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Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense, em 05/01/2023
"Defender os direitos das pessoas como consumidoras é defender a própria cidadania, a dignidade e o mínimo existencial na sociedade de consumo. Consumidores são o maior setor da economia e o menos ouvido nas decisões de políticas públicas de produção e consumo."
Assim começa a carta que o Idec enviou ao ex-governador e senador eleito, Flávio Dino, no dia em que foi indicado para o Ministério da Justiça pelo novo governo. Ex-juiz federal e conhecedor do sistema jurídico brasileiro, Dino terá a oportunidade de provar que o Estado tem o compromisso de colocar os direitos dos consumidores em destaque.
É na pasta da Justiça que fica a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão responsável por articular o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, que já há muitos anos tem sofrido com falta de estrutura e sido utilizada para agradar aliados de momento dos governos, apenas para atender interesses de grupos políticos ou de setores do mercado.
No Brasil, as pessoas conquistaram com a Constituição de 1988 o direito fundamental de serem defendidas pelo Estado nas relações de consumo. Mas, nos últimos anos, as perdas de direitos provocaram retrocessos nas políticas de acesso à justiça e a bens e serviços.
Uma das principais pautas da defesa do consumidor é o combate ao superendividamento. Mais de 40 milhões de pessoas estão nessa situação no Brasil e, por isso, não conseguem honrar compromissos financeiros sem prejuízo do próprio sustento, sobrevivendo à margem e abaixo dos limites dos direitos fundamentais sociais fixados pela Constituição.
Enquanto o país precisava de medidas concretas para diminuir o grau de endividamento da população, o governo ora realizou e ora apoiou um conjunto grande de medidas cujo único propósito foi favorecer interesses de banqueiros, permitindo ainda mais a captura da renda das famílias mais pobres para pagamento das mais altas taxas de juros do planeta. Como exemplo, lamentamos lembrar a Lei 14.431/22, que autorizou o aumento na margem de consignação de 40% para 45% da renda mensal para beneficiários do INSS, e da extensão da concessão de crédito consignado para desconto diretamente em programas sociais como o Auxílio Brasil, com taxa de juros de 51% ao ano. O Executivo também é autor do Projeto de Lei 4.188/2021, que estabelece o Novo Marco de Garantias, atualmente tramitando no Senado, que, entre outras regras, estimula cidadãos a oferecer suas casas como garantia de empréstimos múltiplos, bem como autoriza o uso de aparelhos celulares, motos, carros e outros bens móveis para esse fim. Tudo isso vem ocorrendo diante da omissão (em algumas vezes com expresso apoio) da Senacon.
O Idec, que conta com mais de 35 anos de dedicação ao interesse público e à defesa de direitos, espera que a próxima gestão do Ministério da Justiça, em especial da Senacon, tenha compromisso rigoroso e verdadeiro com o interesse dos direitos das pessoas consumidoras. Que combata duramente a captura dos espaços e processos decisórios pelos representantes de grandes empresas e que adote medidas concretas contra o conflito de interesses e a interferência dos setores produtivos nas políticas e regulações.
Esperamos que as pessoas escolhidas para compor os quadros do ministério se empenhem na ampliação de direitos da classe consumidora e na maximização do acesso à justiça e à informação e nos colocamos à inteira disposição para cooperar com a reconstrução da Política Nacional das Relações de Consumo.
- Igor Britto - Diretor de relações institucionais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
- Renato Barreto - Coordenador de advocacy do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense, em 05/01/2023