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Hoje, 7 de outubro, às 14h, será realizada uma audiência pública virtual, proposta pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para discutir um pacote de mudanças para o mercado de planos de saúde que ameaça diretamente os direitos de consumidores.
A audiência foi marcada às pressas, sendo anunciada no dia 27 de setembro e tendo seus documentos divulgados na noite de 1 de outubro, o que conferiu pouquíssimo tempo de análise dos temas propostos. Assim, a diretoria cria condições precárias de participação social, insuficiente para dar legitimidade e respeitar o devido processo regulatório.
O Idec reitera sua posição de que a ANS tem atribuições e competências suficientes para promover avanços regulatórios significativos, protegendo consumidores no mercado de saúde suplementar. É neste sentido que, ao longo de muitos anos, a instituição tem apoiado iniciativas da agência, feito contribuições técnicas e buscado estreitar suas relações com o seu corpo técnico.
“O conjunto de propostas atende apenas a interesses do setor regulado, não incorporando nenhuma reivindicação relevante, historicamente defendida pela sociedade civil. Distorce prioridades e falha em demonstrar a causalidade entre problemas e soluções”, afirma Lucas Andrietta, coordenador do Programa de Saúde do Idec.
Os temas incluem (i) a revisão da política de preço e reajustes de planos coletivos, (ii) revisão das regras de franquia e coparticipação, (iii) reajuste por revisão técnica e (iv) retirada de urgência e emergência de planos ambulatoriais.
"As medidas e suas possíveis consequências são extremamente complexas e merecem, cada uma delas, uma discussão separada, qualificada e no tempo adequado. Misturar tantos temas assim é, na prática, confundir quem quer contribuir para um debate de qualidade. Com a crônica falta de transparência e a proximidade da troca de diretoria, o episódio pode ser considerado a ‘boiada das operadoras", aponta Andrietta.
De acordo com o coordenador, é importante salientar que a agência está em um momento de transição de diretorias, isso porque o mandato da presidência termina em dezembro deste ano. “É preocupante acelerar dessa maneira propostas que comprometem a proteção de consumidores, a toque de caixa, com propostas insuficientes ou que atendem perfeitamente às demandas das operadoras. Existem temas com maior prioridade para que a ANS cumpra suas atribuições, como equiparar planos coletivos aos individuais, coibir cancelamentos forçados de contratos. Mas, nesses casos, o que se vê é resistência e falta de interesse", completa Andrietta.
O Idec considera inapropriado discutir, na mesma audiência, convocada em um prazo tão curto e impraticável, temas tão complexos e com grande potencial negativo às pessoas consumidoras. A disponibilização pró-forma de uma nota técnica e de um voto na reunião da diretoria não são sinônimos de participação social e de respeito à Lei das Agências Reguladoras, mas tão somente uma tentativa de conferir aparência de regularidade à discussão.
O Idec espera que a audiência seja adiada e que a ANS discuta cada tema em sessões específicas, com a devida transparência e antecedência.
Temas que serão tratados na audiência e seus riscos a consumidores
Revisão técnica
Os dados mencionados para sugerir a implementação do reajuste por revisão técnica indicam que a medida não tem conexão com problemas reais, visto que nos contratos individuais a sinistralidade é mais baixa do que a média do mercado.
Basicamente, o reajuste por revisão técnica é um instrumento que permite que empresas que estejam passando por dificuldades financeiras aumentem as mensalidades de contratos individuais e familiares acima do teto da própria ANS. É uma prática vedada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao autorizar a alteração unilateral do preço, violando os princípios que deveriam reger essa relação de consumo. Ela coloca o consumidor em extrema desvantagem e insegurança. Na prática, ela estimula a ineficiência e compromete a efetividade do teto de reajustes.
Ampliação do agrupamento de contratos
O Idec já apresentou diversas sugestões sobre a regulação de planos coletivos, tendo enviado, mais de uma vez, propostas à agência e pedido uma audiência pública específica sobre o tema. O último pedido foi feito, inclusive, em 27 de setembro.
A ampliação do agrupamento de contratos (ou pool de risco) nos contratos coletivos pequenos (até 30 consumidores), é uma medida há muito reivindicada pelo Idec e por outras entidades de defesa do consumidor, mas que deve ser acompanhada sobre a necessidade urgente de limitação dos reajustes de planos coletivos. O princípio do mutualismo só funciona na prática quando um grupo grande de pessoas financia e distribui os riscos associados a despesas assistenciais.
Contudo, até o momento não houve amplo debate sobre o tema, o tamanho ideal dos agrupamentos, o melhor método de cálculo de reajustes e seus efeitos sobre os preços. A falta de transparência e informações desencontradas sugerem, inclusive, que as decisões da diretoria podem não ser compatíveis com o posicionamento do próprio corpo técnico da agência. A ANS deve justificar e embasar tecnicamente uma proposta para ampliação do pool de risco.
Planos ambulatoriais
Uma das demandas mais antigas das operadoras é a autorização para comercializar planos sem cobertura para terapias, internações hospitalares e atendimentos de urgência e emergência, ou seja, desvirtuando completamente o que se conhece por plano de saúde. São os chamados planos “exclusivamente ambulatoriais”. Vale dizer que já existe um mercado de cartões de desconto e outros tipos de convênios desse tipo, mas eles não devem ser confundidos com a definição de planos de saúde regida pela Lei nº 9.656 (1998). A afirmação de que eles têm baixo potencial de comercialização não tem respaldo técnico e, ao mesmo tempo, ameaça reduzir coberturas de contratos atuais, autorizando uma confusão conceitual prejudicial ao consumidor.
Franquia e coparticipação
Tema bastante sensível a consumidores. De maneira resumida, franquia e coparticipação são valores cobrados em complemento à mensalidade do plano de saúde, conforme a utilização. Ambos apenas podem ser cobrados se previstos em contrato. Na prática, o que se verifica é que muitas pessoas consumidoras reclamam dos valores cobrados. A antiga regra chegou a ser revogada, inclusive, frente às críticas que a resolução recebeu, por autorizar percentual de coparticipação até 60%.