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Relatório avalia contradições entre políticas do BNDES e financiamento de extração de lítio pela Sigma Lithium

Enquanto mineradora alinha sua imagem aos princípios ASG, comunidades locais alegam violações de direitos humanos, degradação ambiental e falta de transparência

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Atualizado: 

27/08/2025

Nesta quarta (27), o Idec (Instituto de Defesa de Consumidores), por meio do Guia dos Bancos Responsáveis, divulgou um relatório que avalia contradições entre as políticas institucionais divulgadas pelo BNDES e suas práticas no financiamento a projetos de extração de lítio no Vale do Jequitinhonha pela empresa Sigma Lithium.

A empresa

O documento mostra que há uma possível contradição entre o discurso de sustentabilidade e as práticas efetivas da Sigma Lithium. Enquanto a mineradora se apresenta como pioneira na produção de "lítio verde" e alinha sua imagem aos princípios ASG, de acordo com relatos coletados de outras fontes, as comunidades locais denunciam violações de direitos humanos, degradação ambiental e falta de transparência. 

Além disso, até o momento, a empresa não disponibiliza relatórios de sustentabilidade, com exceção de relatórios financeiros que estão em inglês, e que são, em grande medida, inacessíveis à população local. Em reunião por videoconferência entre a Sigma Lithium e as organizações envolvidas no relatório, a empresa afirma que o site em português está em produção.  

Embora, em sua política de direitos humanos, a Sigma Lithium afirme "reparar impactos", não detalha prazos, orçamento, nem disponibiliza relatórios sobre isso. Apesar da representante da empresa afirmar que realiza consultas públicas e individuais com as comunidades, não há qualquer informação pública nos canais oficiais da empresa que comprove ações concretas de reparação, ou mesmo visitas às comunidades, para averiguar as denúncias relatadas por terceiros.

Também não há mecanismos que assegurem as comunidades o acesso a consultores jurídicos para orientação e apoio durante consultas e negociações. Apesar de ter sido assegurado à empresa o direito de resposta, a mesma não encaminhou ao Idec nenhum documento que comprovasse o contrário. As únicas respostas que o instituto teve da empresa foram relatadas em reunião entre representantes do Idec e da Sigma Lithium. 

Atuação do BNDES

O uso de recursos do Fundo Clima, mantido pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) para o financiamento da expansão da operação da Sigma Lithium  no Vale do Jequitinhonha, acende o alerta para a atuação do BNDES. Se, por um lado, o banco adota critérios rigorosos de avaliação socioambiental, por outro, aparentemente, falha em não exigir comprovação concreta das políticas da Sigma Lithium ou das respostas às demandas das comunidades atingidas. 

Apesar de saber sobre denúncias feitas pelas comunidades em março de 2024, o BNDES informou que acatou o Programa de Controle Ambiental da Sigma Lithium, que apresentava ações para mitigação de impactos e documentos como listas de presença e fotos de reuniões com as comunidades para aprovar o financiamento.

Além disso, de acordo com o banco, a análise documental e jurídica, realizada em março de 2024, não identificou impedimentos, pois as investigações sobre a empresa não haviam gerado ações judiciais, na época.

Após ter acesso ao estudo, o BNDES exigiu a elaboração do relatório anual de sustentabilidade (padrão GRI), e a regularidade da empresa na Agência Nacional de Mineração (ANM), no entanto, não fez exigências concretas sobre o diálogo com as comunidades.

Sobre a auditoria dos estudos de impacto ambiental da Sigma Lithium e seus documentos de licenciamento ambiental, o banco alegou não ter competência para avaliar tecnicamente este tipo de documento. Por isso, responsabilizará o órgão ambiental competente para a emissão do licenciamento e a Agência Reguladora de Mineração (AMN).

Recomendações

Caso sejam comprovadas as alegações formuladas pelas comunidades e não sejam apresentadas justificativas, no futuro, pela empresa para os pontos relacionados à sua Política de  Direitos Humanos, ao seu Código de Conduta e aos outros achados do relatório, o documento ainda apresenta algumas recomendações.

Que a Sigma Lithium comprove, por meio de relatórios públicos, auditados e detalhados, em português e em inglês que conduz processos de consulta significativos com todas as comunidades afetadas pelo projeto, e apresente comprovação mensurável de suas reivindicações socioambientais . Além disso, que revise suas políticas internas de direitos humanos para garantir assessoria jurídica independente às comunidades impactadas e incorpore compromissos contra retaliação a defensores de direitos humanos. 

Já para o BNDES, algumas das recomendações são que, além da observância do Mapa de Conflitos da Fiocruz, considere em seu processo de análise prévia para a concessão de financiamento, denúncias públicas de comunidades atingidas pelas atividades das empresas. O documento também recomenda que o banco realize uma nova visita à região do empreendimento da Sigma Lithium para dialogar com as comunidades atingidas. Outra recomendação é que tenha sua ouvidoria institucionalizada amplamente divulgados, em linguagem acessível e adequada ao contexto sociocultural de comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas, para garantir que a população compreenda seus direitos e possa, de fato, utilizá-los. Por fim, que negue o financiamento a projetos que possam violar direitos humanos até que as ações violadoras sejam comprovadamente revertidas pela solicitante de crédito e as comunidades atingidas tenham os danos sofridos reparados.

“O estudo chama atenção para um problema que atinge o setor empresarial e financeiro brasileiro: a falta de transparência e inclusão da perspectiva das comunidades nos planos de transição energética do Brasil. A Sigma Lithium falha em disponibilizar relatórios auditados que demonstrem o seu respeito aos direitos humanos, pelos territórios de povos e comunidades tradicionais do Brasil, o que abre margem para desconfiança. O BNDES falha em não incluir a perspectiva e demandas das comunidades em suas visitas à região do empreendimento, e, portanto, no seu processo de aprovação de financiamento. Enquanto as demandas de povos tradicionais, indígenas e quilombolas não forem atendidas e respeitadas, qualquer medida para a transição nunca será verdadeiramente justa e sustentável”, afirma Karina Feliciano, pesquisadora do programa de Consumo Sustentável do Idec.

>>> Confira o relatório completo