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Atualizado:
Levantamento do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores), com base em dados divulgados pelo Ministério de Minas e Energia (MME), sobre a evolução do Programa Luz para Todos nas regiões remotas da Amazônia Legal indica que a maior parte das distribuidoras não cumpriu a meta prevista de atendimentos.
No Acre e no Tocantins, por exemplo, não foi contabilizado nenhum atendimento. Em outros estados os atendimentos ficaram abaixo das metas previstas, com índices particularmente baixos, como Amazonas (6%), Roraima (2%) e Mato Grosso (7%). Já em Rondônia foi atingida apenas 67% da meta estipulada.
Apenas dois estados com atendimentos previstos — Amapá e Pará — superaram a meta estipulada. Nas regiões remotas dessas áreas, a quantidade de atendimentos excedeu em 470% e 27%, respectivamente, os valores inicialmente estabelecidos. No Maranhão, embora não tenham sido definidas metas, foram realizados 501 atendimentos.
Comparativo entre as metas previstas e os atendimentos realizados pelo Programa Luz para Todos nas regiões remotas da Amazônia Legal em 2024
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do MME (2025)
E não são apenas domicílios que estão sem acesso a esse serviço essencial ali. Em 29 de julho de 2024, o MME forneceu ao Idec dados sobre os contratos de atendimento do Luz para Todos previstos para regiões remotas da Amazônia Legal por tipo de estabelecimento. Há, pelo menos, 993 escolas e 217 unidades de saúde sem energia nessas áreas.
Unidades consumidoras divididas por tipo de estabelecimento, com previsão de atendimento ou contrato assinado, em regiões remotas da Amazônia Legal
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do MME (2024)
O que esses dados indicam?
Para o Idec, esses números podem indicar que os atendimentos previstos para 2024 de fato não foram realizados ou que as distribuidoras não estão enviando com a devida celeridade as informações atualizadas dos atendimentos ao MME.
“Na primeira hipótese, o atraso no cumprimento das metas do Luz para Todos faz com que as pessoas dessas áreas continuem sem acesso à assistência médica, educação e comunicação, além de outros serviços e bens. Isso compromete suas necessidades básicas, qualidade de vida e dignidade” afirma Lourenço Moretto, coordenador do programa de Energia do Idec.
Já no segundo caso, Lourenço explica que a demora na disponibilização dos dados atualizados compromete a transparência e o controle social da política pública. Isso porque, como ela é custeada pelos consumidores, eles têm direito a acompanharem o andamento da política, para poderem cobrar o poder público caso os compromissos não estejam sendo cumpridos.
De olho no Luz para Todos!
Para facilitar esse acompanhamento e monitoramento, o Idec lançou um painel interativo, com recorte específico em áreas remotas da Amazônia Legal, para que qualquer pessoa possa consultar os atendimentos do Luz Para Todos nesses locais, tanto os planejados quanto aqueles já realizados.
O objetivo da ferramenta é tornar os dados oficiais mais acessíveis à sociedade, facilitando o acompanhamento do programa e fornecendo insumos para pressionar as autoridades e os agentes executores a cumprirem as metas de atendimento estabelecidas, ou, ainda, para que os agentes reguladores adotem as medidas de fiscalização e penalização cabíveis em caso de descumprimento.
“O Programa Luz para Todos é uma política pública fundamental, mas carece de maior transparência e fiscalização. Com nosso painel, esperamos contribuir para que os compromissos assumidos sejam cumpridos, promovendo uma transição energética mais inclusiva e justa”, complementa Lourenço.
O programa
O Programa Luz para Todos é uma iniciativa do governo federal que visa levar energia elétrica a pessoas de áreas rurais e comunidades remotas da Amazônia Legal que ainda não têm acesso a esse serviço. Para alcançar esse objetivo, são estabelecidas metas anuais de universalização do acesso à energia, que são executadas pela distribuidora responsável pela área de concessão onde se encontra a comunidade beneficiada.
No caso das áreas isoladas da Amazônia, o atendimento tem sido feito, principalmente, por meio da instalação de sistemas solares descentralizados, uma vez que fatores econômicos e geográficos tornam inviável a extensão da rede elétrica convencional até essas regiões.
Atualmente, o programa estabelece o prazo máximo de 31 de dezembro de 2028 para o fornecimento de energia a essas áreas. No entanto, a ausência de um mapeamento atualizado sobre o número de pessoas sem acesso à eletricidade na Amazônia Legal, especialmente em regiões remotas, dificulta uma avaliação precisa da capacidade do Programa Luz para Todos em assegurar a universalização do acesso ao serviço.
ATUALIZAÇÃO
Alguns dias depois da divulgação, o Ministério de Minas e Energia entrou em contato com o Idec apontando que o estudo do instituto usa parâmetros diferentes dos usados pelo MME.
O Idec reafirma que, para realizar a análise, utilizou os dados da planilha de domicílios atendidos, divulgados pelo próprio MME. Os diferentes parâmetros ao qual o ministério se refere são a coluna homologação (que o MME afirma que usa) e a atendimentos (utilizada pelo Idec).
O Idec desenvolveu sua metodologia com base nos Termos de Compromisso do Programa Luz para Todos, firmados entre as distribuidoras e o MME. Esses termos estabelecem como meta os atendimentos efetivamente executados no ano de referência (ou seja, o momento onde a energia é instalada e as pessoas passam tanto a ter acesso quanto a pagar por ela) e não os homologados. Conforme consta nesses documentos¹, a homologação refere-se especificamente aos procedimentos de inspeção final da instalação para repasse de recursos da CDE (é um momento de fiscalização e de autorização de pagamento das distribuidoras) e não é usada como parâmetro definidor para verificação do cumprimento das metas.
Então a metodologia do MME não é consistente com os termos de compromisso e com o dicionário de dados disponibilizado no portal de dados abertos na sessão designada para o Luz Para Todos, documentos que o próprio ministério elaborou.
Além disso, o Idec tem como princípio o foco nos consumidores e acredita que são eles — e não as distribuidoras — que devem orientar a formulação das políticas públicas. A homologação, como é feita hoje, prioriza critérios técnicos e operacionais voltados às concessionárias, e pode levar mais de um ano para ser concluída. Nesse intervalo, caso o consumidor enfrente um problema com a sua energia, fica a sua defesa prejudicada frente à distribuidora, pois ainda não houve a validação dos requisitos técnicos de sua unidade consumidora, de forma que problemas ocasionados pela falta de observância de normas técnicas e regulamentares pela empresa, sem a homologação, dá vazão ao discurso de que o problema foi ocasionado pelo mau uso do consumidor das instalações, discurso comumente usado para se fugir de punições regulatórias aplicadas às concessionárias, impondo ao consumidor a convivência com um sistema por meses, sem a confirmação de que ele realmente é seguro e com níveis mínimos de qualidade. Por isso, defendemos que o atendimento aos consumidores e os processos de homologação caminhem juntos, garantindo proteção e informação desde o início. Não se trata apenas de questionar uma metodologia, mas de lembrar que ela ignora a urgência de quem está na ponta. Estamos falando de pessoas e comunidades — muitas delas na Amazônia — que há décadas aguardam pela chegada da energia elétrica e que não podem esperar ainda mais para ver seus direitos respeitados.
É fundamental destacar que, mesmo utilizando os dados da coluna homologação, apenas o estado de Rondônia também passa a bater a meta. Amazonas, Acre, Roraima, Mato Grosso e Tocantins permanecem com atendimentos bem abaixo do previsto. Portanto, utilizar a data de homologação como parâmetro de análise não altera a informação de que a meta não foi batida na maioria das áreas remotas dos estados da Amazônia Legal.
Por fim, também após o lançamento de nosso painel, o Ministério informou que parte dos atendimentos realizados em 2024 ainda não foram homologados e, por isso, não constam na planilha disponibilizada no portal de dados abertos do Programa Luz Para Todos. Isso preocupa o Idec sobre a demora com que essas homologações estão ocorrendo, pelos motivos já expostos acima, mas também por prejudicar o monitoramento do programa pelos consumidores e beneficiários da política pública.
¹ Os termos de compromisso e as metas foram estabelecidos quando o programa ainda era o "Mais Luz para a Amazônia". Com a publicação do decreto de prorrogação virou tudo Luz para Todos, mas não houve alteração nas metas. O artigo 13 do decreto explica isso: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/d11628.htm