Bloco Associe-se

Associe-se ao Idec

Pesquisa do Idec aponta que ‘educação financeira’ promovida por bancos é falha

Entrevistados acreditam que bancos deveriam informar melhor sobre riscos na contratação de crédito

Separador

Atualizado: 

30/11/2020

Receber ligações e mensagens dos bancos oferecendo crédito e aplicações é uma situação normal e quase rotineira no Brasil. Mas por que os bancos também não orientam seus clientes sobre como organizar sua vida financeira antes de contratar novos créditos? Uma pesquisa realizada pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) revelou que 46% das pessoas entrevistadas acreditam que as informações das instituições financeiras não contribuem para evitar o superendividamento e 21% acham que o banco deveria informar melhor os riscos na contratação de créditos.

A “Avaliação da Estratégia Nacional de Educação Financeira”, realizada em setembro de 2020 com 975 consumidores (23% entre 36 e 45 anos; 52% mulheres), teve o objetivo de identificar como a Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef) evoluiu nos últimos dez anos e como os bancos vêm atuando para disseminar a educação financeira.

A Enef foi criada em 2010 e é executada pela AEF-Brasil, uma organização da sociedade civil de interesse público. “Essa iniciativa é muito importante, porém insuficiente, já que foca apenas em crianças e jovens em idade escolar e em idosos, aposentados e pensionistas, além de mulheres assistidas por programas sociais. Assim, o grosso da população que está dentro do sistema financeiro, abrindo conta em banco, contratando crédito e fazendo investimentos inadequados não conta com uma política pública de educação financeira”, critica Ione Amorim, economista e coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Idec. Ela é a responsável pela pesquisa.

Somente nove anos após a criação da Enef, em 2019, o Banco Central emitiu um comunicado (n°34.201/2019) recomendando aos bancos promover a educação financeira de seus correntistas. Contudo, a pesquisa mostra que 41% nunca receberam informações do banco, embora saibam que há conteúdo educativo no site e no aplicativo, e 39% não sabem se existem programas de educação financeira em seu banco. Apenas 11% disseram receber orientações frequentes sobre como aplicar o seu dinheiro.

E, apesar da Avaliação indicar um baixo nível de interesse dos consumidores pelo conteúdo de educação financeira oferecido pelos bancos, 79% dos entrevistados reconhecem a sua importância. 

Para Amorim, as respostas surpreenderam, mas faz sentido muitos brasileiros desconhecerem o conteúdo disponibilizado pelos bancos ou não demonstrarem interesse por ele. “Interpreto esse desinteresse como desconfiança, pois os consumidores podem pensar que essas instituições oferecem educação financeira de forma a atender a seus próprios interesses”, diz. “O conflito de interesses existe. Como o banco vai dizer que eu não devo usar crédito desnecessariamente se ele vive disso? Ou que o seguro que o gerente me oferece como essencial na verdade serve para que ele cumpra sua meta de vendas mensal? ”, exemplifica.

É importante destacar também que mesmo na faixa etária a que se propõe educar a Enef não apresentou grandes resultados. Na última pesquisa realizada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, divulgado em 2018, o Brasil ficou em 17º entre os 20 países analisados. Apenas Peru, Geórgia e Indonésia tiveram um resultado pior que o brasileiro. A nota do Brasil avançou de 393, em 2015, para 420, em 2018. E, apesar da melhora, ainda está abaixo da média dos 20 países com 505 pontos.

O resultado ruim em educação financeira para estudantes se estende aos adultos já inseridos no mercado de crédito. A pesquisa do Idec confirmou dados já apontados em pesquisas da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) que cartão de crédito e crédito consignado são os grandes vilões dos endividados: 41% dos entrevistados responderam ter dívidas nessas modalidades. E um ponto preocupante, 8% dos entrevistados admitem que têm várias dívidas em atraso.

Metodologia da Pesquisa

A “Avaliação da Estratégia Nacional de Educação Financeira” foi realizada em quatro etapas. Na primeira, consumidores responderam um questionário online. Nesta fase, 75% dos entrevistados disseram que as informações sobre educação financeira não são percebidas e 46% não acreditam que esse conteúdo contribui para combater o superendividamento, coincidentemente quase o mesmo percentual de endividados 41%.

Na segunda etapa, foram analisados os canais digitais (site, aplicativo e redes sociais) de nove bancos (Banco do Brasil, BNDES, Bradesco, BTG Pactual, Banco Votorantim (BV), Caixa Econômica Federal (CEF), Itaú Unibanco, Safra e Santander. Contatou-se que a fragmentação da informação nos canais dos bancos, dado o elevado desinteresse dos consumidores, pode ser interpretada como publicidade e não alcança o seu objetivo. Nas respostas recebidas dos bancos, eles sugerem que o superendividamento não é somente uma ausência de educação financeira, mas depende de fatores econômicos, que não foram tratados ao longo desses dez anos.

Já na terceira etapa, cartas foram enviadas às instituições financeiras questionando-as sobre as ações de educação financeira implementadas por elas e pedindo que opinassem sobre o desempenho da Enef. O Idec também entrou em contato com algumas das principais instituições que compõem o Fórum Brasileiro de Educação Financeira (FBEF): Banco Central, regulador do sistema financeiro; Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública; e Federação Brasileira de Bancos (Febraban), representante do setor bancário.

Por fim, foram entrevistados seis especialistas e influenciadores digitais sobre os desafios das políticas públicas de educação financeira e o papel dos bancos na sua disseminação. Os entrevistados reafirmaram que as ações adotadas foram insuficientes. Para eles, os fatores de desigualdade social e econômica, a democratização do acesso ao conhecimento do tema, a individualização e adequação do conteúdo e a maior transparência na atuação das instituições financeiras, ainda precisam ser aprimorados para combater o superendividamento.

Confira a pesquisa completa

Propostas para melhorar a Enef

Ao final do processo, os resultados foram enviados para todos os bancos analisados e também para o FBEF, com algumas das orientações abaixo para aprimorar a educação financeira no País:

  • Que a política pública considere também como seu público-alvo grupos de consumidores vinculados ao sistema financeiro, com recortes de perfil de tomador de crédito e de investidor;
  • Criação de grupo de estudo multidisciplinar para elaboração de indicadores de monitoramento e de impacto;
  • Elaboração de política de monitoramento de consumidores assistidos pelas estratégias de educação financeira desenvolvida no âmbito da FBEF;
  • Definição de políticas de educação financeira para as instituições financeiras amparadas nos resultados financeiros do crédito, inadimplência, recuperação de crédito, investimento, recuperação de negativados, evolução do ranking da pontuação de crédito, elevação dos indicadores de poupança interno;
  • Estímulo a geração de reservas e premiação pela superação de situações de metas de crédito e investimentos;
  • Realização de debates com representantes da sociedade civil com atuação direta com consumidores (influenciadores digitais), academia, instituição financeira, reguladores setoriais

É preciso lembrar que o Brasil possui 60 milhões de endividados, dos quais 30 milhões tem toda sua renda comprometida com o pagamento de dívidas, são os superendividados. 

E, além de promover efetivamente a educação financeira para reverter esse quadro, o Idec defende a aprovação do Projeto de Lei 3515/15, que trata do superendividamento. O PL que já foi aprovado pelo Senado e aguarda aprovação em plenário na Câmara dos Deputados.

“A ideia, ao pressionar o governo para votar com urgência a PL 3515, é evitar que essa crise econômica decorrente da pandemia do coronavírus contribua ainda mais para o endividamento das famílias brasileiras, o que trava a capacidade de consumo, afetando, por consequência, as empresas e o comércio. É um perverso círculo vicioso que estrangula o desenvolvimento do país”, comenta Teresa Liporace, diretora executiva do Idec.

O Projeto de Lei 3515/2015 regula a concessão de crédito e a publicidade, tornando os riscos mais evidentes, e garante melhores condições para negociação da dívida com as instituições financeiras. Vale destacar que na pesquisa realizada pelo Idec, 33% dos entrevistados admitiram que conseguem pagar as contas, mas nunca sobra nada mesmo economizando nos gastos. Outros 8% se declararam completamente endividados, 4% estão vivendo uma situação muito difícil com perda de emprego e dificuldades para pagar as dívidas. Apenas a parcela de 28% afirmou que controla os gastos e guarda uma parte do salário.