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Inconstitucionalidade da Lei do “Pacote do Veneno” é questionada em ação no Supremo Tribunal Federal

Partido políticos e centrais trabalhistas questionam no STF retrocessos da nova lei de agrotóxicos, sancionada no fim do ano passado e que viola direitos à saúde, meio ambiente e administração pública

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Atualizado: 

14/08/2024
Inconstitucionalidade da Lei do “Pacote do Veneno” é questionada em ação no Supremo Tribunal Federal

A Lei 14.785/2023, conhecida como “Pacote do Veneno”, é objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) protocolada nesta quarta-feira (14), Dia de Combate à Poluição, no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Rede Sustentabilidade, Partido dos Trabalhadores (PT), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar).  A iniciativa conta com o apoio técnico e jurídico de organizações socioambientais e movimentos populares.

A ação destaca que a norma, ao enfraquecer a regulamentação de agrotóxicos, viola princípios constitucionais norteadores da administração pública, como legalidade e eficiência, e direitos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde, dos povos indígenas, à vida digna, do consumidor, de crianças e adolescentes, entre outros. Em vista disso, os autores da ADI requerem que seja reconhecida a inconstitucionalidade antes do encerramento do julgamento da ação, por meio de uma medida cautelar.

Jakeline Pivato, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, explica que a lei vai na contramão das reais necessidades de saúde e meio ambiente apontadas historicamente pela sociedade civil organizada. "Flexibilizar uma lei tornando-a incapaz de proteger o ser humano e o meio ambiente é incentivar a morte. Historicamente, os movimentos, organizações e a sociedade civil têm denunciado os impactos dos agrotóxicos no Brasil. A Lei do Pacote do Veneno traz, para uma realidade já trágica, produtos ainda mais perigosos. Além de limitar a capacidade de ação de nossos órgãos reguladores, como Anvisa e Ibama. Portanto, denunciamos que essa lei fere o direito à alimentação saudável, ao meio ambiente sustentável e a saúde da população brasileira. Nesse sentido, seguimos em luta afirmando sua inconstitucionalidade ", diz Pivato.

Para o advogado do do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec, Leonardo Pillon, a aprovação do Pacote do Veneno piora e muito a vida das pessoas consumidoras. "Enquanto essa Lei do Envenenamento continuar produzindo efeitos, a tendência é que sejam cada vez maiores as quantidades de veneno que o agronegócio utiliza, inclusive de agrotóxicos proibidos em outros países por serem cancerígenos, desreguladores endócrinos, entre outras características que até então eram suficientes para impedir seu registro aqui no Brasil" explica.

Flexibilização da lei

A Lei 14.785/2023 constitui uma mudança profunda na legislação anterior, a Lei 7.802/1989. Na legislação anterior, cabia ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a atribuição conjunta de avaliação, a partir de critérios técnicos e científicos, para a liberação ou veto de registros e fiscalização dos agrotóxicos. Na nova legislação, a atribuição tornou-se tarefa exclusiva do Mapa, pasta sob forte influência do agronegócio. Aos demais órgãos cabe apenas a revisão complementar. 

O projeto de lei que originou a atual lei do Pacote do Veneno é de autoria do ex-senador Blairo Maggi (PP-MT), conhecido como "rei da soja". O projeto contou com intenso lobby do agronegócio e esforço de sua bancada vinculada à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). O argumento central era a necessidade de atualização da normativa, pois a legislação então vigente impedia a era impeditiva à aprovação de novos registros. 

No entanto, apesar desse argumento, o Brasil teve, nos últimos anos, uma escala crescente de novas autorizações de agrotóxicos. Somente no ano de aprovação do “Pacote do Veneno”, foram 555 novos registros. “A Lei abre brecha para o registro eterno de agrotóxicos que causam danos à saúde de consumidores ou que sejam mais perigosos nas condições reais de uso do que os testes de laboratório puderam provar. Na prática, tudo que era proibido na anterior Lei de Agrotóxicos deixa de existir e é substituído pelo conceito de risco inaceitável. Esse critério é amplamente refutado por autoridades internacionais por ser muito subjetivo e não possuir base científica sólida”, alerta Pillon.

Na direção contrária

Além da centralização do processo de liberação de registro no Mapa, a nova lei tem uma definição mais vaga do critério para veto a registros de agrotóxicos com maior grau de toxidade, além de revogar uma série de regras relativas a pagamento de taxas ambientais e dispensa do registro de agrotóxicos para fins de exportação, entre outras medidas.

O documento protocolado hoje argumenta que a lei “vai na direção contrária à tendência mundial de limitação e proibição desse tipo de substância tóxica, aumenta o risco de contaminação ambiental e humana, eleva o perigo de incidência de câncer e outras doenças agudas e crônicas relacionadas à exposição da população brasileira aos agrotóxicos, contamina os ecossistemas nos diferentes biomas brasileiros e põe em risco sobretudo o trabalhador rural e contraria os princípios da prevenção, precaução, agroecologia e do desenvolvimento sustentável”. 

Impactos à saúde e ao meio ambiente

À época da aprovação do projeto de lei pelo Congresso Nacional, a Anvisa destacou em nota que a medida, caso fosse implementada,  colocava “vidas brasileiras em risco”. Já o Ibama classificou o projeto de lei como um “flagrante retrocesso socioambiental”. “A manutenção dessa legislação pode trazer sérios danos à saúde da população brasileira e enfraquecer a estrutura regulatória responsável pela proteção de consumidores. Apenas uma estrutura regulatória independente e comprometida com a ciência e o bem-estar público poderá garantir a segurança necessária para a saúde e o ambiente no Brasil", completa o advogado do Idec.

Ao longo da tramitação legislativa, a proposta foi amplamente repudiada e denunciada por órgãos públicos, autoridades nacionais e internacionais, conselhos de direitos e controle social, órgãos do Sistema de Justiça, como por Relatorias Especiais da ONU, Conselho Nacional de Direitos e Instituto Nacional do Câncer (Inca).

Desde 2011, o Brasil está no topo do ranking de países que mais usam agrotóxicos. Só em 2022, foram aplicados aqui mais agrotóxicos do que a quantia somada dos Estados Unidos e China – ao todo, 800 mil toneladas , segundo a FAO/ONU. Entre 2010 e 2019, o Ministério da Saúde registrou a intoxicação de 56.870 pessoas por agrotóxicos no país. “Considerando a expressiva subnotificação nesses casos, da ordem de 1 para 50, o número é potencialmente bem maior, podendo chegar a 2.843 milhões de pessoas intoxicadas por agrotóxicos no país”, aponta a ação. Os autores ainda destacam o alto risco de registros e uso de agrotóxicos com potencial cancerígeno.

Na ADI ainda se destaca a vinculação do uso de agrotóxicos à produção de commodities, como soja e milho, e não de maneira genérica a alimentos das famílias brasileiras como é presente no discurso do agronegócio. Outro destaque é o impacto ambiental. “Já é fartamente documentado que esse tipo de produção agropecuária gera desmatamento e, consequentemente, contribui para as emissões de GEE [gases de efeito-estufa]”, enfatizam os autores. “A Ação Direta de Inconstitucionalidade elaborada pelos partidos políticos em conjunto com organizações da sociedade civil e movimentos sociais traz medidas justas e necessárias", afirma Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima. “A nova lei dos agrotóxicos contém um conjunto de retrocessos inaceitáveis. Não há como aceitar a inconsequente flexibilização de regras e o enfraquecimento do controle governamental que ela impõe”, conclui Araújo.