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Nesta segunda (3), o Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) denunciou a marca Mãe Terra, da Unilever, à Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) e ao Procon-RJ. Isso porque a marca apresenta os produtos da sua linha Zooreta como opções saudáveis para as crianças levarem em suas lancheiras, o que é publicidade abusiva e enganosa.
O instituto defende que a Mãe Terra descumpriu diversas normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A marca violou o direito do consumidor à informação (CDC, art. 6º, III), veiculou publicidade abusiva e enganosa (CDC, art. 6º, IV e art. 37, §§1º e 2º c/c art. 14, § § 1º e 2º, do Decreto nº 2.181/1997) e cometeu prática abusiva (CDC, art. 6º, IV e art. 39, VIII) ao desrespeitar normas específicas que regulam a publicidade de alimentos.
Para além da abertura de processo administrativo e de fiscalização, o Idec também pede à Senacon que divulgue sua Nota Técnica nº 3/2016/CGEMM/DPDC/SENACON, de modo a nortear a atuação fiscalizadora do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor sobre o tema, considerando o início do ano letivo, bem como se articule com outros órgãos, como o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, para alinhar a proteção dos consumidores às políticas públicas de saúde e educação.
Pareceres técnicos
Um dos elementos que contribuiu para a denúncia foi o parecer técnico do Observatório de Publicidade de Alimentos, do qual o Idec faz parte, sobre a composição nutricional dos seguintes produtos da linha Zooreta: Zooreta Biscoito Cacau; Zooreta Biscoito Morango; Zooreta Biscoito Maisena; Zooreta Salgadinho Cebola; Zooreta Salgadinho Pizza; Zooreta Salgadinho Queijo e Zooreta Biscoito Cacau Orgânico.
Todos os itens analisados são categorizados como ultraprocessados, os quais, de acordo com o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos e com o Guia Alimentar para a População Brasileira, não devem ser oferecidos para crianças e precisam ser evitados até mesmo por adultos.
Segundo o parecer, “as evidências recentes demonstram que os ultraprocessados são prejudiciais à saúde, uma vez que estão associados ao aumento do excesso de peso, obesidade, e doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como diabetes tipo 2, hipertensão e doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer”.
Outra conclusão do parecer é que a publicidade dessa linha utiliza estratégias de comunicação que são capazes de induzir o consumidor a erros de interpretação a respeito da natureza e características dos produtos.
Por exemplo, na embalagem do Zooreta Biscoito Morango, o produto está denominado como “biscoito integral (35,4%) sabor morango”. Contudo, a quantidade de morango na sua composição é muito pequena. Ao analisar sua lista de ingredientes, é possível encontrar o morango como o segundo componente do mix de frutas vermelhas, que é o 14º item da lista de ingredientes. Apesar da pequena quantidade de morango no produto, a embalagem é composta por uma grande parte da coloração rosa e tem a palavra “morango” com um ícone da fruta em destaque no painel principal do rótulo.
Tais informações vão de encontro à propaganda feita pela Mãe Terra, que, nas embalagens e propagandas de seus produtos, foca em atributos como: “ingredientes integrais”, “alimentos in natura e minimamente processados”, “origem orgânica”, “procedência vegana” e “ausência de glúten”.
Outro parecer técnico que contribuiu para a denúncia, elaborado pelo Grupo de Estudos, Pesquisas e Práticas em Ambiente Alimentar da Universidade Federal de Minas Gerais (GEPPAAS/UFMG), debruçou-se sobre a publicidade abusiva e enganosa dos produtos da linha Zooreta.
O documento conclui que a linha comete publicidade abusiva quando utiliza elementos como cores vibrantes, personagens infantis e mensagens que dialogam diretamente com crianças - público hipervulnerável - por meio de elementos como palavras, mensagens, textos, desenhos, imagens e rótulos. Como a conduta explora a deficiência de julgamento das crianças, configura publicidade abusiva (art. 37, §2º, do CDC).
Além disso, a promoção da linha Zooreta como uma opção nutricional adequada e ideal para uma criança induz ao erro os pais e responsáveis, estimulando-os a acreditarem que tais produtos são adequados e recomendáveis ao consumo infantil, especialmente no ambiente escolar.
Para Mariana Ribeiro, nutricionista do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec, “é dever do Estado criar um ambiente favorável ao desenvolvimento saudável das crianças e dos jovens. E isso passa, necessariamente, pela punição da veiculação de publicidade infantil, que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança para induzi-la a um comportamento prejudicial à saúde”.
Por que a denúncia também foi feita ao Procon (RJ)?
Compete ao Procon receber, analisar, avaliar e apurar consultas e denúncias apresentadas por entidades representativas ou pessoas jurídicas de direito público ou privado ou por consumidores individuais.
A escolha do órgão no Rio de Janeiro se justifica pelas diretrizes legislativas do estado e de alguns de seus municípios em relação à alimentação no ambiente escolar.
Na cidade do Rio de Janeiro, podem ser indicadas como ações de combate à obesidade infantil a Lei nº 7.987/2023, que proíbe totalmente a venda e a distribuição de alimentos ultraprocessados nas escolas públicas e privadas da cidade.
Já no município de Niterói, o Decreto nº 15.457/2024 regulamentou a Lei nº 2.659/2009, que proibiu a comercialização, a aquisição, a confecção, a distribuição e a publicidade de alimentos ultraprocessados no ambiente das escolas integrantes da Rede Municipal de Ensino. A Lei nº 3.766/2023 também alterou a Lei nº 2.659/2009 para indicar um rol de alimentos ultraprocessados.
Além disso, foi criado o Programa “Guia alimentar para a população brasileira nas escolas”, com o intuito de reduzir o consumo de alimentos processados e produtos alimentícios ultraprocessados no ambiente escolar, no Estado do Rio de Janeiro (Lei nº 10.233/2023).
“Se existe proteção legal às crianças nas escolas do Rio de Janeiro, não podemos permitir que alimentos que se vendem como saudáveis, mas não são recomendados nutricionalmente, possam ser publicizados sob a estratégia de marketing que envolve a lancheira das crianças, principalmente em um momento de retorno às aulas”, finaliza Mariana.