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Com vacinação e retomada da economia, qual é o risco de faltar energia?

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Gazeta do Povo

Atualizado: 

29/01/2021
Foto: iStock
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Reportagem do jornal Gazeta do Povo, publicada em 25/01/2021

A possibilidade de que a economia brasileira volte a crescer em ritmo acelerado em 2021, com a implementação de um plano amplo de vacinação contra a Covid-19 no país, reacendeu no setor produtivo o temor de possíveis falhas no fornecimento de energia elétrica. No fim do ano passado, o próprio presidente Jair Bolsonaro afirmou, em resposta a um seguidor nas redes sociais, que o Brasil "poderia ter" um apagão (ou mais de um) se nada fosse feito. Entre especialistas, porém, não há consenso sobre o assunto. E as autoridades do setor dizem não ver risco de desabastecimento, nem mesmo com a plena retomada das atividades econômicas e do crescimento.

Por um lado, é verdade que os reservatórios de hidrelétricas estão com níveis baixos por conta da seca, principalmente na Região Sul. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), dezembro registrou a segunda pior afluência – quantidade de água chegando aos reservatórios – para o sistema em 90 anos. No Sul e no Sudeste/Centro-Oeste, os valores foram os priores da última década.

"Estamos em uma situação em que, por vários anos, a hidrologia tem sido ruim. Os reservatórios estão muito vazios", explica Roberto Brandão, pesquisador sênior do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Na segunda-feira (25), os reservatórios do Sistema Interligado Nacional (SIN) ocupavam em média 35,3% de sua capacidade máxima. A pior situação era a do subsistema Sudeste/Centro-Oeste, o maior do país, com nível de 23%. Sul e Norte estão um pouco melhores, com 35,8% e 30,8%, respectivamente. No Nordeste, o índice é de 51,5%.

Embora os índices atuais sejam ruins, a expectativa é de que o armazenamento cresça nesta época do ano, com o aumento das chuvas. Além disso, a configuração do sistema, segundo o analista, é de uma capacidade instalada muito superior à demanda. "O consumo tem crescido pouco nos últimos anos, enquanto a capacidade instalada aumentou muito. É claro, sempre pode vir uma seca pior que a outra, mas um apagão me parece improvável", avalia Brandão.

Com outra perspectiva, Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), avalia que há sim o risco de haver um racionamento como o de 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso. Segundo ele, isso pode acontecer caso a economia volte a crescer de forma vigorosa – o que parece pouco provável, segundo as previsões dos economistas – e o volume de chuvas continue baixo.

"Desde 2012, quando, com a Medida Provisória 579, o governo Dilma Rousseff tentou reduzir as tarifas de energia na marra, o nível dos reservatórios nunca se recompôs. Não tivemos racionamento porque a economia brasileira não cresceu. A minha preocupação é de que esse ano, depois da pandemia, haja um retorno do crescimento e a gente não tenha energia para isso", explica Pires.

O tamanho do parque gerador e a demanda de energia no Brasil

Segundo o ONS, o parque elétrico brasileiro tinha em novembro (dado mais recente) uma capacidade instalada de 165 mil megawatts (MW), que deve aumentar cerca de 3% até o fim de 2021, chegando a 170 mil MW. A perspectiva é encerrar 2025 com potência total de 181 mil MW, cerca de 10% maior que a atual.

Esse parque gerador "nominal" é muito maior que o consumo. No acumulado deste mês de janeiro, a carga média de energia no SIN – uma medida de demanda por energia – está em 69 mil MW, abaixo da registrada em janeiro de 2020 (70,7 mil MW), mas acima da média de todo o ano passado (66,4 mil MW). A demanda máxima na última sexta-feira (15) foi de aproximadamente 80 mil MW. A maior demanda instantânea já registrada no país foi de 90,5 mil MW, em 30 de janeiro de 2019.

A questão é que nem toda a capacidade de geração do parque elétrico fica disponível ao mesmo tempo. Na última semana, a capacidade de geração sincronizada no país todo era de aproximadamente 86 mil MW.

Esse montante à disposição varia diariamente, por uma série de fatores. Eles vão da disponibilidade da fonte de energia (água, sol, vento, gás natural, óleo combustível e outras) a questões como paradas de manutenção, problemas técnicos e até desligamento temporário de unidades geradoras por falta de demanda.

Se notar que a demanda está crescendo muito rápido e que as usinas em funcionamento podem não dar conta dela, o ONS pode determinar o acionamento de termelétricas que estão desligadas, ampliando assim a capacidade disponível de geração. Mas há um limite para o acionamento das usinas térmicas, que não são capazes de substituir toda a geração hidrelétrica. É por isso que o esvaziamento de reservatórios e o risco de apagão preocupam alguns analistas – mas não chegam a alarmar outros tantos, ao menos por enquanto.

Falta de chuvas deve encarecer a tarifa de energia

Com apagão ou não, a perspectiva é de que a tarifa de energia fique mais cara em 2021. Estimativa da TR Soluções, empresa de tecnologia aplicada ao setor elétrico, é de que as tarifas residenciais tenham aumento médio de 14,5% neste ano. A projeção foi realizada pelo Serviço para Estimativas de Tarifas e Energia (SETE), considerando as distribuidoras e permissionárias do país.

"Como os reservatórios estão vazios e o consumo está crescendo, é possível que a energia fique cara porque teremos que usar as termoelétricas", explica Brandão. Como a geração termelétrica é mais cara que a hidrelétrica, o acionamento das usinas térmicas tem como efeito o encarecimento do custo total de geração, que periodicamente é repassado ao consumidor.

Em dezembro do ano passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) chegou a acionar a bandeira vermelha na cobrança da energia elétrica. Em janeiro, o patamar recuou para amarelo – de qualquer modo, maior do que aquele que vinha sendo praticado em 2020, quando a bandeira foi mantida no nível verde por causa da pandemia. Outra mudança, na forma de cálculo do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), deve encarecer a energia nos horários de maior demanda para os consumidores do mercado livre.

Nesse contexto, Clauber Leite, coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), aponta para a necessidade de estímulo à eficiência energética. "Economizar não é algo só para os momentos de crise. Deveria ser um hábito", afirma Leite. No site do Idec é possível ver dicas para gastar menos energia e fazer simulações da conta de luz.

O que dizem o ONS e o governo sobre a chance de apagão em 2021

Procurado pela Gazeta do Povo para comentar o risco de apagão, o ONS informou que "não prevê riscos de desabastecimento de energia elétrica para a população".

O Ministério de Minas e Energia (MME) informou, em seu site, que o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) "reitera a garantia do suprimento de energia elétrica em 2021 aos consumidores brasileiros, com o compromisso da manutenção da prestação dos serviços pelo setor elétrico brasileiro no cenário atual e futuro, após a plena retomada das atividades econômicas e crescimento do país".