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Artigo publicado na Gazeda do Povo, em 05/05/2021
Enquanto a transição energética para economias de baixo carbono guia inúmeros países na busca por fontes limpas de energia, o setor elétrico brasileiro se dá ao direito de ignorar o assunto. Afinal, ao mesmo tempo em que as emissões de gases de efeito estufa do país seguem lideradas pelos elevados índices de desmatamento, nossa matriz cheia de hidrelétricas e com crescente participação de energia solar e eólica sugere que, por aqui, a eletricidade não é um problema no que diz respeito às mudanças climáticas. Os números amigáveis, no entanto, escondem suas amarras junto a um passado insustentável: as usinas a carvão mineral.
A atividade, embora possa ter importância regional, depende de subsídios bilionários dos consumidores e gera empregos de qualidade questionável na exploração de carvão de baixo poder energético. Além disso, o combustível fóssil não só é um dos principais causadores do efeito estufa, prejudicando todo o planeta, como afeta todo o ecossistema das regiões produtoras.
Mais, além de ignorar tais impactos, o setor elétrico desconsidera o potencial econômico do descomissionamento de usinas: a descontratação de três usinas térmicas do Sul do país que usam o combustível pode proporcionar uma redução de R$ 8 bilhões na conta de luz dos brasileiros até 2028. O movimento também evitaria a emissão de 4 milhões de toneladas de CO2 por ano.
Candiota III, Jorge Lacerda e Figueira, em operação respectivamente no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, podem ser desligadas porque a redução do consumo de energia causada pela pandemia de covid-19 levou à sobrecontratação de energia pelas distribuidoras, que persistirá pelos próximos anos.
Além disso, reforços nas linhas de transmissão previstos para entrar em operação nos próximos anos serão suficientes para que a geração no restante do país compense a saída dessas usinas do sistema. Importante: o desligamento seria feito com a devida compensação de seus proprietários. Vale observar que, no caso de Candiota III, a situação até seria vantajosa para os acionistas, uma vez que a usina vem registrando sucessivos prejuízos devido aos seus problemas técnicos.
Do lado do consumidor, além da redução dos gastos graças aos descontos numa negociação pela antecipação do término dos contratos, deixariam de ser pagos cerca de R$ 5,4 bilhões em subsídios até 2028.
Como uma das regiões mais ricas do país, a região Sul tem totais condições de alçar esse protagonismo e buscar alternativas para a superação do problema com desenvolvimento econômico e social.
Nesse sentido, a exemplo do que vem fazendo a Alemanha, a realocação de parte dos recursos hoje destinados ao combustível poderia ser usada para uma transição justa aos trabalhadores e comunidades locais envolvidos com a mineração, com benefícios ambientais, econômicos e sociais. A região daria um exemplo nacional em favor da sustentabilidade, de quebra contribuindo para a urgente redução das tarifas de energia em todo o país.
* Clauber Leite é coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
* Donato da Silva Filho é sócio fundador da consultoria Volt Robotics