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Reportagem da coluna Movimento Econômico da Rádio CBN de Recife, publicada em 26/08/2020
O Senado Federal surpreendeu a todos na tarde desta quarta-feira e decidiu que a Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD, vai entrar em vigor nesta quinta-feira, 27 de agosto. Os senadores aprovaram hoje (26) a medida provisória (MP) 959/2020, porém, retiraram do texto o artigo 4º, que adiava a vigência da LGPD para 31 de dezembro deste ano. Este foi um acordo costurado ontem durante votação na Câmara dos Deputados.
A LGPD, que já deveria estar em vigor desde fevereiro passado, foi adiada várias vezes. A última previsão era 14 de agosto deste ano, mas a pandemia novamente alterou o cronograma e a MP pretendia empurrar sua vigência para maio de 2020.
Uma emenda do deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES) ao texto original, alterou mais uma vez a data. Os deputados confirmaram a prorrogação, mas por quase quatro meses e não nove, como previa a MP.
Os senadores derrubaram o artigo utilizando como justificativa o regimento interno da Casa, já que a matéria já havia sido votada meses atrás. O projeto de lei foi aprovado por unanimidade no Senado e a matéria agora vai para a sanção do presidente Jair Bolsonaro.
Acabou a festa
“Acabou a festa com os dados dos usuários. A partir da vigência da lei, as empresas que faziam tudo que queriam com os nossos dados pessoais terão que seguir regras claras, pois a LGPD traz o resgate dos nossos dados para nós, de fato”, explica a diretora jurídica da Associação Brasileira de Segurança Cibernética, Carmina Hissa.
“A partir de agora, as empresas terão que informar para que querem nossos dados, dizer para que vão usá-los. Vejo a LGPD equivalente a lei que rege os direitos do consumidor, que elevou o consumidor ao status de maior na relação de consumo no Brasil”, completa Carmina Hissa.
O problema agora é que a LGPD entra em vigor sem que tenha sido criada a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) — órgão que funcionará como regulador da lei, considerado peça fundamental no desenho da LGPD.
“Isso quer dizer que havendo irregularidades, não temos ainda a quem recorrer, já que órgão que teria o papel de receber as denúncias ainda não existe”, analisa Constantinos Maia, advogado especialista em Proteção de Dados, do escritório Queiroz Cavalcanti.
Outro aspecto que preocupa é a possibilidade de os senadores decidirem pelo efeito retroativo a 14 de agosto de 2020. “Isso gera uma maior insegurança jurídica, porque naquela data as pessoas não contavam com a vigência da lei, não estavam preparadas para ela”, acrescenta Maia.
“O principal ponto, é que as pessoas já podem exigir das empresas informações sobre como elas estão tratado seus dados e as empresas são obrigadas a informar.
Embora as sanções esteja previstas para ocorrer apenas a partir de agosto de 2021, as pessoas podem ir a juizados especiais, Procon ou Ministério Público questionar as empresas com base no Código de Defesa do Consumidor. “Neste caso, as penalidades poderão ser com base em danos morais, mas não poderão ser aplicadas as multas administrativas previstas em lei, que podem chegar a 2% do faturamento líquido total, num limite de até R$ 50 milhões”, explica Maia. “De todo modo, é um importante avanço, para termos parâmetros do uso de dados, mas temos muito o que caminhar”.
Para o coordenador do programa de Direitos Digitais do Idec, Diogo Moyses, houve boicote do governo federal em relação à ANPD. “As empresas que tiveram esses dois anos da aprovação da legislação para se adequarem à lei utilizam o argumento da ausência da ANPD para tentar postergar a entrada em vigor. Mas vale lembrar que mesmo diante desse boicote, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já vinha se posicionado sobre a proteção da privacidade dos dados dos usuários”, revela o coordenador do Idec. Ele completa: “Nós consideramos que já estamos atrasados. Uma legislação aprovada há dois anos após um logo processo de discussão com atores de todos os segmentos da sociedade e que teve sua construção muito consistente em busca de pontos de divergências não era para nem sequer ter sido postergada”, ressalta Moyses.
Para a CEO Bidweb, uma das maiores empresas do Brasil em cibersegurança, Flávia Brito, a insegurança jurídica no Brasil se dá em praticamente todas os segmentos e com a LGPD não seria diferente. Seu posicionamento sobre a proteção de dados vai muito além do fato da vigência ou não da legislação. “A empresa que não entendeu que ela precisa passar por um processo de transformação digital e que independente da LGPD, precisa proteger os dados dos seus clientes, vai quebrar. Pois a proteção de dados vai muito além da lei, é estratégia de negócio. As empresas precisam entender que hoje tudo é digital e que as pessoas têm o direito de ter seus dados protegidos e fazem questão disso”, enfatiza a CEO da Bidweb.