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Em um cenário onde comer de forma saudável virou privilégio, entender por que os alimentos saudáveis têm ficado mais caros é o primeiro passo para garantir que a alimentação adequada e saudável volte a ser um direito e não um luxo.
Por isso, o Grupo de Estudos de Inquéritos Populacionais de Saúde (GEIPS) e o Grupo de Estudos, Pesquisas e Práticas em Ambiente Alimentar e Saúde (GEPPAAS) - ambos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) -, junto com o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), avaliaram, por meio de uma pesquisa, como os preços dos alimentos evoluíram no Brasil após a pandemia de Covid-19, e quais as tendências desses preços em 2026. O grupo também avaliou os impactos da Reforma Tributária nos custos dos alimentos da nova cesta básica após reformulação.
Os resultados do estudo mostram um cenário preocupante: enquanto os preços dos produtos alimentícios ultraprocessados apresentaram redução ao longo do tempo, os alimentos in natura ou minimamente processados e os ingredientes culinários processados se tornaram progressivamente mais caros.
Por exemplo, entre 2018 e 2024 observou-se uma redução de aproximadamente 16% nos preços médios dos ultraprocessados, caindo de R$ 22,20 em 2018, para R$ 18,80 em 2024. Os alimentos processados também apresentaram importante queda, de R$ 26,10 em 2018, para R$ 22,60 em 2024. Em contraste, os alimentos in natura ou minimamente processados e os ingredientes culinários processados tiveram um aumento acentuado durante a pandemia de Covid-19, passando de R$ 18,90 em 2018, e atingindo um pico de R$ 21,30 em 2021, seguido por uma ligeira queda, atingindo R$ 18,60 em 2024.
Embora, em 2018, os ultraprocessados ainda fossem mais caros do que os alimentos saudáveis, a partir de 2024, observa-se uma convergência nos preços médios entre os dois grupos.
Por exemplo, o arroz polido teve aumento de R$ 4,50 em 2018 para R$ 5,90 em 2024; o feijão subiu de R$ 7,10 para R$ 9,30 nesse mesmo período, mantendo-se acima de R$ 9 desde 2020; a banana prata passou de R$ 6,60 para R$ 8,20, com alta constante desde 2021; já o azeite atingiu um valor alarmante de 63,70 reais/kg em 2024. Em relação aos ultraprocessados, o refrigerante sabor cola teve queda no preço médio, passando de R$ 5,60 para R$ 4,70 reais/litro entre 2018 e 2024; a mortadela teve uma redução de R$ 21,10 para R$ 15,10, com redução contínua após 2020; a margarina terminou o ano de 2024 custando 13,90 reais/kg, valor inferior ao de 2018 (R$ 15,80); já para o iogurte com sabor, observou-se uma redução de R$ 16 para R$ 14,70 reais/kg entre 2018 e 2024.
A tendência desses preços para o intervalo de 2025-2026 é que o preço dos ultraprocessados se mantenha em queda, obtendo uma média de R$ 18,40/kg em 2025 e R$ 17,90/kg em 2026, enquanto alimentos in natura ou minimamente processados e ingredientes culinários processados mantenham relativa estabilidade (média de R$ 19,50 em 2025 e R$ 19,60 em 2026).
Assim, como as projeções para 2026 indicam a continuidade dessa tendência, a pesquisa evidencia a necessidade urgente de políticas públicas que promovam o acesso físico e financeiro a alimentos saudáveis, transformando concretamente os ambientes alimentares, hoje amplamente dominados por ultraprocessados. A tendência de que os ultraprocessados ficassem mais baratos que os alimentos in natura e minimamente processados estava prevista para 2026. No entanto, o estudo revela que essa mudança aconteceu antes do previsto.
Outro ponto de atenção se refere às mudanças climáticas, que impactam diretamente a produção agrícola, encarecendo alimentos frescos e comprometendo ainda mais a disponibilidade e o acesso da população a uma alimentação saudável. Eventos extremos como secas, enchentes e ondas de calor afetam a oferta de frutas, verduras, legumes e grãos, pressionando seus preços e ampliando desigualdades já existentes.
Nesse contexto, a pesquisa aponta como fundamental o avanço em políticas econômicas estruturantes, como a isenção fiscal para alimentos saudáveis e a implementação de tributos sobre ultraprocessados, com destinação socialmente justa desses recursos. Segundo as pesquisadoras, tais medidas seriam estratégicas para reequilibrar os preços relativos dos alimentos, tornando as escolhas saudáveis mais acessíveis à população.
Um exemplo importante para controle dos custos da alimentação no Brasil aconteceu com a discussão da Reforma Tributária, que isentou de tributos os alimentos adequados e saudáveis. Um segundo estudo, desenvolvido pela UFMG em parceria com o Idec, mostrou que a Reforma Tributária vai mudar o modo como os brasileiros se alimentam, mas seus efeitos dependem de como serão aplicados os impostos seletivos e a aplicação da isenção da nova cesta básica de alimentos.
Esse segundo estudo teve como objetivo modelar os impactos da Reforma Tributária sobre a demanda e o consumo de alimentos no Brasil, mostrando que os alimentos que compõem a nova cesta básica brasileira continuam sendo os mais importantes no orçamento das famílias e são menos sensíveis a variações de preço, ou seja, mesmo com aumento nos preços, seu consumo tende a mudar pouco. Por outro lado, produtos ultraprocessados e bebidas adoçadas se destacam por sua maior sensibilidade à renda e ao preço: quando a renda familiar aumenta, o consumo desses produtos cresce de forma mais acelerada; e, quando há aumento no preço de frutas e verduras, as famílias tendem a substituí-las por produtos como pães, biscoitos e refrigerantes.
Além disso, a restrição do imposto seletivo apenas aos refrigerantes, mostra-se insuficiente para conter o avanço do consumo de ultraprocessados, embora tenha impactos positivos em relação à ampliar a acessibilidade aos alimentos saudáveis da cesta básica. Reforçando a importância das medidas econômicas na formação dos hábitos alimentares. Esse é um padrão que indica risco de piora na qualidade da alimentação se políticas fiscais não forem bem desenhadas, um exemplo é o preço da renda sem nenhuma política para melhorar o custo dos alimentos, ampliando o consumo de alimentos menos saudáveis.
Os resultados indicam que, embora a Reforma Tributária cause pouca mudança no consumo total de alimentos, ela gera redistribuição entre categorias: pequenas reduções nos gastos com alimentos básicos e aumentos moderados nos ultraprocessados. Isso sugere que os efeitos da política se transmitem de forma não uniforme, influenciados por conveniência e preferências de consumo mais do que apenas por preços.
De forma geral, a pesquisa reforça que políticas fiscais abrangentes e coordenadas, que combinem subsídios para alimentos saudáveis e tributação mais ampla sobre ultraprocessados, são essenciais para promover uma alimentação mais equilibrada, acessível e sustentável no Brasil, e que cumpra com o direito humano à alimentação adequada.
Metodologia
O primeiro estudo utilizou dados secundários da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017/2018, do Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor (SNIPC) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD contínua).
Todos os preços foram deflacionados até dezembro de 2024, e os alimentos foram classificados segundo o sistema de classificação Nova. As tendências de preços foram analisadas no período de janeiro de 2018 a dezembro de 2024, e as projeções foram estendidas até dezembro de 2026, usando modelos de média móvel integrada autorregressiva (ARIMA).
O segundo estudo citado também utilizou dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017-2018) do IBGE, reunindo informações detalhadas sobre mais de 57 mil domicílios em todas as regiões do país. A POF registra tudo o que as famílias compram para comer e beber durante uma semana, incluindo a quantidade e o valor pago por cada alimento. A partir desses dados, foram calculados o preço médio e a participação de cada grupo alimentar no orçamento das famílias.
Em seguida, foram simulados dois modelos da Reforma Tributária para avaliar como essas mudanças poderiam impactar os preços e o padrão de consumo. No modelo 1, o imposto seletivo incide apenas sobre refrigerantes, com isenção total para os itens da nova cesta básica de alimentos, conforme a proposta atualmente em vigor. Já o modelo 2 prevê a aplicação do imposto seletivo a todos os produtos ultraprocessados, como biscoitos, embutidos e refrigerantes, além da isenção total para os itens da cesta básica, conforme proposta defendida pela sociedade civil.
Ao todo, foram analisados seis grandes grupos de alimentos: Ii) itens da cesta básica; ii) frutas, verduras e oleaginosas; iii) carnes e ovos; iv) laticínios; v) ingredientes culinários (óleo, sal, açucar); vi) ultraprocessados.
Para estimar o impacto da reforma, foram utilizados modelos econométricos avançados: o QUAIDS (Quadratic Almost Ideal Demand System), amplamente usado pela OCDE e Banco Mundial, que permite medir como mudanças de preço e renda afetam o consumo de alimentos. Com base nesse modelo, foram estimadas elasticidades de demanda, isto é, o quanto o consumo varia quando o preço ou a renda muda e, em seguida, aplicadas simulações econométricas usando uma técnica de Diferenças-em-Diferenças (DiD), capaz de isolar o efeito causal da Reforma Tributária sobre o consumo alimentar.
As análises incluíram centenas de milhões de observações simuladas, e os resultados foram validados com técnicas estatísticas robustas, como bootstrap paramétrico e ajustes para múltiplas hipóteses, garantindo alta precisão e confiabilidade.

