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Suspensão de reajuste de plano de saúde beneficia só 42% dos usuários

Em meio à pandemia, lucro de empresas triplicou no segundo trimestre, com redução do uso. Idec vai a Justiça para estender benefício a todos

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O Globo

Atualizado: 

13/10/2020
Foto: iStock
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Reportagem do jornal O Globo, publicada em 05/10/2020

A suspensão do reajuste dos planos de saúde, determinada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), entre setembro e dezembro deste ano, vai beneficiar apenas 42% dos usuários do setor.

A informação obtida pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), após notificação extrajudicial à agência, que embasou a ação judicial protocolada, na última sexta-feira, pela entidade contra a reguladora pedindo que o benefício seja estendido a todos os 46,7 milhões de brasileiros que têm planos de

A ação pede ainda que os consumidores sejam ressarcidos pelos aumentos já aplicados. Ficaram de fora da medida os contratos com mais de 30 vidas que já tinham recebido aumento de mensalidade e os firmados antes de 1999, ainda não adaptados a atual lei de planos de saúde.

— Nada justifica que mais da metade dos consumidores do setor sejam excluídos, se estão todos no mesmo barco nesta pandemia. Além disso, notas técnicas preparadas por diretorias da ANS mostram claramente que a medida poderia ser suportada pelas operadoras. Diferentemente do que aconteceu em outros setores, a pandemia fez bem economicamente para as empresas desse segmento — ressalta a advogada Ana Carolina Navarrete, responsável pelo programa de Saúde do Idec.

De fato, o lucro das empresas triplicou no segundo trimestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2019. R$ 9 milhões contra R$ 3 milhões, aponta a Nota Ténica nº 4, da Diretoria de Normas e Habilitação das Operadoras (Diope).

O resultado tem impacto direto da redução de uso dos planos de saúde pelos consumidores, diante da orientação de isolamento social, de postergação de procedimentos que não fossem urgentes, além da adoção da telemedicina.

Em outra nota técnica, a Diretoria de Normas e Habilitação de Produtos (Dipro) chama atenção para o fato de que a "aplicação regular dos reajustes em 2020 agravaria os desequilíbrios dos contratos gerados pela situação financeira favorável das operadoras".

O documento afirma ainda que a "suspensão do reajuste financeiro anual e dos reajustes por faixa etária evita o agravamento futuro do desequlíbrido do contratos" e justificaria a aplicação da suspensão do aumento para todos os tipos de contratação.

O texto aponta ainda "fortes indícios" de aplicação de reajuste negativo para o período de 2021/2022 nos contratos individuais.

— De posse de todos esses dados a agência demorou a agir. Quantos dos 326 mil usuários que deixaram o mercado poderiam ter se mantido em seus planos se esssa medida tivesse sido tomada antes? Além disso, ao agir a ANS não tratou com isonomia os usuários de planos de saúde. O papel da agência é identificar falhas de mercado e corrigir. E ela falhou nesse quesito — avalia Teresa Liporace, diretora executiva do Idec.

Teresa ressalta, no entanto, que independentemente da regulação, o setor poderia ter se antecipado e repactuado com seus usuários condições mais favoráveis:

— Em outros setores essenciais, como água, luz e telefonia, rapidamente foram pactuados acordos para garantir ao consumidor o acesso, mesmo em caso de inadimplência. Na saúde, que é o cerne dessa crise, não conseguimos essa proteção. Como sempre, as empresas do setor só buscaram benefícios e esqueceram de mostrar a sua responsabilidade social. É vergonhoso.

Diante da indefinição da ANS sobre como será feita a recomposição dos reajustes suspensos a partir de janeiro, o Idec também oficiou o Tribunal de Contas da União para que acompanhe de perto esse processo:

— A nossa preocupação é que a recomposição não gere um aumento excessivo e leve mais usuários a terem que, depois de tantos anos de contrato, abandonarem os planos de saúde num momento de tanta insegurança — diz Teresa.

Em nota, a ANS defende que não houve restrição, mas que respeitou as negociações já realizadas entre empresas e operadoras, no caso dos planos coletivos empresariais com 30 ou mais vidas, zelando pela “estabilidade jurídica e pela preservação dos contratos em vigor”.

A agência admite que é possível que haja reajuste negativo, mas ressalta que está monitorando permanentemente setor e reforça que tem dado total transparência a essas informações por meio do Boletim Covid-19.

Sobre o percentual de contratos beneficiados pela suspensão do reajuste, a Federação Nacional da Saúde Suplementar (Fenasaúde) pondera que muitos contratos coletivos empresariais, que representam 67% do mercado, já haviam sido atualizados quando veio a determinação da ANS. E destaca ainda que muitos contratantes optaram por manter o aumento.

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) lembra ainda que, de maio a julho, boa parte das operadoras associadas à entidade suspenderam espontaneamente os reajustes dos planos individuais/familiares, por adesão e dos contratos de pequenas e médias empresas com até 29 beneficiários.

Na avaliação da Fenasaúde, que reúne as maiores empresas do setor, “são absolutamente precipitadas e extemporâneas quaisquer previsões sobre o que pode acontecer com os preços dos planos de saúde a partir 2021”.

Para a Fenasaúde, “quaisquer conclusões sobre uma suposta “robustez” advinda de comportamento recente das companhias são meramente parciais e, logo, prematuros”, devendo as avaliações erem feitas a cada 12 meses.

A Abramge ressalta ainda “que em 2020 seria aplicado o índice de reajuste com base nos impactos do ano anterior, ou seja, 2019. Para o ano de 2021 o reajuste será calculado com os dados do que ocorreu no ano de 2020, reajuste este que leva em conta vários fatores, entre eles inflação médica, aumento de custo de medicamentos, materiais e equipamentos médico-hospitalares”, além do índice de uso dos planos pelos seus usuários (sinistralidade).

Sinistralidade em alta

Segundo a federação, ainda não há dados suficientes para prever como será o comportamento do setor até o fim do ano, mas que índice de sinistralidade, que mede a proporção entre o valor arrecadado e o gasto com pagamento de procedimentos, subiu de 64% para 71% de julho para agosto, segundo a própria ANS.

Os dados da agência mostram também que, desde 2015, a média trimestral de sinistralidade do setor não fica abaixo dos 81%, tendo chega ao pico de 88% em 2016.

A Fenasaúde prevê atingir até novembro níveis muito próximos aos de 2019 e não descarta a hipótese de superar patamares registrados em anos anteriores.

Até agora, segundo a ANS, o que se observa é uma retomada gradual da procura por serviços de saúde não relacionados à pandemia. A ANS pondera ainda que mesmo que haja um “crescimento da procura por serviços de saúde, há que se considerar que a demanda dos beneficiários estará sujeita à capacidade de atendimento das redes de prestadores das operadoras”.

E destaca que o fundamental é que os atendimentos sejam garantidos dentro dos prazos máximos estabelecidos.