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STJ derruba a narrativa da “litigância predatória” sustentada pelos fornecedores e mantém o direito de acesso do consumidor à Justiça

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Atualizado: 

17/03/2025
STJ derruba a narrativa da “litigância predatória” sustentada pelos fornecedores e mantém o direito de acesso do consumidor à Justiça

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu, nesta quinta-feira (13/3), o julgamento do Tema 1.198 (REsp 2.021.665/MS), que discutia se juízes poderiam exigir documentos adicionais para a instrução da petição inicial em casos de suposta "litigância abusiva".

O caso foi examinado sob a chamada modalidade repetitiva, a qual contou com Audiência Pública na qual o Idec se manifestou a favor dos consumidores.

Bancos, operadoras de planos de saúde, companhias aéreas e concessionárias de serviços públicos (de energia e telefonia, por exemplo) tentaram emplacar, perante o STJ, a possibilidade de que Juízes pudessem extinguir processos judiciais sem o devido processo legal, caso se deparassem com um número significativo de petições iguais contra uma mesma parte (que, normalmente, são fornecedores que causam lesões repetidas e iguais a cidadãos indistintamente).

O esforço dos fornecedores não tem previsão legal e ainda contou com um trabalho que foi feito perante os chamados Núcleos de Inteligência de diversos Tribunais estaduais e federais brasileiros, mapeando situações em que algumas varas recebiam centenas ou até milhares de processos versando sobre uma mesma situação. O nome criado para esta situação, obviamente para criar novo estigma sobre os consumidores e seus advogados, foi de “advocacia predatória”, na vã tentativa de, invertendo os papeis, transformar os vulneráveis em predadores dos gigantes do marcado nacional.

O voto do Ministro Relator, Moura Ribeiro, acatava a tese de que – dentro do chamado “poder geral de cautela” – juízes poderiam, sem previsão legal, suspender ações judiciais nas circunstâncias já colocadas, exigindo do consumidor e do respectivo advogado, documentos, provas e requisitos que a Lei Processual brasileira (o Código de Processo Civil) não preveem. Em termos práticos, invertia-se a regra geral da boa-fé, presumindo-se maliciosa toda e qualquer ação que, numericamente, se avolumasse contra determinada empresa fornecedora.

Mas, depois de voto-vista do Ministro Humberto Martins, que propunha afastar a ideia de “litigância predatória”, sem dar ganho de causa aos fornecedores, novo pedido de vistas foi feito pelo Ministro Felipe Salomão. Na última quinta-feira, Salomão votou seguindo Moura Ribeiro e, após mencionar uma série de números replicados pelo Conselho Nacional de Justiça (sobretudo colacionados em palestras dadas pela Conselheira Daniela Madeira – esposa do ex-Juiz Marcus Lívio, este que também foi do CNJ), defendia que a solução a ser dada quando muitos processos se repetem é autorizar o juiz a criar condições extraordinárias para que os pleitos possam prosseguir.

O Ministro Presidente do STJ, Herman Benjamin, apresentou voto escrito e sustentou posições divergentes à relatoria e a Salomão, acabando por formar maioria para manter a presunção de boa-fé e de proteção da vulnerabilidade legal de quem demanda contra empresas fornecedoras de bens e serviços no Brasil, muita das vezes sem ter acesso a contratos assinados, a provas de débitos ou a qualquer rastro dos prejuízos que tenha sofrido.

O voto de Herman formou maioria e desarticulou, com uma boa constatação da realidade dos consumidores, a narrativa de quem patrocinava a tese da “litigância predatória”, inclusive realçando que se há um grande número de demandas (processos judiciais) nas varas e tribunais brasileiros, a culpa não é exclusiva nem preponderante do cidadão ou de seu advogado. Mas, ao contrário, de setores da economia que apostam e insistem em condutas ilegais ou contrárias às normas e regulações, valendo-se do Poder Judiciário para manter práticas ilegais com lucros injustificados.

O julgamento representa uma vitória para consumidores e cidadãos que buscam o Judiciário para garantir seus direitos, mesmo que isso importe em um aumento de trabalho aos juízes brasileiros. Com a decisão, ficou afastada a possibilidade de extinção automática de ações sem que os autores tenham a oportunidade de corrigir eventuais falhas documentais. O Tribunal também reconheceu que ações coletivas e demandas em massa são legítimas quando há lesão de ampla abrangência, impedindo que sejam tratadas, de forma generalizada, como abusivas.

O Idec se manterá atento a um dos pontos destacados pelo Ministro Herman Benjamin, quanto ao que denominou *litigância predatória reversa*, exatamente para apontar se os juízes tomarão alguma providência mais acentuada (que não contra o cidadão) conta grandes empresas que insistem em descumprir decisões judiciais, ignoram súmulas e recusam-se a buscar soluções para conflitos repetitivos, forçando consumidores a ajuizar milhares de ações para garantir direitos básicos.  

Idec reforça a importância da decisão  

O Idec considera essa decisão essencial para garantir o acesso à Justiça e impedir abusos de grandes empresas que buscam restringir o direito dos consumidores de questionar práticas abusivas no Judiciário. A restrição de acesso à Justiça poderia comprometer a defesa de direitos fundamentais, especialmente para os mais vulneráveis.

O Idec seguirá acompanhando a aplicação da tese firmada para assegurar que os direitos dos consumidores sejam protegidos e que o Judiciário continue sendo um espaço acessível para todos.