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A importância do Código de Defesa do Consumidor no combate ao racismo: Uma luta pela humanidade

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Atualizado: 

19/11/2024
A importância do Código de Defesa do Consumidor no combate ao racismo: Uma luta pela humanidade

O racismo é uma das violações mais profundas e cruéis dos direitos humanos, presente em diversas áreas da sociedade, incluindo as relações de consumo.

No Brasil, onde as desigualdades raciais têm raízes históricas, a luta contra o racismo é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) desempenha um papel essencial nesse combate, assegurando que todos sejam tratados com dignidade e respeito, independentemente de sua cor ou origem.

O racismo nas relações de consumo

O racismo estrutural se manifesta de forma sutil e, muitas vezes, explícita nas relações de consumo. Exemplos incluem:

  • Discriminação em lojas e serviços: Abordagens humilhantes, desconfiança e exigências injustificadas, como a solicitação de comprovantes ou a vigilância excessiva.
  • Acesso desigual a bens essenciais: Barreiras para a chegada de produtos e serviços básicos em comunidades predominantemente negras.
  • Representação inadequada: Campanhas publicitárias que perpetuam estereótipos ou ignoram a diversidade racial da população.

Essas práticas não são apenas moralmente condenáveis, mas também contrariam os princípios do CDC, que protege os consumidores contra abusos e discriminações em suas interações com o mercado.

Como o Código de Defesa do Consumidor contribui para o combate ao racismo

O CDC, sancionado em 1990, é uma ferramenta poderosa para promover a igualdade nas relações de consumo. Ele estabelece normas que garantem:

  • Dignidade e respeito: Todos os consumidores têm direito a um tratamento que respeite sua dignidade, sem discriminações de qualquer natureza.
  • Igualdade de acesso: Empresas não podem negar produtos ou serviços a consumidores com base em raça, cor ou origem.
  • Representação inclusiva: A comunicação de empresas deve ser transparente e respeitosa, reconhecendo e valorizando a diversidade.

Esses direitos são fundamentais não apenas para a proteção individual, mas também para a transformação de um sistema que historicamente perpetuou desigualdades.

Uma luta que vai além do consumo

O combate ao racismo nas relações de consumo não é uma questão isolada. Ele faz parte de uma luta maior por direitos humanos, justiça social e a erradicação de desigualdades estruturais. Quando utilizamos ferramentas como o CDC para exigir respeito e igualdade, estamos promovendo mudanças que vão além do mercado, impactando a forma como a sociedade valoriza e respeita todas as pessoas.

O papel de cada um na luta contra o racismo

Denunciar práticas racistas é essencial. Se você testemunhou ou sofreu discriminação como consumidor, procure órgãos de defesa do consumidor e instituições de combate ao racismo. Além disso, empresas precisam adotar políticas claras de inclusão e combater comportamentos discriminatórios em seus processos.

O caminho para um mundo igualitário

O advogado, professor e pesquisador Jonas Sales defende que "para problemas estruturais, medidas igualmente estruturais". Isso significa que é preciso atuação em várias frentes para vencer um racismo praticado durante séculos. De acordo com o pesquisador, em primeiro lugar é preciso uma rigorosa fiscalização, para que empresas com condutas racistas não sejam premiadas, destacadas ou contempladas, como a rede de supermercados Carrefour, que após a morte do consumidor negro João Alberto Silveira de Freitas em uma de suas lojas, recebeu um prêmio por conta da segurança em seus estabelecimentos.

Depois, é necessário letramento racial, que na prática é a conscientização para que todos possam reconhecer, criticar e combater atitudes racistas em seu cotidiano; além do suporte de uma legislação voltada para o tema. Souza, do Idec, concorda: "Acreditamos que a mudança virá a partir do conhecimento, do letramento, do envolvimento e da participação da sociedade civil".

Escrivivência

Jonas Sales perdeu as contas de quantas vezes foi discriminado como consumidor. Algumas, porém, ficaram marcadas: quando era adolescente, saiu a pé de um supermercado e foi seguido por cerca de 2 km por um segurança da loja. "Ele me parou e pediu que eu apresentasse a nota fiscal. Depois, pegou a sacola, olhou tudo e me devolveu, sem dizer qualquer palavra", ele conta.

Também na juventude, foi conhecer um restaurante caro num shopping de Brasília (DF). Mas em vez de experimentar a comida, provou a sensação de total indiferença. "Foram cerca de 30 minutos falando com as paredes, pois nem os garçons nem o gerente olharam para mim, embora eu estivesse pedindo e gesticulando para ser notado", relata.

Calejado após tantas experiências ruins, o advogado resolveu se debruçar sobre o tema e, hoje, faz o que a escritora Conceição Evaristo chama de "escrivivência". Ou seja, ele pesquisa e escreve a partir da sua própria experiência. Integrante da Comissão de Igualdade Racial da OAB/DF, vice-presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/DF e membro diretor da Comissão de Diversidade e Novas Vulnerabilidades do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcom), Sales tem um estudo emblemático, intitulado Compensa ser uma empresa racista no Brasil? No trabalho, ele analisou as últimas 20 decisões de processos judiciais que condenaram os réus ao pagamento de danos morais por racismo em relações de consumo. E concluiu que, sim, vale a pena ser racista no Brasil, pois as indenizações ficaram entre R$ 5 e R$ 35 mil. "Esses valores são ínfimos se comparados ao que lucra a maioria dessas empresas anualmente", ele afirma, indignado.

Com esse cenário, muitas empresas têm assumido o risco de serem punidas. "Isso se dá pela sensação de impunidade e, como visto em meu estudo, pela tímida resposta do Judiciário a condutas racistas nas relações de consumo", ele conclui.

Conclusão

O racismo é uma afronta à humanidade e não pode ser tolerado em nenhuma esfera da sociedade, incluindo as relações de consumo. O Código de Defesa do Consumidor é um instrumento fundamental nessa luta, mas sua aplicação depende da conscientização e do engajamento de todos.

Ao combater o racismo no mercado, não estamos apenas defendendo consumidores; estamos afirmando o valor inalienável da dignidade humana e avançando rumo a uma sociedade mais justa e igualitária. Racismo não é só uma luta de quem sofre, é uma responsabilidade de toda a humanidade.