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Nesta terça (18), o Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) entrou com um recurso no STF (Supremo Tribunal Federal), contra a decisão de que a identificação no rótulo de alimentos com porcentagem menor ou igual a 1% de transgênicos na composição é desnecessária, tomada pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em outubro do ano passado.
O instituto argumenta que a decisão é contrária aos princípios de direito do Brasil e ofende direitos fundamentais, além de normas constitucionais da defesa do consumidor e de sua dignidade humana, essenciais à ordem econômica e social brasileira. “A Constituição Federal alicerça os direitos à boa cidadania, à dignidade da pessoa humana, ao pluralismo, à autodeterminação, à informação, à alimentação saudável, à segurança e à soberania alimentar, à saúde, à igualdade, à cultura e à tradição e ao meio ambiente equilibrado, direitos esses inegociáveis, cuja decisão se revela contrária”, afirma o documento.
O recurso pede que o STF restabeleça as decisões tomadas pelo TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) que proibiram a União Federal de permitir ou autorizar a comercialização de qualquer alimento que contenham OGMs (Organismos Geneticamente Modificados), sem a expressa referência deste dado em sua rotulagem, independentemente do percentual, e que obrigaram-na a tomar providências de fiscalização e recolhimento desses produtos em desconformidade com a decisão.
Argumentos
Entre as alegações contrárias à decisão apresentadas pelo Idec, estão a de que a 2ª Turma do STJ potencialmente violou os artigos 5º e 19, III, da Constituição, que tratam do princípio da igualdade e proibição de discriminação. Isso porque, ao afirmar que os consumidores podem optar por alimentos "mais puros" em mercados especializados, a medida cria distinção econômica entre os brasileiros. Como tais produtos tendem a ser mais caros, na prática, só terão essa liberdade de escolha aqueles que puderem pagar por ela.
Para o instituto, há também violações em relação ao artigo 5º, XIV e XXXII, da Constituição, que aborda o direito fundamental à informação e o princípio da defesa do consumidor. A Constituição estabelece que é dever do Estado proteger o consumidor contra práticas abusivas ou desleais, o que inclui a necessidade de rotulagem dos OGMs.
Além disso, a decisão tomada pela 2ª Turma do STJ em outubro se baseia no argumento de que não há comprovação científica dos riscos dos transgênicos à saúde, mas o Idec destaca que a ciência não foi capaz de produzir qualquer consenso sobre a segurança do consumo de OGMs, independentemente do percentual. O instituto completa ainda que existem consumidores, como crianças, bebês, gestantes e pessoas potencialmente sensíveis ao consumo de transgênicos, que precisam de elevada proteção contra exposição a OGMs, devido à peculiaridade da sua fisiologia e fase de desenvolvimento. Mas, devido à decisão, cuidadores e responsáveis estão privados de poder escolher não expor suas crianças a esses produtos. Assim sendo, para o Idec, isso também é uma omissão, dessa vez quanto aos artigos 6º e 196 da Constituição, que tratam do direito à alimentação sustentável, adequada e saudável e, também, da proteção à saúde.
Outro aspecto relevante é que a alimentação também é uma prática profundamente enraizada nos valores de cada grupo. Histórica e antropologicamente, cada povo demonstra como a alimentação tem caráter identitário em diversas tradições como o judaísmo, islamismo, budismo, hinduísmo e veganismo, de tal modo que a falta de rotulagem dos OGMs compromete a integridade dessas identidades ao impossibilitar que seus adeptos façam escolhas alimentares coerentes com suas convicções.
Para o instituto, há ainda omissão quanto ao artigo 225 da Constituição, que aborda o princípio da precaução e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Isso porque a decisão não considera o uso de agrotóxicos na produção transgênicos e o impacto da retirada da obrigação de informar, também retira a única informação que indica ao consumidor o provável uso de agrotóxicos na cadeia produtiva daquele alimento que está ofertado no mercado de consumo, considerando que a maioria das variedades de transgênicos foram modificadas para sobreviver à pulverização de agrotóxicos.
“Comer é um ato político, porque as nossas escolhas alimentares transcendem os aspectos nutricionais e de saúde, influenciando diretamente a sociedade, o meio ambiente e a economia. Quando não há informação clara sobre a presença de OGMs, o consumidor não faz uma escolha, mas sim uma terrível aposta de loteria que ignora as suas preferências éticas, identitárias e culturais, ou mesmo de prevenção quanto ao consumo de produtos transgênicos, limitando o controle sobre sua saúde. O direito de escolha do consumidor é essencial à concepção do Estado de Bem-Estar Social, próprio e familiar”, explica Lucas Fracca, advogado do Idec.
No recurso, o instituto traz mais de 30 alegações contrárias à queda da rotulagem de alimentos com porcentagem menor ou igual a 1% de transgênicos.
Projeto de Lei
Além disso, no no Plenário do Senado, o Projeto de Lei Complementar (PLC nº 34/2015), que reduz a exigência para a rotulagem de transgênicos, pode ser votado a qualquer momento.
O PLC, de autoria do então deputado e atual senador Luiz Carlos Heinze (PP/RS), altera a Lei de Biossegurança para que sejam rotulados apenas alimentos que contenham 1% ou mais de transgênicos em sua composição. E mais: o uso de transgenia precisará ser detectado por meio de análise específica, mesmo que o produto seja produzido total ou parcialmente com alimentos geneticamente modificados.
O problema é que essas análises são específicas para detectar DNAs transgênicos na matéria-prima (como a soja ou o milho) e não em alimentos processados e produtos alimentícios ultraprocessados. Ou seja, a rotulagem passa a depender de um teste que não identifica muitos dos produtos que levam transgênicos.
Na avaliação do Idec, a proposta é uma nítida violação ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). Além disso, ela já havia sido reprovada anteriormente pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) e pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS).