Separador
Atualizado:
Na última sexta-feira (2), o Idec, ONG de Defesa do Consumidor, entrou com uma ação na Justiça Federal do Distrito Federal pedindo que a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) amplie a suspensão dos reajustes nos planos de saúde anunciada em agosto. A medida foi apresentada pelo órgão como resposta ao agravamento da crise econômica provocada pela pandemia, mas está limitada aos meses de setembro e dezembro. De acordo com estimativas enviadas ao Idec pela própria ANS, apenas 42,8% dos usuários serão alcançados.
A insuficiência da suspensão se deve principalmente à exclusão dos planos coletivos com mais de 30 vidas, que hoje representam 67% do mercado e não são regulados pela Agência. Nesses casos, o órgão determinou que a aplicação do reajuste seja negociada diretamente entre as empresas e as operadoras - o que na prática inviabiliza a suspensão do aumento para estes usuários.
Outro problema apontado pelo Idec na ação é a falta de equilíbrio entre a situação dos consumidores e a dos planos de saúde. Ainda segundo dados da própria ANS, a pandemia reduziu os gastos das operadoras, enquanto os índices de inadimplência e de receitas se mantiveram estáveis. Em sua análise financeira sobre o setor, a agência é enfática ao afirmar que as operadoras de planos de saúde nunca tiveram um momento financeiro tão favorável nos últimos dez anos. O lucro dessas empresas mais que triplicou no período, passando de R$ 3 bilhões no primeiro trimestre de 2020 para mais de R$ 10 bilhões no segundo trimestre, período em que a pandemia começou a afetar a economia do País. Isso significa que os caixas das empresas operam com folga, enquanto o orçamento familiar é cada vez mais pressionado pela contração da economia.
Essa situação é bem ilustrada pelo número de usuários que abandonaram os planos entre março e agosto: 300 mil, de acordo com a ANS. Já a sinistralidade, que calcula a taxa de uso dos planos, alcançou seu mínimo histórico em junho, de 60%, e vem se mantendo abaixo da média apesar da retomada gradual de serviços como cirurgias eletivas e consultas.
Para corrigir essas distorções e garantir tratamento igualitário, como prevê a Constituição, o Instituto pediu a reformulação do ato administrativo que determinou a suspensão dos reajustes para incluir todos os usuários de planos de saúde médico-hospitalares. A ação também demanda que o período de suspensão de reajustes inclua o período inicial da pandemia, a partir de março, de modo que os usuários que sofreram com a alta das mensalidades antes da publicação da medida sejam ressarcidos.
“Para os consumidores, os efeitos econômicos da pandemia foram imensos e afetaram sobremaneira o equilíbrio econômico das famílias. Já para o setor de saúde suplementar a crise sanitária resultou no aumento de lucro. É obrigação da ANS zelar por esse equilíbrio, garantindo a sustentabilidade do mercado, e ao mesmo tempo defendendo o interesse público sem qualquer tipo de discriminação”, afirma Teresa Liporace, diretora executiva do Idec. “É para isso que a Agência foi criada, e o que queremos é simplesmente que todos os usuários de planos de saúde sejam alcançados de maneira isonômica por essa medida tão urgente e necessária, que é a suspensão dos reajustes.”, completa.
Recomposição em 2021
De acordo com a medida anunciada pela ANS, a recomposição dos reajustes não aplicados em 2020 deverá ser feita ao longo do ano que vem. O órgão, no entanto, não informa como o cálculo será feito, nem como evitará reajustes abusivos.
“Essa é uma preocupação para o Idec desde que a suspensão foi anunciada. O tema da recomposição apareceu de maneira genérica e opaca, e sabemos que a falta de amarras abre espaço para o abuso por parte das operadoras”, afirma Ana Carolina Navarrete, coordenadora de Saúde do Idec. Para garantir que isso não ocorra, o Instituto enviou um ofício ao TCU (Tribunal de Contas da União) e pediu que o órgão monitore o processo de cálculo dos reajustes no ano que vem. “O que queremos é garantir transparência total e a prevalência do interesse público, até porque os efeitos econômicos da pandemia vão perdurar por muitos meses”, completa.
Entenda o caso
- Desde o início da pandemia, o Idec e outras entidades da sociedade civil pressionam por medidas administrativas e legislativas que protejam os usuários de planos de saúde.
- Em agosto, a ANS determinou a suspensão dos reajustes nas mensalidades por 120 dias. Na prática, a medida deixou de fora a maior fatia do mercado - os planos coletivos com mais de 30 vidas -, além dos usuários de planos antigos.
- Logo após a decisão, o Idec criticou a insuficiência e a insegurança jurídica do ato administrativo. A organização notificou a Agência e pediu esclarecimentos e dados sobre o alcance da suspensão.
- Para garantir o interesse dos consumidores, a organização apresentou uma ação na Justiça Federal que pede a anulação do ato e a redação de uma resolução, com os mesmos objetivos, mas que abarque a integralidade dos consumidores e inclua os meses de março a agosto.
- Para garantir a transparência na aplicação de reajustes a partir do ano que vem, a organização oficiou o Tribunal de Contas da União.