), enquanto a CONSIF é liderada pelo ex-Presidente da Câmara dos Deputados (também conhecedor do assunto).

Banco é banco! E segue o mesmo pragmatismo – já centenário – de moldar seu futuro regulatório valendo-se de uma infindável capacidade litigiosa de resistir, mudar ou postergar situações que lhe estejam desfavoráveis[iii], inclusive sem enxergar vidas do outro lado do balcão. A diferença, no julgamento da ADPF 165/DF, é que os bancos levaram a constitucionalidade, mas ficaram amarrados na indenização para pagar aos poupadores – graças ao acordo.

Se os prejuízos ocasionados a esses poupadores ocorreram há mais de 40 (quarenta) anos, o Idec assistiu às centenas de milhares de vidas que não chegaram ao fim do pleito, hoje, representadas por espólios e inventários não muito fáceis de consensualismo. Por isso, condicionou as etapas finais de homologação do acordo apenas e tão-somente se compromissado, pelos bancos devedores, o pagamento aos aderentes e, principalmente, àqueles que não tiverem condições de manifestar expressamente a recusa ao depósito. Caso essa baliza do acordo seja revista pelos bancos, o pedido de revisão do pacto será apresentado ao STF pelo Idec.

A situação segue indefinida, neste mesmo ano em que bilhões se acumulam nos cofres das famílias mais ricas do país (de banqueiros, é claro)[iv], mantendo-se a linha ininterrupta de recordes anuais de faturamento, mesmo com uma pandemia global no meio do caminho.

Quem acha que os ganhos bancários foram apenas com o desconto dos índices de poupança, engana-se. Com o fim da ADPF 165, outros depósitos remunerados que discutiam os expurgos do período hiperinflacionário deixaram de ser pagos, gerando grandes vantagens às casas financeiras.

Lutar contra o setor econômico mais poderoso do país não é nada fácil, exceto quando o cidadão se organiza e recusa a manobras tão desumanas, para além das já conhecidas mazelas dessa nação de devedores (como já previa Louis Hyman).

 

[i] Diponível em: “https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/planos-economicos-nova-v...”.
[ii] Disponível em: “https://g1.globo.com/economia/noticia/planos-economicos-advogados-fazem-...”.
[iii] HYMAN, Louis. Debtor nation: The history of America in red ink. Princeton University Press, p. 174, 2011.
[iv] Disponível em: “https://forbes.com.br/listas/2025/08/lista-forbes-os-10-maiores-bilionar...