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O Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) aprovou na última quarta-feira (14) a recomendação proposta pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e outras organizações a respeito da liberação do trigo transgênico no Brasil.
O documento pede para que a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) e o CNBS (Conselho Nacional de Biossegurança) revisem e até anulem a decisão que liberou a importação da farinha para alimentação humana e ração animal, cultivo e produção do trigo HB4 no Brasil, advindo da Argentina.
Entre as justificativas estão o fato de que esse trigo transgênico pode afetar toda a cadeia produtiva do trigo no país, já que os custos de segregação, preservação da identidade e rastreabilidade são arcados pelos sistemas produtivos livres de transgênicos e agrotóxicos. Isso impacta no aumento do preço para consumidoras e consumidores de alimentos saudáveis e tende a restringir a liberdade de escolha com a dominância exercida por produtos derivados de transgênicos. Além de também ser resistente ao glufosinato de amônio, um agrotóxico perigoso para a saúde humana.
O documento aprovado na plenária também mostra que houve “insuficiências e ilegalidades nos processos de aprovação” do uso do trigo transgênico no Brasil.
Como foi feita a liberação do trigo transgênico por parte da CTNBio
A aprovação não contou com a avaliação de nenhum especialista em defesa do consumidor nem na única audiência pública, realizada em 22 de outubro de 2020, ou em qualquer momento da análise de riscos, já que não há especialista indicado para a vaga, conforme exige a legislação.
A CTNBio também dispensou a empresa requerente do trigo transgênico de realizar o plano de monitoramento após a liberação comercial, apesar de ser esse o primeiro evento de transgenia no trigo aprovado para cultivo e consumo no Brasil. Além de terem sido inseridos cerca de 62.000 pares de bases além dos desejados HaHB4 e BAR, não tendo sido realizadas análises experimentais sobre a segurança dessas substâncias.
De acordo com o advogado do Idec Leonardo Pillon, a decisão favorável do Consea é essencial para evitar que o trigo transgênico se torne um grande problema no país. “Na prática, o pão e a farinha de trigo que hoje não são transgênicos correm grave risco de se tornarem e não termos mais a variedade de opções livres de OGM (Organismos Geneticamente Modificados) nas prateleiras de supermercados. Assim como ocorreu com alimentos derivados de soja e milho após a liberação da transgenia nesses cultivos”, reflete.
Para Pillon, é preciso uma discussão que envolva toda a sociedade civil antes de ser tomada uma decisão importante como essa. “O trigo HB4 é resistente ao glufosinato de amônio que é um agrotóxico classificado como tóxico ao sistema reprodutor e não autorizado na União Europeia devido a essas complicações, podendo causar danos à fertilidade e riscos para fetos em desenvolvimento. Além de estar associado a desregulação endócrina, alterações genéticas e danos ao fígado. No Idec realizamos uma petição que teve o apoio de mais de 17 mil consumidores e consumidoras contra o uso desse transgênico. Ele não pode ser liberado dessa forma, sem uma discussão aprofundada junto com representantes da sociedade civil e de movimentos sociais”, completa.
Assim como ocorreu com o aumento do uso de glifosato após a soja transgênica, o uso de herbicidas à base de glufosinato de amônio pode aumentar e impactar a saúde de consumidores e consumidoras de produtos derivados de trigo. “Mesmo exposições em níveis baixos de resíduos de alimentos podem ser prejudiciais à saúde, especialmente de crianças e mulheres grávidas, sendo recomendável a eliminação dos duplos padrões regulatórios e o phase-out de agrotóxicos obsoletos e altamente perigosos. Isto é, se não está mais autorizado na União Europeia por razões de proteção da saúde humana, esse veneno não deveria estar liberado no Brasil e muito menos ser autorizada a liberação comercial de transgênicos resistentes a esse veneno obsoleto que deveria passar para a fase de desuso internacional”, conclui Pillon.
Com a recomendação que deve ser publicada nos próximos dias, o Consea envia para a CTNBio e para o CNBS as seguintes providências:
“Ao Conselho Nacional de Biossegurança, à Casa Civil, e à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança: que adotem providências no sentido de revisar e anular as decisões da CTNBio de aprovação para o plantio comercial e para importação da farinha do Trigo IND-ØØ412-7 ou HaHB4, apresentadas no processo 01250.014650/2019-71, devido aos riscos para soberania e segurança alimentar e nutricional brasileiras e às insuficiências, inconsistências e ilegalidades nos procedimentos do processo de liberação comercial.”