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Reportagem do jornal Brasil de Fato, publicada em 23/08/2021
Título original: Idec denuncia influência da indústria e do agronegócio na Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU
Crítico à Cúpula de Sistemas Alimentares das Nações Unidas, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) não participará do evento, que ocorre em 23 de setembro, em Nova Iorque (EUA). A entidade afirma que, influenciada pela indústria e o agronegócio, organização do fórum global abre pouco espaço para um modelo alimentar saudável e sustentável como defende a sociedade civil.
A Cúpula de Sistemas Alimentares das Nações Unidas é um fórum global com a participação de diferentes governos, incluindo o brasileiro, assim como representantes do setor privado, da sociedade civil e da academia. Anuncia-se o fórum como uma resposta ao aumento da insegurança alimentar e nutricional nos últimos anos, para além da crise econômica, desigualdades e a pandemia da covid-19.
Entretanto, segundo destaca o Idec, o secretário-geral da ONU, António Guterres, indicou a ruandense Agnes Kalibata como Enviada Especial com o papel de coordenar o evento. Ela é presidenta da Aliança para a Revolução Verde na África (AGRA). Vinculada ao agronegócio, mostra dificuldade em reconhecer a importância e os direitos dos pequenos produtores nos sistemas alimentares.
Contra Mobilização dos Povos
“O processo da Cúpula dos Sistemas Alimentares foi pensado desde o início para servir uma agenda corporativa”, disse Paula Gioia, da La Vía Campesina Alemanha, durante a primeira Contra Mobilização dos Povos para Transformar os Sistemas Alimentares Corporativos. “Como os governos aceitam ter sua autoridade e soberania tomadas pela indústria?”, questiona.
O vice-ministro de Autossuficiência, Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural do México, Victor Súarez Carrera, avaliou como inaceitável a tentativa de privatizar as soluções públicas na Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU. “Eles querem impor isso na sociedade. Não podemos perder muito tempo desafiando a Cúpula da ONU, precisamos agora criar e seguir a nossa própria agenda. Precisamos criar espaços de múltiplos interessados da base, a partir das pessoas.”
A primeira Contra Mobilização dos Povos para Transformar os Sistemas Alimentares Corporativos ocorreu em julho, de forma crítica à Cúpula, em paralelo a uma pré-Cúpula realizada em Roma. O movimento é resultado da união de mais de 300 organizações da sociedade civil de todo o mundo, dentre elas o Idec, para enfrentar os modelos de produção e consumo de alimentos dominados por grandes corporações da indústria alimentícia e do agronegócio.
“Estamos trabalhando em um processo muito articulado com este movimento para a construção de uma agenda para Sistemas Alimentares mais saudáveis e sustentáveis na América Latina e no Brasil. Fazemos incidência política nos países, governos e instituições. Estamos fazendo isso porque acreditamos na soberania alimentar dos povos”, disse a coordenadora do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec, Janine Coutinho.
"Mais de 19 milhões de brasileiros enfrentam a fome"
A agenda da Contra Mobilização dos Povos para transformar os Sistemas Alimentares, que foi transmitida online, foi pensada com o objetivo de refletir as demandas, saberes e experiências da sociedade civil. Convidado para integrar a mesa "A Luta pela Soberania Alimentar no Caribe e América Latina", o Idec levou para o fórum global a perspectiva dos consumidores, dando destaque à agenda do consumo de alimentos saudáveis.
“Mais de 19 milhões de brasileiros enfrentam a fome todos os dias. É um cenário crítico que está embasado nas crises política, econômica e sanitária que o Brasil vive – e na forma em que os alimentos estão sendo produzidos, processados, comercializados e consumidos”, defendeu Janine.
Segundo ela, é preciso fortalecer os esforços para promover e defender o Guia Alimentar para a População Brasileira, defender a rotulagem de alimentos, denunciar os perigos do consumo de agrotóxicos e ultraprocessados e construir caminhos para combater a sindemia global caracterizada pela desnutrição, obesidade e mudanças climáticas.
Agenda da América Latina
Durante a etapa latino-americana, foi possível mapear as principais preocupações, desafios e demandas da sociedade civil na região em relação aos Sistemas Alimentares. Do encontro, produziu-se um manifesto com o posicionamento das entidades da América Latina para a mobilização global.
“O modelo em que vivemos está esgotado e busca desesperadamente se renovar e resolver os graves problemas de sustentabilidade e injustiça. Buscam soluções que não resolvem os problemas, mas que acalmem os protestos sociais”, pontuou Sofía Monsalve, da FIAN International (Food First Information and Action Network) e integrante do Mecanismo da Sociedade Civil e dos Povos Indígenas para as relações com o Comitê das Nações Unidas sobre Segurança Alimentar Mundial.
A agenda incluiu mesas de debate sobre falsas soluções tecnológicas, ameaças da agricultura industrial contra a biodiversidade e os direitos humanos, as lutas populares e resistências regionais, conflitos de interesse nos Sistemas Alimentares, consumo saudável e sustentável, direitos territoriais, tradicionalidades, entre outros.
Brasil na Cúpula
O Brasil foi vice-líder mundial na exportação de commodities agrícolas em 2020. No final do mesmo ano registrou mais de 116 milhões de pessoas em insegurança alimentar, isto é, que têm acesso parcial ou nenhum à comida. Desse total, 19 milhões de brasileiras e brasileiros estão passando fome. Os dados são da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
Em maio deste ano, o governo federal organizou o evento Diálogos Nacionais, em preparação para a Cúpula de 2021. A atividade foi liderada pelo Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE).
Conforme o Idec, foram deixadas de fora questões como os diferentes impactos dos sistemas alimentares na saúde e no clima global, além da má-nutrição que assola o país com prevalências crescentes de desnutrição, sobrepeso e obesidade e de outras doenças crônicas não transmissíveis. Sem contar o desmonte de políticas públicas e do próprio Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
* Com informações da assessoria de imprensa do Idec