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O Idec, ONG de defesa do consumidor, o Médicos Sem Fronteiras (MSF), a Defensoria Pública da União (DPU) e um grupo de entidades ligadas ligadas à saúde e aos direitos dos consumidores ingressaram nesta quarta (9) com um pedido de liminar para que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão brasileiro de defesa da concorrência, interrompa a cobrança de preços abusivos por parte da farmacêutica Gilead na venda de medicamentos para hepatite C - em concreto, aqueles que têm o sofosbuvir como substância ativa.
A Gilead possui o monopólio para a comercialização de tratamentos contra hepatite C e vem utilizando essa posição para praticar preços extremamente elevados no Brasil, muito superiores aos verificados em outros países e exorbitantes se comparados com o custo de genéricos disponíveis em países onde a empresa não detém a patente do produto.
Em razão da suspensão dos exames de genotipagem em pacientes de HIV e hepatite C, anunciada pelo Ministério da Saúde na última terça (8), a empresa Gilead agora é praticamente a única fornecedora ao governo de medicamentos para a doença. Isso porque, sem a possibilidade de realização dos exames, as únicas opções viáveis para os pacientes de hepatite C (salvo em casos muito excepcionais) passam a ser medicamentos associados ao sofosbuvir, porque ele é pangenotípico - ou seja, efetivo contra diferentes tipos de vírus causadores da doença.
O mesmo grupo de entidades que pede hoje a liminar já havia entrado, em outubro de 2019, com uma representação no próprio Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) questionando as práticas abusivas da Gilead na comercialização de medicamentos que contenham sofosbuvir.
Para Eloísa Machado, professora da FGV e uma das advogadas do caso, “a questão fica mais preocupante no contexto de recursos escassos para a saúde pública e dos gastos esperados com a vacina contra o novo coronavírus. O Cade precisa agir urgentemente para coibir esses abusos”.
Os últimos pregões realizados pelo Ministério da Saúde para a compra de medicamentos contra hepatite C já vinham comprovando a posição dominante e abusiva da Gilead no mercado. Na compra programada para o dia 24/4, ela foi a única empresa a apresentar propostas que cumpriam os requisitos do certame. Entretanto, o pregão terminou sem a efetivação da compra, porque os preços foram considerados abusivos pelo próprio Ministério da Saúde.
Enquanto o ministério estimava o valor de um dos tratamentos em R$ 4.721,07 por paciente, a Gilead ofereceu-o a R$ 15.167,35. Depois de negociações em que o próprio pregoeiro do Ministério da Saúde qualificou os preços como “exorbitantes”, o valor foi reduzido para R$ 6.522,47, ainda assim muito acima do aceitável. Cinco dias depois, sob risco de desabastecimento, o MS marcou novo pregão, dessa vez elevando o preço estimado para R$ 6.522,47 - justamente o menor valor oferecido pela Gilead no certame fracassado. O novo pregão se encerrou com a aceitação do valor final de R$ 6.306,28, muito próximo do que havia sido ofertado pela Gilead no pregão anterior.
Em um contexto onde a Gilead já detém a posição dominante e a exerce abusivamente, as circunstâncias que agora reforçam essa posição tornam maiores os riscos de prejuízo à concorrência, aos consumidores e, principalmente, aos pacientes da rede pública de saúde, inviabilizando seu acesso ao medicamento. Estima-se que mais de 700 mil pessoas sejam portadoras do vírus da hepatite C no Brasil, mas até agora apenas 130 mil pessoas tiveram acesso ao tratamento da doença por meio do SUS.
Além do pedido de liminar, as entidades também solicitam uma audiência urgente com o superintendente-geral do Cade, Alexandre Cordeiro Macedo.
Além do Idec, do MSF e da DPU, o documento é assinado pelo CADHu (Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos), pela Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), GIV (Grupo de Incentivo à Vida), Foaesp (Fórum das ONGs Aids do Estado de São Paulo), Fórum de ONGs Aids do Rio Grande do Sul, Gapa/BA (Grupo de Apoio à Prevenção da Aids), Grupo Solidariedade é Vida e UAEM (Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais).