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Reportagem do blog "- Júlia, socorro!", do Valor Investe, publicada em 29/10/2020
Um projeto de lei que pode ajudar 30 milhões de superendividados no Brasil segue empacado na Câmara dos Deputados, depois de quatro anos parado. A proposta altera o Código de Defesa do Consumidor e cria um capítulo para prevenir e tratar o superendividamento no país. Sua aprovação é de extrema urgência, segundo entidades de defesa do consumidor, representantes do Judiciário e outras lideranças.
O Brasil tem hoje 63 milhões de pessoas inadimplentes, segundo a Serasa. A metade é considerada superendividada, ou seja, não consegue quitar suas dívidas sem comprometer custos relacionados a sua subsistência, como moradia e alimentação.
Na crise causada pela pandemia, o auxílio emergencial e a baixa taxa de juros permitiram um movimento de renegociação de dívidas por parte dos bancos. No auge da pandemia, as instituições financeiras permitiram o adiamento dos pagamentos por 60 dias. O temor é que haja uma explosão da inadimplência no início do ano que vem, quando os socorros acabarem.
O objetivo do Projeto de Lei 3.515 é reduzir esses números e tornar o mercado de crédito mais saudável. O projeto foi aprovado no Senado em 2015, e até agora não avançou.
Na semana passada, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) lançou um movimento para pressionar deputados a votar o projeto ainda neste ano. A campanha convoca brasileiros como você a assinarem uma petição que será entregue em novembro ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.
Todo o movimento de defesa do consumidor defende hoje a aprovação do texto, exatamente como foi aprovado no Senado. Segundo o movimento, esta é a principal forma de prevenir e tratar o superendividamento hoje no Brasil.
O superendividamento ocorre quando as dívidas são tantas que a renegociação individual com cada credor se torna quase impossível e o mínimo existencial acaba comprometido. A dívida excessiva também é resultado de uma realidade de oferta indiscriminada de crédito, juros altos e ausência de educação financeira e de políticas públicas específicas para lidar com o tema.
O que diz o projeto
A proposta pretende prevenir o superendividamento, determinando condições para as instituições financeiras oferecerem crédito, e tratar o superendividado, garantindo direitos para consumidores renegociarem suas dívidas.
Do lado da prevenção, por exemplo, o projeto estabelece que é um direito básico do consumidor a garantia de crédito responsável e a preservação do mínimo existencial, como moradia e alimentação. Também impõe que os bancos informem com antecedência e de forma clara todos os custos envolvidos na tomada de crédito, como taxa mensal de juros e outros encargos, o número de parcelas e a validade da oferta, entre outras medidas.
A proposta também considera que são abusivos contratos que entendam o silêncio do consumidor como consentimento e digam que a instituição pode oferecer empréstimos sem consultar serviços de proteção ao crédito ou sem avaliar capacidade de pagamento do consumidor.
O projeto proíbe, ainda, qualquer publicidade de crédito que use os termos “sem juros”, “gratuito”, “sem acréscimo” ou com “taxa zero” (com exceção do cartão de crédito, onde só incidem juros caso o consumidor não pague a fatura total). Também proíbe assédio por telefone ou e-mail para que consumidores tomem crédito, principalmente idosos, analfabetos, doentes ou pessoas em estado de vulnerabilidade agravada.
Já para tratar o superendividado, a proposta prevê regras para que haja uma conciliação extrajudicial entre as partes e, se for preciso, uma espécie de recuperação judicial da pessoa física, como já existe para as empresas.
Se o Brasil dispõe de lei para socorrer empresas que estão enfrentando dificuldades financeiras sérias, por que o indivíduo e sua família também não podem ter proteção legal semelhante? É o que questionam juristas. Para eles, o superendividamento não interessa a ninguém: nem ao governo, nem aos bancos e nem aos milhares de brasileiros que tem sua dignidade comprometida.