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O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), anuncia que não participará da 8ª Semana Nacional de Educação Financeira, realizada pelo governo federal para divulgar ações da Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF).
A organização acredita que, diante da crise econômica e sanitária provocada pela pandemia de Covid-19, a iniciativa, que é realizada anualmente, bem como a própria política da ENEF, são insuficientes para consolidarem a prevenção e combate ao endividamento.
Este ano, a semana ENEF ocorrerá entre os dias 8 e 14 de novembro. O evento tem como tema "Planejamento, Poupança e Crédito Consciente: O PLA-POU-CRÉ e a sua saúde financeira". O Idec chama atenção para a desconexão da temática do evento com a realidade de milhares de consumidores endividados, sem renda, passando fome, impactados pelo aumento dos preços de serviços essenciais e que precisam ser assistidos.
“Nem o evento, nem a política são soluções concretas para combater um problema crônico e que atinge uma parcela expressiva da população que não é alcançada pela ENEF. A educação precisa vir de forma estruturada pela política pública e alcançar a população afetada diretamente e induzida a tomar decisões financeiras erradas", afirma Ione Amorim, economista e coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Idec.
Diferentemente da realidade dos consumidores que enfrentam dificuldades, o mais recente Relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central aponta que os bancos retomaram o patamar de rentabilidade do período pré-crise. Eles foram apoiados por um recurso de R$ 1,2 trilhão anunciado pelo governo logo no início da pandemia.
Este fomento a uma maior saúde financeira da população brasileira, defendida pelo Idec, está prevista na Lei do Superendividamento e deve ser garantida por políticas públicas com maior alcance, estruturada em três pilares: prevenção aos riscos, disciplina da oferta e o tratamento coletivo das dívidas bancárias. a lei traz a urgência no fortalecimento da política pública da educação financeira, impõe a revisão do posicionamento e responsabiliza as instituições financeiras pela indução de decisões voltadas aos interesses próprios.
O Brasil vive uma crise dentro da crise: a do endividamento em meio à crise econômica provocada pela pandemia de Covid-19. Este cenário se agravou devido à má gestão do governo federal, que não tomou medidas que evitassem o aumento dos índices de desemprego e com isso fez com que milhares de famílias voltassem à informalidade e à pobreza. De acordo com a Pesquisa de Inadimplência e Endividamento (Peic) da Confederação Nacional do Comércio, a inadimplência avançou 8,4 pontos percentuais em 2021 (dados mostram aumento de 66,4% em abr/20 para 74,6% em set/21).
"O endividamento foi potencializado no atual contexto e, agora, precisamos de medidas eficazes, com métricas de resultados a longo prazo por parte do governo e que visem a orientação da população economicamente ativa, bem como do próprio sistema", completa Amorim.
Neste cenário, induzida a tomar decisões apenas com base no que o sistema oferece, a população acaba recorrendo às orientações e instrumentos de educação financeira dos próprios bancos para suprir necessidades básicas. Sem se dar conta, os consumidores se tornam vítimas de armadilhas do sistema financeiro, que se aproveitam da lacuna estatal na educação financeira para impor os próprios interesses.
"A educação financeira precisa ser entendida como uma via de mão dupla, não basta educar o consumidor e não coibir as práticas abusivas das instituições financeiras ou não adverti-las com medidas administrativas", pontua a coordenadora do programa de Serviços Financeiros.
O Idec participou ativamente para a aprovação da lei do Superendividamento, e chama atenção pública para o fato de que é preciso ir além de eventos como a 8ª semana ENEF. O Instituto reforça que uma educação financeira efetiva não deve ficar nas mãos de instituições privadas, deve ser democratizada e alcançar todo o sistema e cobra uma posição dos órgãos reguladores para que haja mensuração de resultados para o impacto das ações no cotidiano daqueles que recebem tais iniciativas. É preciso prestação de contas, participação popular e ações coletivas.
Como um princípio estabelecido dentro das normas que regulam as Políticas de Responsabilidade Socioambiental e Climática (PRSAC), é importante que as instituições que atuam no sistema financeiro desenvolvam políticas de direitos do consumidor, amparadas em medidas que combate ao superendividamento, uso responsável do crédito, esclarecimento sobre os instrumentos de investimentos e que estejam alinhadas com o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Bancos e educação financeira
Não é de hoje que a organização se debruça sobre esta questão. A pesquisa “Avaliação da Estratégia Nacional de Educação Financeira”, realizada em 2020 pelo Idec, buscou analisar a efetividade da Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef) nos últimos dez anos e como os bancos vêm atuando para disseminar a educação financeira.
O estudo destaca que apesar de se tratar de uma política importante por capacitar crianças, adolescentes, aposentados e mulheres assistidas por programas sociais, ainda há a necessidade de uma educação financeira contínua e generalizada para o próprio sistema financeiro e seus consumidores.
São eles que recorrem à educação financeira dos bancos, com desconfiança, e que também fazem parte dos 41% dos entrevistados pela pesquisa da Conferência Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) que responderam ter dívidas em cartão de crédito e crédito consignado, os grandes vilões dos endividados.
E outro ponto preocupante: 8% dos entrevistados pela pesquisa do Idec admitem que têm várias dívidas em atraso. O cenário no Brasil é preocupante e reflete a necessidade de uma ação que, de fato, seja efetiva e generalizada. Na pesquisa mais recente realizada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em 2018, no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) o Brasil ficou em 17º entre os 20 países analisados.
Apenas Peru, Geórgia e Indonésia tiveram um resultado pior que o brasileiro. A nota do Brasil avançou de 393, em 2015, para 420, em 2018. E, apesar da melhora, ainda está abaixo da média dos 20 países com 505 pontos.
À época, a pesquisa apresentou sugestões de aprimoramento para educação financeira ao Fórum Brasileiro de Educação Financeira (FBEF). Entre elas, estavam a criação de grupo de estudo multidisciplinar para elaboração de indicadores de monitoramento e de impacto, além da realização de debates com representantes da sociedade civil e consumidores.