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Nesta semana, o Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) protocolou uma denúncia contra o conselheiro da Anatel, Alexandre Freire, na Comissão de Ética Pública da Presidência da República.
O instituto alega que há conflito de interesses no processo de revisão do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC), visto que o conselheiro é amigo de Ricardo Campos, autor do parecer jurídico anexado pelas empresas de telecomunicações no mesmo processo, em março de 2024.
Na denúncia, o Idec solicita:
- A instauração de processo de apuração ética contra o conselheiro Alexandre Freire;
- O afastamento cautelar do denunciado de todos os processos relacionados ao RGC ou que envolvam diretamente os interesses das operadoras Tim, Vivo e Claro, até a conclusão do processo de apuração ética;
- A nulidade do voto nº 15/2024/AF e do acórdão nº 389/2024, pelo conflito de interesses que não foi reconhecido no processo nº 53500.113347/2023-41;
- A aplicação de advertência ao denunciado, nos termos do artigo 17 do Código de Conduta da Alta Administração Federal e das normas éticas da Anatel;
- Que seja recomendada, com a confirmação das violações éticas, a abertura de processo administrativo disciplinar e de medidas corretivas pela Anatel, nos termos de seu código de ética, sem prejuízo de outras sanções administrativas, civis e penais cabíveis.
Contexto
O RGC, instituído pela resolução Anatel nº 765/2023, são normas de proteção de consumidores e usuários de telecomunicações em temas como alteração unilateral de preço de planos telefônicos, hipóteses de interrupção do serviço, garantia de práticas comerciais éticas e justas, prazo de reajustes, regras de renovação automática de plano, entre outras disposições essenciais.
Em 28 de maio de 2024, o Idec protocolou um pedido de suspeição contra Alexandre Freire, em razão de conflito de interesses evidenciado pela relação próxima de amizade mantida entre o conselheiro e o advogado Ricardo Campos, que atuou como parecerista contratado pelas operadoras de telecomunicações Tim, Vivo e Claro no mesmo processo.
O Idec destaca como evidências dessa amizade diversos artigos de opinião escritos em conjunto e publicados em veículos de comunicação, além de posts em redes sociais em que Ricardo Campos refere-se a Alexandre Freire como “amigo”.
Publicação de Ricardo Campos no Instagram, chamando Alexandre Freire de “amigo”. Disponível neste link
Interações antigas de Ricardo Campos chamando Alexandre Freire de “amigo”, na plataforma X (antigo Twitter), sugerindo que a amizade é de longa data. Disponíveis neste link
Comentário de Ricardo Campos em uma publicação realizada por Alexandre Freire. Disponível neste link
O parecer desenvolvido por Ricardo Campos foi utilizado como fundamento técnico para embasar o pedido das operadoras de suspensão e anulação de diversos dispositivos do novo RGC.
Na denúncia, o Idec afirma que, longe de ser um estudo técnico robusto e imparcial: “o parecer revela-se como mero instrumento de lobby, destituído de evidências empíricas, dados científicos ou análise metodológica consistente. Suas conclusões repetem, de forma acrítica, os argumentos das empresas reguladas, sem acrescentar qualquer elemento substantivo ao debate ou comprovar os supostos impactos negativos das novas normas. A ausência de demonstração quantitativa ou qualitativa dos efeitos alegados, limitando-se a generalidades e argumentos desprovidos de lastro probatório, desqualifica como fundamento válido para decisões regulatórias, que demandam rigor analítico e transparência”.
Tanto que, em 7 de março de 2024, o então conselheiro substituto Raphael Garcia, que era o relator inicial do processo, propôs a total improcedência dos pedidos de anulação por meio da análise nº 4/2024/RG. O relator fundamentou sua análise na ausência de ilegalidade nos dispositivos questionados e considerou o novo RGC válido e necessário para a proteção dos direitos dos consumidores, mencionando que a Anatel já havia avaliado outras medidas durante a análise de impacto regulatório (AIR).
Apesar disso, Alexandre Freire tomou para si a responsabilidade de nova análise dos autos durante a sessão de julgamento que ocorreu em 11 de abril de 2024, pedindo nova vista aos autos, ainda que a análise emitida pelo conselheiro relator fosse pela improcedência dos pedidos.
Com base no parecer de Ricardo Campos, Alexandre Freire determinou que o setor técnico da Anatel produzisse novo estudo regulatório dos artigos indicados no parecer das empresas - o que postergou a análise do processo por meses -, a despeito do RGC estar em discussão há mais de cinco anos. O setor técnico ressaltou que o processo administrativo que tratava da anulação de artigos do RGC não era a via adequada para revisão do processo regulatório já aprovado.
Em 28 de agosto de 2024, Alexandre Freire ainda emitiu o voto relator do acórdão nº 228/2024 em outro processo da Anatel (53500.042997/2024-86), responsável por suspender por um ano o início da aplicação do regulamento: de 1º de setembro de 2024 para 1º de setembro de 2025. O Idec destaca que, ao suspender a entrada em vigor do regulamento, criou-se uma condição que facilitou a revisão e/ou anulação de dispositivos que ainda não haviam gerado efeitos, reduzindo o potencial de oposição à sua modificação.
Uma mês depois, Alexandre Freire determinou ao setor técnico da Anatel, por meio do voto nº 11/2024/AF, a produção do estudo à luz da economia comportamental sobre os artigos do RGC questionados no parecer das empresas.
Em 23 de dezembro de 2024, Alexandre Freire emitiu sua decisão de mérito pela anulação de diversos artigos do RGC e a rejeição da denúncia do Idec, confirmada pelo acórdão nº 389/2024.
O que o consumidor tem a ver com isso?
O acórdão nº 389/2024, que seguiu o voto condutor de Alexandre Freire, anulou artigos fundamentais para a proteção dos consumidores no RGC, sendo eles:
- Anulação do artigo 23: permitindo-se a alteração unilateral de características de preço, acesso e fruição das ofertas pelas operadoras durante sua vigência, retirando um dispositivo alinhado com o Código de Defesa do Consumidor;
- Anulação do artigo 31, §2º: eliminando a garantia que, na ausência de manifestação do consumidor, este poderia ser alocado em oferta de igual ou menor valor, sem fidelidade, abrindo margem para interrupção do serviço ou a novos contratos de maior valor ou com prazo de permanência obrigatório;
- Anulação do artigo 34, §2º: removendo mecanismos que incentivavam práticas comerciais éticas por parte dos vendedores;
- Anulação dos artigos 39 (caput e §1º) e 21, §3º, IV: retirando a vinculação clara entre a data de contratação e o prazo mínimo para reajustes, gerando insegurança jurídica;
- Anulação dos artigos 72, I, "a" e 74: permitindo cobranças durante o período de suspensão do serviço por inadimplência e limitando o funcionamento do serviço de recebimento de chamadas e mensagens - que não são cobradas do usuário.
Além disso, o acórdão estabeleceu interpretações restritivas para:
- O termo "oferta" no artigo 21, excluindo produtos e serviços acessórios da necessidade de registro prévio pela Anatel, violando o direito à informação e o direito à proteção contra publicidade abusiva ou métodos comerciais desleais, em absoluta contrariedade ao Código de Defesa do Consumidor;
- O termo "renovação automática" no artigo 36, §2º, flexibilizando a vedação à renovação automática de contratos com fidelidade, anteriormente proibidas pela redação do texto do RGC.
“Apesar da complexidade do caso, o resumo é simples: um conselheiro da Anatel atendeu ao pedido de um amigo ligado às operadoras e retirou direitos dos consumidores. Para piorar, a decisão foi confirmada pelos demais conselheiros, que ignoraram a denúncia do Idec sobre a amizade entre Alexandre Freire e Ricardo Campos. Este é só um exemplo. Ambos seguem influenciando outras pautas e devem ser alvo de maior escrutínio externo, já que a própria agência falhou em conter essa situação ilegal”, afirma Luã Cruz, coordenador do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec.