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04/03/2011
Atualizado:
13/10/2017
Lucas Cabette
Recentemente, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou empresa de médio porte ao pagamento de indenização à Microsoft Corporation, em valor correspondente a dez vezes o preço de mercado de software que a primeira utilizara sem a devida licença, por meio de cópias “piratas” (REsp 1185943/RS, r. Ministro Luis Felipe Salomão, j. em 15.2.2011, citando no Informativo STJ nº 463, 14 a 18 de fevereiro de 2011).
A Turma, ao dar provimento a Recurso Especial interposto pela gigante da computação para aumentar o valor da indenização, adotou o entendimento segundo o qual simplesmente condenar a empresa infratora ao pagamento do preço pelo qual os produtos são vendidos, conforme fizera o Tribunal de origem, seria admitir o enriquecimento sem causa e estimular a ilegalidade. Isso porque o ressarcimento pelo preço puro e simples do software não compensaria a vantagem econômica auferida pela empresa com o uso dos produtos obtidos de forma ilegal e tornaria vantajoso violar a legislação que protege a propriedade intelectual, pois “o contrafator, quando flagrado, terá apenas que pagar o valor que deveria ter expendido para usar legalmente o programa”.
O raciocínio de que se vale o julgado em comento, que leva em consideração a realidade econômica em que se inserem os agentes em litígio e os dispositivos legais envolvidos, deve ser aplicado, também, para a solução de conflitos envolvendo consumidores e fornecedores.
Veja-se, por exemplo, o caso das cobranças indevidas.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 42, parágrafo único garante que “o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”.
A despeito da clareza do texto da Lei, ainda é muito comum que, em nossos Tribunais, se adote interpretação que transforma a exceção do “engano justificável” em regra, segundo a qual, mesmo em relações de consumo, para haver direito à devolução em dobro “imprescindível que haja prova de que a parte que efetuou a cobrança indevida tenha agido em deliberada má-fé” (TJSP, 17ª C. de Direito Privado, Ap. Cív. 0425232-52.2009.8.26.0577, j. em 2.2.2011).
Ora, tal interpretação, que só admite aumento no valor da indenização em caso de comprovada conduta dolosa por parte da empresa, também estimula a prática de atos ilegais. Deixa de ser vantajoso investir recursos em mecanismos de controle para evitar cobranças indevidas aos consumidores pois, caso algum consumidor seja lesado por culpa da empresa, perceba o dano e decida gastar seu tempo e dinheiro para socorrer-se do Judiciário (o que só ocorre numa minoria dos casos), basta ao fornecedor devolver o dinheiro que nunca deveria ter recebido. Repassam-se os custos inerentes ao controle das cobranças para o consumidor e ainda se aufere o lucro sobre as ilegais que passam despercebidas.
Causam o mesmo efeito as reiteradas decisões que indeferem pedidos de indenização por danos extrapatrimoniais formulados em causas oriundas do descumprimento de direitos do consumidor, valendo-se de doutrina civilista mais conservadora segundo a qual "mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral” (Sérgio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, Editora Malheiros. p. 78, citado em TJSP, Ap. Cív. 0131608-80.2007.8.26.0001, 27ª C. de D. Privado, r. Dimas Rubens Fonseca, j. em 22.2.2011).
Ora, é verdade que, em relações de consumo, o descumprimento de obrigações pelos fornecedores nem sempre gera intenso abalo à honra e à moral, ou insuperável violação da integridade física e psíquica; requisitos para a configuração do dano moral segundo a doutrina clássica.
Tais violações, costumam vir acompanhadas, no entanto, do dispêndio de precioso tempo destinado ao trabalho ou lazer em call centers ou filas de espera, custosos deslocamentos até rarefeitos postos de atendimento ou assistência técnica, e a privação, ao arrepio da Lei, de bens e serviços essenciais para que o cidadão possa se comunicar, locomover, alimentar ou, até, cuidar de sua saúde. A resolução de problemas de consumo costuma ser muito mais custosa para o consumidor do que para o fornecedor.
Por isso, depois de enfrentar todos esses conhecidos obstáculos, eventual indenização não será efetiva caso o consumidor ainda tenha que se socorrer do Judiciário para receber apenas o exato valor da prestação material que lhe deveria ser garantida, espontaneamente, desde o início.
Daí retornamos ao acórdão citado no princípio deste artigo, que vale-se da obra de Carlos Alberto Bittar, a quem também recorremos, para defender que “a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito” (Responsabilidade Civil, Teoria e Prática, 4ª Edição, Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2001).