A recente resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça, que limita o patrocínio de entidades privadas com fins lucrativos a eventos de juízes, tem causado as mais diversas reações na sociedade. A relevância desse debate dialoga com a necessidade de se enxergar a administração da Justiça enquanto política pública, uma vez que o Poder Judiciário precisa ser visto como instituição da administração pública brasileira. Discutir de que forma se dá a administração da Justiça passa, portanto, pela questão do financiamento privado a eventos voltados para magistrados/as.
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13/03/2013
Atualizado:
13/03/2013
Antônio Sérgio Escrivão Filho, Clarissa Menezes Homsi, Érika Lula de Medeiros e Fulvio Gianella Júnior
A interferência de grupos de interesse no Judiciário intensifica o abismo entre partes que já litigam em condições desiguais — os que têm mais poder político e econômico têm também mais condições de influência, análise notabilizada por Mauro Cappelletti na obra clássica Acesso à Justiça, e agora reconhecida pelo próprio CNJ em dois momentos: ao sistematizar e publicar anualmente as informações sobre os “maiores litigantes” do Brasil; e ao considerar expressamente no texto da resolução que a participação de magistrados em eventos subvencionados por empresas pode comprometer a sua imparcialidade para decidir. Nas democracias em que a linha que separa o público do privado é mais espessa, essa prática causaria surpresa, senão horror.
Ainda assim, de tempos em tempos, são veiculadas notícias que relatam vultosas contribuições de entidades privadas a encontros de magistrados. Evidentemente, tais patrocínios não são concedidos desinteressadamente e se, cada vez mais empresas e maiores valores fazem parte desse universo, é porque os resultados do investimento valem a pena.
Admitindo o que chegou à evidência, a resolução aprovada pelo Conselho institui uma tendência para enfrentar os temas da transparência, autonomia e independência judicial em uma perspectiva concreta, superando a fórmula meramente formal e abstrata. Mas certamente o texto pode e deve avançar, em especial sobre a polêmica concessão feita aos eventos oficiais do Poder Judiciário, permitindo o patrocínio de até 30% do seu orçamento. Se uma cultura democrática não se reveste de absolutismos, é certo que a autonomia e independência não comportam, tampouco, qualificação percentual.
E, ainda, dois elementos presentes na resolução se fazem importantes: de um lado, a menção expressa de que toda a documentação referente a estes eventos estará sob o controle do CNJ e da sociedade. De outro lado, a vedação aos magistrados de receber qualquer auxílio (no transporte ou hospedagem) ou prêmio para participar de eventos privados patrocinados.
O que a resolução veda, portanto, é o agraciamento realizado em eventos privados e patrocinados, incluídas as associações da magistratura. Não interfere, assim, na livre participação, que está na esfera de liberdade individual do/a magistrado/a, e constitui importante garantia para autonomia e independência judicial.
Outro fator importante no processo de construção da resolução foi a reivindicação de organizações que atuam no campo da Justiça e direitos humanos para que fosse feita consulta pública sobre o tema. A consulta pública carrega um potencial democrático de participação social na política pública de Justiça. Sua realização deve ser considerada uma premissa na formulação de qualquer política pública e deve contar com atenção política e operacional para que não se torne instrumento de protelação ou legitimação formal da tomada de decisão.
A importância do passo dado pelo CNJ deve ser reconhecida, porém tendo em vista a necessidade de se continuar avançando. Regulamentar de que forma entidades privadas com fins lucrativos se relacionam com o Judiciário, limitando sua possibilidade de patrocinar eventos para esse público é sinal de compromisso da política pública de Justiça com a independência e imparcialidade exigidas a esse poder. Entretanto, é preciso avançar, tanto no conteúdo da resolução, a fim de que o impedimento de patrocínio por empresas seja total, como também no procedimento para fazer o debate, incluindo participação social e transparência no processo, de forma a caminhar, portanto, no sentido da democratização da Justiça.
Antônio Sérgio Escrivão Filho é coordenador da organização Terra de Direitos.
Clarissa Menezes Homsi é mestre em Processo Civil pela PUC/SP e em Política Social e Desenvolvimento pela London School of Economics, e coordenadora jurídica da Aliança de Controle do Tabagismo.
Érika Lula de Medeiros é secretária executiva da JusDh - Articulação Justiça e Direitos Humanos.
Fulvio Gianella Júnior é coordenador executivo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.