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Indústria alimentícia influenciou reforma tributária para proteger lucros, revela dossiê Big Food 2.0

Segundo o documento, representantes da indústria de alimentos, bebidas e supermercados realizaram mais de 100 reuniões no Congresso durante a votação da reforma

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Atualizado: 

28/11/2024

As organizações ACT Promoção da Saúde e Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) acabam de lançar o dossiê "Big Food 2.0", uma investigação que expõe as práticas de interferência da indústria de alimentos e bebidas em políticas públicas no Brasil. O documento apresenta oito casos de interferência corporativa, incluindo a influência na reforma tributária em 2023 e 2024, onde a indústria usou lobby para evitar a aplicação do imposto seletivo sobre produtos prejudiciais à saúde.

>>> Acesse o dossiê completo

De acordo com o documento, associações representativas da indústria se mobilizaram para garantir que produtos ultraprocessados fossem tributados de forma semelhante a alimentos in natura, justificando essa medida com a alegada necessidade de defender a segurança alimentar. Essa estratégia contraria as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira, que alerta sobre os riscos associados ao consumo de ultraprocessados.

“A reforma tributária poderia ter sido uma oportunidade para alinhar a política fiscal às diretrizes de saúde pública, mas o lobby da indústria garantiu que seus interesses fossem preservados”, afirma Vitória Moraes, nutricionista da ACT Promoção da Saúde. O dossiê aponta que os argumentos da indústria em prol de uma tributação uniforme contradizem as diretrizes do Guia Alimentar, que sugere uma distinção clara entre alimentos saudáveis e ultraprocessados.

Durante as audiências públicas sobre os impactos sociais da reforma e instrumentos como o “imposto seletivo” e o “cashback”, a participação do setor produtivo foi dominante, especialmente de representantes dos ultraprocessados. Um exemplo notável dessa influência foi o relatório da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), que excluiu as bebidas açucaradas do imposto seletivo. Por outro lado, a sociedade civil e a comunidade acadêmica, isentas de conflitos de interesse, tiveram pouca ou nenhuma voz nesses debates.

“Seja na CAE, na Comissão de Agricultura (CRA) ou na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o discurso que nega os impactos negativos dos ultraprocessados à saúde tem sido promovido por alguns parlamentares”, acrescenta Ana Maria Maya, especialista em nutrição do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec.

O dossiê também cita outros exemplos de interferência corporativa, como o uso de “naming rights” pela Coca-Cola para promover sua marca em espaços públicos, incluindo a estação de metrô Botafogo/Coca-Cola, no Rio de Janeiro. A prática levanta dúvidas sobre a publicidade velada e a mercantilização de espaços públicos, impactando a memória coletiva e a identidade comunitária.

“A presença constante de interesses privados nos debates políticos prejudica a adoção de políticas voltadas à proteção da saúde pública. Precisamos de regulações mais rígidas e de um compromisso real com o bem-estar da população, não com os lucros corporativos”, pontua Ana Maria Maya. O dossiê conclui que, enquanto as corporações mantêm forte influência sobre o processo político, a sociedade civil segue pressionando por regulamentações que priorizem a transparência e a saúde coletiva.