Separador
Atualizado:
Uma pesquisa inédita divulgada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Núcleo de Direito, Tecnologia e Jurimetria da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) revelou que a Lei nº 14.454/2022 (“Lei do Rol”), que alterou a Lei de Planos de Saúde e determinou a obrigatoriedade de cobertura para procedimentos além do Rol da ANS, não impactou em aumento no número de processos judiciais no Estado de São Paulo durante o seu primeiro ano de vigência.
O estudo analisou mais de 40 mil processos distribuídos em 1ª instância no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) entre janeiro de 2019 e agosto de 2023. O período selecionado permitiu a comparação do volume de processos abertos contra negativas de cobertura de planos de saúde antes da pandemia de Covid-19, durante e depois do encerramento da emergência nacional de saúde do país, além dos 11 meses seguintes à implementação da Lei.
Segundo as instituições, os resultados encontrados demonstram que em todo o ano seguinte à promulgação da Lei não houve variação significativa do padrão de judicialização observado em relação ao dos anos anteriores, não sendo possível identificar impactos relevantes da alteração legislativa sobre a judicialização.
Para o professor da PUC-SP Vidal Serrano Nunes Júnior, a pesquisa tem o mérito de deslocar o debate sobre a judicialização da saúde suplementar para outro patamar: o motivo dos processos. Diferentemente das pesquisas empíricas e jurimétricas no direito hoje, que focam em como o judiciário decide questões relacionadas à saúde, a pesquisa direcionou seu olhar para a distribuição dos processos e as petições iniciais. Isso permitiu analisar informações que deem respostas sobre as razões de ordem prática que influenciam aumento ou diminuição da judicialização. Uma diferença original de paradigma.
Demandas relacionadas a negativas de cobertura ajuizadas em 1ª instância contra operadoras de planos de saúde, por mês de ajuizamento e assunto (TJSP, 2019-2023*)
“Os resultados mostram que houve um crescimento da judicialização ao longo do período da pandemia, mas que, a partir de 2022, os patamares voltaram a cair até praticamente atingir os níveis pré-pandêmicos. Não conseguimos observar variações causais relevantes após a decisão do STJ ou da publicação da Lei do Rol, seja no sentido de aumentar ou diminuir a litigância. Esse dado é muito relevante porque demonstra, na prática, que nenhuma dessas medidas parece ter tido a capacidade de alterar as verdadeiras causas da judicialização: de um lado, a demanda não atendida de consumidores por serviços de saúde, e, de outro, as constantes negativas de cobertura por parte das operadoras”, analisa a advogada e pesquisadora do Idec Marina Magalhães, que participou da compilação e análise dos dados.
A nova lei foi aprovada como forma de reação à pressão da sociedade após o julgamento do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que visava a unificar o entendimento sobre a natureza da lista de tratamentos e procedimentos da ANS. Na ocasião, o STJ mudou o entendimento da maioria das decisões anteriores do Poder Judiciário e determinou que o Rol teria natureza taxativa, o que significava dizer que as operadoras de saúde não seriam obrigadas a arcar com procedimentos não incluídos na lista. A decisão, na prática, permitiria uma grande onda de negativas de coberturas de tratamento a pacientes em todo o País.
Essa onda só foi possível ser contida porque, em cerca de um mês, após grande pressão de famílias de pacientes e de entidades como o Idec, o Congresso Nacional debateu, aprovou e publicou a Lei nº 14.454, que alterou a Lei dos Planos de Saúde para prever expressamente que o Rol da ANS seria a referência mínima para a cobertura de planos de saúde no Brasil, devendo ser garantida a cobertura de tratamentos ou procedimentos não previstos, a partir de regras específicas.
“A aprovação da Lei foi usada pelas empresas de planos de saúde para alardear sobre riscos financeiros do setor por conta de suposta insegurança jurídica sobre os limites contratuais das coberturas, o que incentivaria o questionamento judicial das decisões administrativas das operadoras. Como consequência do aumento da judicialização haveria um efeito cascata de aumento de despesas assistenciais e administrativas, levando à inviabilização financeira do setor como um todo. Mas a pesquisa revelou que até o momento nenhuma dessas alegações das operadoras se concretizaram”, complementa a diretora executiva do Idec, Carlota Aquino.
Atualmente, a questão está em disputa no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar de o STF inicialmente ter concluído que a edição da nova Lei do Rol havia conferido solução adequada à interpretação da sua natureza, a ADI nº 7.265, ajuizada pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas) para questionar a constitucionalidade da Lei, ainda depende de decisão, sem previsão para a realização do julgamento.