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O Idec, ONG de defesa do consumidor, enviou na semana passada (27/10) ao Ministério Público do Estado de São Paulo uma Nota Técnica se posicionando contra a ausência de licitação na prorrogação do contrato do governo do Estado de São Paulo com a empresa Metra, que opera o Corredor ABD (que liga Diadema a Santo André, passando por São Bernardo do Campo).
A prorrogação prevê a construção e operação do novo BRT ABC - que vai ligar São Bernardo do Campo à Capital paulista, passando por Santo André e São Caetano do Sul - e de todas as linhas metropolitanas da EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos) na região do ABC que compõem a chamada Área 5.
Segundo o Instituto, além de a medida ser ilegal, por desrespeitar a obrigatoriedade de licitação neste tipo de processo, ainda é prejudicial aos consumidores por prorrogar um contrato defasado, existente desde 1997 e que não contempla a realidade atual das cidades metropolitanas.
“O contrato estabelecido com a Metra é anterior à PNMU (Política Nacional de Mobilidade Urbana), de 2012, e por isso deixa de incluir obrigações mais modernas relativas à tarifa, à qualidade do serviço oferecida ao cidadão, entre outros itens”, explica Rafael Calabria, coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Idec. Ele acrescenta que a lei também prevê a realização de licitação para concessão da operação de serviço de ônibus. “Só por isso a iniciativa do Governo do Estado já é claramente ilegal. Mas ela fica ainda pior quando vemos que ela não resolve os problemas do déficit do contrato e do alto custo da tarifa."
Argumentos falaciosos
O Governo do Estado estabeleceu um contrato de 20 anos com a Metra, em 1997, para operar o BRT ABD. Em 2017 ele foi prorrogado por mais cinco anos, terminando em 2022. Agora, o desejo do Governo do Estado é estender por mais 25 anos esse prazo e incluir um novo objeto no contrato, sem realizar o processo legal de licitação: a construção e operação do BRT ABC e de todas as linhas metropolitanas da EMTU na região do ABC que compõem a chamada Área 5. Para isso, João Doria cancelou, em 2019, o contrato de construção da Linha 18-Bronze do monotrilho, que faria o mesmo percurso e teria capacidade de transporte de passageiros superior. A decisão implicou em uma multa que pode chegar a R$ 1 bilhão.
Diante da situação, uma empresa que atualmente opera na Área 5 da EMTU, e que com a mudança perderá esse direito, acionou a Justiça alegando favorecimento da Metra no processo. O TJSP concedeu uma liminar favorável reconhecendo a ilegalidade. Porém, recentemente o Ministério Público do Estado de São Paulo se pronunciou reconhecendo a possibilidade de prejuízo para os cofres públicos caso o contrato não seja estendido como quer o Governo do Estado.
Para justificar a prorrogação, o Governo do Estado alega que o contrato com a Metra está deficitário. Calabria esclarece que isso ocorreu em razão do modelo de contrato de ônibus que deixa todo o custo do sistema na conta da tarifa. “Se tivéssemos um contrato mais moderno, que remunerasse a empresa pelo custo do sistema, e não pelo número de passageiros, e que tivesse outras fontes de financiamento além da tarifa, isso não estaria ocorrendo. Refazer o processo de licitação é a grande chance de acabar com esses vícios e falhas”, defende.
Além disso, o governo Doria alega que, tendo a Metra monopólio de todo o serviço na região do ABC, a integração entre os ônibus melhoraria para o passageiro. “Isso não faz sentido. Temos cidades médias que possuem uma empresa de ônibus operando todo o serviço e não há integração. Por outro lado, a cidade de São Paulo possui mais de 20 empresas de ônibus operando e possui integração de até 4 viagens, porque a prefeitura subsidia essas integrações”, explica Calabria.
Outro mito é o risco de interrupção dos serviços nas linhas que a Metra já opera no ABC, caso a manobra de prorrogação do contrato não se efetive. Isso porque as linhas que a Metra já opera, fora do corredor ABD, são resultado de outros contratos, que vêm sendo prorrogados desde os anos 1980. “Claro que o governo precisa realizar nova licitação para essas linhas, mas isso independe do contrato do corredor ABD”, pontua Calabria.
O governo alega ainda que possui uma dívida de R$ 700 milhões com a Metra, e que com a ampliação do contrato essa dívida seria paga pelas novas atividades. Este argumento também não se sustenta, pois a dívida é resultado do contrato antigo que não prevê fontes de financiamento, portanto tem levado à déficits. “Com o contrato sendo ampliado e prorrogado com as mesmas regras, o que devemos ver no futuro é a ampliação dessa dívida e não a sua solução”, alerta o especialista do Idec.