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O Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) manifesta seu apoio ao voto do relator, diretor Arthur Sabbat, no âmbito do Conselho Diretor da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). O voto propõe a manutenção da medida preventiva que suspende a concessão de compensações financeiras pela coleta de íris realizada no Brasil pela empresa Tools for Humanity (TFH), como parte do projeto de criação da identidade digital World ID, vinculada à criptomoeda Worldcoin (WLD).
O novo modelo de negócios sugerido pela empresa, baseado em recompensas por indicação de terceiros que escaneiem a íris, ainda compromete a autonomia dos titulares, especialmente em contextos de vulnerabilidade socioeconômica. Trata-se do mesmo problema que levou à adoção da medida preventiva em janeiro de 2025. Em vez de solucioná-lo, a proposta reproduz a lógica de esquemas de pirâmide financeira, nos quais o incentivo econômico depende da entrada contínua de novos participantes. A diferença, neste caso, é que o que está sendo mobilizado como moeda de troca não é apenas dinheiro, mas dados biométricos sensíveis e irreversíveis, como a íris.
A proposta não apenas apresenta-se problemática à luz da proteção de dados pessoais, mas também induz os participantes a atuarem como representantes do serviço da empresa, sem a adequada informação e conhecimento da prática, como já demonstrado na investigação da autoridade, constituindo também uma prática abusiva pela legislação consumerista.
Por isso, entendemos que a decisão da ANPD é correta e necessária, diante dos graves riscos à proteção de dados pessoais sensíveis e à liberdade de consentimento dos usuários, como havia indicado o Idec em sua contribuição conjunta com a Coalizão Direitos na Rede. A proposta da empresa de modificar a forma de recompensa, agora por meio de indicações de terceiros, não altera o problema central: o modelo de negócios continua baseado na exploração de dados biométricos de populações em situação de vulnerabilidade, muitas vezes sem clareza sobre os riscos envolvidos ou as finalidades reais da coleta.
O Idec alerta que práticas como essa representam uma forma de monetização de direitos fundamentais, em que a privacidade e a dignidade são convertidas em ativos financeiros. É inaceitável que empresas se aproveitem de desigualdades econômicas para induzir escolhas supostamente “livres”, especialmente quando envolvem dados irreversíveis como a biometria ocular.
O Idec também destaca a importância do processo em curso na ANPD de regulamentação específica sobre o tratamento de dados biométricos. É fundamental que essa normativa reforce a proibição de práticas que utilizam dados sensíveis para obtenção de vantagem econômica em contextos marcados por assimetrias de poder, falta de transparência e desequilíbrio informacional. Seguiremos atentos ao andamento do processo de fiscalização conduzido pela ANPD e reiteramos que o Brasil deve priorizar a proteção de seus cidadãos frente à captura corporativa de dados pessoais por grandes empresas de tecnologias.


