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Coluna do jornalista Celso Ming, publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 14/08/2020
É paulada e tanto perder um plano de saúde em meio a uma crise sanitária e econômica, como a de agora.
Mesmo depois que o Sistema Único de Saúde (SUS) se mostrou mais eficiente no atendimento à população, uma família só abandona o tão essencial plano de saúde por duas razões: quando o orçamento não suporta mais as mensalidades cobradas; ou quando o participante de um plano coletivo é demitido e perde a cobertura.
É para esse cenário que aponta o mais recente relatório da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Entre março e junho deste ano, cerca de 400 mil beneficiários deixaram os planos de saúde médico-hospitalares no Brasil. Em 2015, ano de maior recessão até 2020, a saída foi de 760 mil.
A debandada deverá se acentuar nos próximos meses. É o que permite prever a confluência de fatores negativos, como a escalada do desemprego e a perda de renda de pequenos e médios empresários e de profissionais liberais.
Como o aperto tem aumentado, está mais do que na hora de saber o que os demais 46,7 milhões que ainda estão inscritos em algum desses planos podem fazer para evitar o pior, renegociar parcelas não quitadas e rever contratos.
A advogada especialista em Saúde do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) Ana Carolina Navarrete é pessimista. Lamenta a recusa das operadoras a negociar: “Os processos não avançam. Nós recebemos inúmeros pedidos de orientação sobre como abrir uma negociação, mas não temos informação sobre se alguma delas foi bem-sucedida”, observa. A porta que continua aberta é o recurso à Justiça. Mas, além de incertos, os resultados podem demorar: “Falta uma legislação que obrigue as operadoras a negociar os planos”, critica Navarrete.
O xerife do setor, a ANS, bem que tem recomendações nesse sentido. Mas fica na recomendação e não na obrigação, ao contrário do que acontece com as determinações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que impõe outro tratamento para os inadimplentes na conta de luz. Os projetos de lei que pretendem mudar esse cenário seguem fora da pauta de prioridades do Congresso.
A Associação Brasileira dos Planos de Saúde (Abramge), que defende os interesses do setor, nega, como de hábito, a má vontade das operadoras. E aponta, como prova em contrário, a recomendação aos filiados para que suspendessem o reajuste das mensalidades, no período entre maio e julho. Grande parte, informa a associação, concordou com esse represamento temporário, mas agosto já vai pela metade e não dá mais para segurar. Marcos Novaes, superintendente executivo da Abramge, é enfático: “Não queremos perder beneficiários, mas também não podemos deixar quebrar o mercado de saúde suplementar”.
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o médico Mário Scheffer não aceita esse argumento. Baseia-se no fato de que os índices de inadimplência divulgados pela ANS pouco se alteraram durante a pandemia. Nos planos individuais ou familiares, o atraso nos pagamentos das mensalidades em junho alcançava 12% dos beneficiários, apenas 2 pontos porcentuais acima dos números de março. No mesmo período, a inadimplência verificada nos planos coletivos permaneceu em 5%.
Afora isso, entre março e julho, as operadoras tiraram proveito da redução das despesas operacionais e do aumento das margens de lucro. O índice de ocupação dos leitos de seus hospitais (comuns e de UTI) caiu de 69%, em fevereiro, para 62% em junho. “Embora tivessem cancelado ou adiado as cirurgias eletivas, as operadoras continuaram a receber regularmente as mensalidades dos clientes e pagaram muito menos aos prestadores de serviços”, aponta Scheffer.
No entanto, “essa folga no fluxo de caixa certamente será consumida, quando voltarem aos hospitais as pessoas que já contam com procedimentos eletivos”, acredita o superintendente executivo do Instituto de Estudos em Saúde Suplementar (IESS) e ex-ministro da Previdência, José Cechin.
Proposta defendida por Cechin e pela Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) para enfrentar as novas dificuldades orçamentárias dos consumidores prevê a ampliação das modalidades de planos de saúde. Trabalhariam com coberturas menos abrangentes e mensalidades mais baixas. A ver. / COM GUILHERME GUERRA