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Planos de saúde recomendam adiar cirurgia eletiva

Operadoras chegaram a comunicar usuários sobre suspensão temporária de procedimentos diante do agravamento da pandemia. Representantes de hospitais defendem manutenção

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O Globo

Atualizado: 

05/04/2021
Foto: iStock
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Reportagem do jornal O Globo, publicada em 31/03/2021

Diante do recrudescimento da pandemia no país, operadoras de planos de saúde comunicaram a médicos e usuários a suspensão temporária dos procedimentos eletivos. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), no entanto, afirma, em nota técnica, que os prazos para realização de cirurgias e exames estão mantidos, apesar de o atendimento aos casos graves de coronavírus ser prioridade.

No ano passado, a agência autorizou a interrupção de prazos legais para que as operadoras respondessem aos pedidos de autorização de cirurgias e exames. Mas, desta vez, a ANS diz que a suspensão de cirurgias eletivas não é a melhor a medida para ampliar leitos para tratamento de pacientes com a Covid-19.

Apesar disso, a reguladora diz que o atendimento aos casos graves de coronavírus devem ser prioridade.

As operadoras, que se anteciparam nas suspensões, agora dizem que "recomendam" o adiamento dos procedimentos.

A associação que representa planos de saúde apoia a iniciativa. Enquanto prestadores de serviço e representantes da rede hospitalar defendem a manutenção de cirurgias e exames, garantem que há redes no país com capacidade de atendimento e dizem que os planos estão se valendo da pandemia para interromper procedimentos que deveriam ser feitos para garantir a saúde dos pacientes.

Para entidades de defesa do consumidor, uma nova suspensão dos procedimentos traria desequilíbrio financeiro para hospitais, e redução dos gastos dos planos de saúde. Além disso, prejudicaria o acesso dos usuários aos serviços médicos.

Ana Carolina Navarrete, coordenadora do Programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), afirma que a decisão da ANS foi tomada para evitar desequilíbrio no setor e prejuízo aos beneficiários de planos de saúde e dos prestadores de serviço.

Para ela, ao suspenderem procedimentos unilateralmente, as operadoras estão ultrapassando suas atribuições:

— O que estamos vendo são as operadoras dizendo que estão suspendendo mesmo com a ANS dizendo que não é para suspender, ou seja, o mercado não está seguindo o que determina a agência. No ano passado, a medida trouxe grande alívio financeiro para as operadoras. O usuário que tiver o procedimento negado ou não respondido no prazo deve denunciar à ANS — avalia.

Prioridade é para paciente com Covid-19

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) defende a iniciativa de suspensão imediata da realização de procedimentos eletivos adiáveis, nas regiões críticas do país, onde os insumos necessários para o atendimento estão escassos e a rede hospitalar sobrecarregada.

Segundo a entidade, a suspensão dos procedimentos eletivos visa à segurança dos próprios beneficiários.

— Os nossos esforços agora são para conseguir vagas e leitos para os usuários de Covid-19. Alguns hospitais estão as portas fechadas. A situação da rede privada é muito grave em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Enquanto isso, recebemos pedidos para realização de cirurgia bariátrica – afirma Marcos Paulo Novais, superintendente Executivo da Abramge.

As operadoras divulgaram comunicados também aos médicos informando sobre a suspensão dos procedimentos e, segundo fontes do setor, não houve revisão da medida após de orientação da ANS.

— Na prática, os médicos não têm indicado estes procedimentos e estão deixando de prescrever, e os pacientes estão aguardando. Quem pode postergar já está fazendo, mas outros casos não são adiáveis. As operadoras estão prestando informação prévia e inadequada ao consumidor, e a nota técnica da ANS veio muito branda – observa Rafael Robba, sócio do escritório Vilhena Silva Advogados.

Um diretor de hospital no Rio de Janeiro, que refere se identificar, ressalta que o fluxo de pacientes com Covid-19 e aqueles com outras doenças está separado, e que os dois grupos utilizam recursos distintos nos hospitais.

O médico revelou que hoje no hospital que dirige metade dos pacientes internados no CTI são de Covid, e a outra metade de doentes crônicos, cuja saúde se agravou pelo adiamento de procedimentos eletivos:

— O que estão fazendo é gerar medo para afastar os pacientes de tratamentos necessários. As operadoras querem reduzir a sinistralidade e seus custos. Depois de uma cirurgia eletiva, 85% dos pacientes não vão para terapia intensiva, eles vão para quarto. O tipo de alojamento que o paciente Covid usa não é a mesma instalação do paciente de cirurgia eletiva — conclui a fonte.

Médico deve avaliar procedimento

Para Bruno Sobral, secretário executivo Confederação Nacional da Saúde (CNS), o adiamento de um procedimento eletivo deve ser avaliado pelo médico, e de acordo com a saúde e necessidade dos pacientes, e pelas condições disponíveis em cada hospital:

— Tem lugares no pais que dá para fazer algumas cirurgias eletivas, em outros não dá para fazer nada por causa da ocupação de pacientes com Covid. A situação de pandemia é dispare nas regiões do país e uma suspensão nacional, como ocorreu no ano passado, não seria adequada. Os procedimentos eletivos são importantes para manter a saúde do paciente — avalia Sobral.

No Rio de Janeiro, diante da possibilidade de falta de estoque do chamado “kit intubação”, o Conselho Regional de Medicina (Cremerj ) recomendou a necessidade de interrupção provisória no agendamento de procedimentos anestésico-cirúrgicos eletivos, cuja que a espera pelo paciente não agrave seu quadro de saúde, e nos quais venham a ser utilizados estes medicamentos, com objetivo de poupá-los para as UTIs.

— Estamos agindo por precaução. Não existe uma falta, mas a demanda está alta por esses medicamentos, muito maior do que a habitual. Isso é um fato. Precisamos nos prevenir em prol da qualidade da assistência médica no nosso estado e para garantir o melhor tratamento para os nossos pacientes — explica Walter Palis, presidente do Cremerj.

Francisco Morato, presidente da Federação dos Hospitais, afirma que as redes de prestadores de serviços médicos e os hospitais devem ter independência para definir sobre a realização de um procedimento em suas dependências.

— Não temos só Covid no Brasil. Há pacientes cardiopatas, oncológicos, que precisam tratamento. Não pode colocar em risco a vida do paciente, ou agravar sua situação de saúde. Quando falamos de procedimentos eletivos puramente estéticos, realmente, este não é o momento. Mas a cirurgia eletiva, quando o médico indica, é para que não se torne uma urgência ou emergência. Quem tem que avaliar o risco para o paciente é o médico e não a operadora — ressalta Morato.

Sobre os comunicados das operadoras, a ANS ressaltou que “a suspensão de procedimentos eletivos realizada de forma indiscriminada pelas operadoras de planos de saúde caracteriza anormalidade administrativa grave de natureza assistencial”, e que pode haver fiscalização e punição, como proibição de venda dos planos e outras sanções.

O que dizem os planos

Após a nota técnica da ANS, a Unimed-Rio declarou que “recomenda que as cirurgias eletivas agendadas e que possam ser postergadas sem prejuízo à saúde do paciente, sejam suspensas até que a situação volte à normalidade”.

Segundo a operadora, o objetivo é aumentar a disponibilidade de leitos frente à crescente demanda por leitos de Covid-19.

No site da Unimed Seguros, uma nota com data do dia 26 de março dizia que os procedimentos eletivos estavam suspensos. O comunicado foi retirado do ar nesta terça-feira.

Já a Amil afirmou que havia suspendido, entre 24 e 26 de março, as autorizações para cirurgias eletivas e exames eletivos realizados em ambiente hospitalar. No entanto, as autorizações para procedimentos eletivos foram retomadas no último sábado.

Já o Grupo NotreDame Intermédica diz que está priorizando atendimentos e internações de pacientes graves de Covid-19, e pacientes em tratamento que não podem ser interrompidos ou adiados por colocarem em risco a vida do paciente, como parto e puerpério, doentes crônicos, oncologia, traumas, dentre outros, assim como atendimentos de urgência e emergência.

Ainda, segundo a operadora, "o plano não prioriza um paciente que pode aguardar o procedimento médico por outro momento de maior controle".

Veja como denunciar descumprimento de prazos

  • O primeiro passo é procurar a ouvidoria do plano de saúde e anotar o protocolo de atendimento
  • Caso haja alguma negativa de cobertura ou impedimento de acesso, registre sua reclamação na ANS, fornecendo o número de protocolo de atendimento na operadora.
  • O consumidor pode entrar em contato com a agência através do telefone 0800 701 9656.
  • Para fazer a reclamação pelo site, o usuário pode acessar o portal https://www.ans.gov.br/nip_solicitante/, e deve fazer um cadastro utilizando o número de CPF.
  • Outra opção é apresentar denúncias através do Procon de sua região.