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Quem usa plano de saúde no Brasil já deve ter passado pela situação de ter a cobertura de um tratamento ou medicamento negada pela operadora com base no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) - uma lista de tratamentos, medicamentos e serviços que devem ser obrigatoriamente oferecidos pelas empresas. Nesta quinta-feira (16), o STJ (Superior Tribunal de Justiça) discute se essa prática é abusiva contra os consumidores.
O entendimento histórico da Corte é de que sim, mas uma divergência aberta em 2019 pela 4º Turma voltou a colocar o tema no centro do debate. As operadoras sustentam que a cobertura de tratamentos não previstos na lista coloca o mercado em desequilíbrio financeiro. Entidades de defesa do consumidor, por outro lado, afirmam que a Lei de Planos de Saúde é expressa ao determinar que as empresas devem cobrir os tratamentos para todas as doenças incluídas na CID (Classificação Internacional de Doenças) da Organização Mundial de Saúde. A mesma norma, sustentam, prevê quais são as exceções - como é o caso de tratamentos experimentais ou procedimentos estéticos.
Para o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), que acompanhará o julgamento, não compete à ANS ou às operadoras determinar de forma exclusiva o que deve ser coberto ou não porque a definição de um tratamento é uma decisão técnica do médico, que é a autoridade sanitária responsável pelo paciente e deve se basear em evidências científicas em sua prescrição.
Em uma nota técnica sobre o tema, o Instituto e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) também apontam que, no momento de contratar um plano, os usuários não sabem quais tratamentos podem vir a necessitar e que, portanto, é dever do Estado definir cláusulas básicas que não podem ser alteradas por livre negociação. A entidade destaca que, apesar de alterações recentes no processo de inclusão de novos tratamentos no rol, o prazo para atualização da lista ainda é grande (entre seis e 18 meses) - uma defasagem que, para os pacientes, pode ser determinante.
Um exemplo recente desse problema foi a falta de cobertura das operadoras para os testes diagnósticos para a Covid-19, que tiveram de ser incluídos no rol de maneira excepcional depois de forte pressão da sociedade sobre a ANS. Ainda assim, de acordo com levantamento feito pela Repórter Brasil, as empresas de planos de saúde foram responsáveis por apenas 7% de todos os testes feitos no país até 31 de julho de 2020, apesar de atenderem 47 milhões de pessoas (ou 22% da população). Apenas 1,3% dos usuários conseguiu fazer o exame pelo convênio entre março e julho do ano passado.
Clique aqui para ler a nota técnica do Idec e da OAB sobre o tema.
“O exemplo dos testes para a Covid mostra que o rol precisa ser elástico e interpretado de maneira abrangente para dar conta dos desafios em saúde. O argumento puramente financeiro das operadoras mostra o que de fato está por trás da discussão: as empresas querem o direito de negar tratamentos para preservarem seus lucros - que, aliás, nunca foram prejudicados pelo cumprimento da lei”, afirma Ana Carolina Navarrete, coordenadora do Programa de Saúde do Idec. “O mercado de saúde suplementar é de interesse público e o STJ não pode falhar em seu dever de proteger os consumidores”, completa.
O julgamento desta quinta não é repetitivo, ou seja, não afetará automaticamente todos os processos envolvendo negativa de cobertura. A sessão está marcada para às 14h e será transmitida ao vivo pelo canal do STJ no YouTube.