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Reportagem do jornal Extra, publicada em 17/05/2020
O avanço da pandemia do novo coronavírus levou mais brasileiros a tentarem garantir uma cobertura privada de saúde, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Em março deste ano, aumentou em 111.860 o número total de beneficiários de saúde suplementar em relação a fevereiro. A aceleração é mais evidente entre os contratos por adesão — que podem ser feitos via associações e sindicatos de classe. Neste caso, o número de contratações foi 3.275% maior do que as firmadas em fevereiro: 11.577 contra 343.
Já as contratações dos planos empresariais foram quatro vezes maiores: 100.691 contra 25.120. No mesmo período, desacelerou a redução da base de usuários de planos individuais. Depois de uma queda de 13 mil beneficiários de janeiro a fevereiro, em março frente ao mês anterior o recuo foi de apenas 68 usuários.
Quem contratou um plano para garantir o atendimento em caso de Covid-19, no entanto, pode ter que enfrentar uma batalha judicial. É que muitas operadoras vêm negando atendimento, alegando as carências contratuais que podem ser de até 180 dias. A ANS ratifica que não houve alteração de carência em função da pandemia. O Judiciário, porém, tem enquadrado os pacientes contaminados pelo coronavírus como casos de emergência, para os quais não há carência, garantido internação sem limite de prazo.
Foi o caso do técnico em edificações Rodrigo Ferreira Lima, de 28 anos, que fez um plano coletivo por adesão no fim do mês passado. Ele não imaginava que iria precisar usar a cobertura tão rapidamente: quatro dias após a adesão, teve que ser internado com sintomas de Covid-19.
— Vi notícias de que o SUS não está dando conta de tanta gente e, como minha mulher já tinha um plano empresarial, resolvi contratar um individual. Dias depois, comecei a me sentir mal, fui ao médico, e a situação era pior do que achava. Precisei ficar dois dias internado — contou.
Para a advogada Gabriela Carvalho Simões, especialista em Direito à Saúde do escritório Carvalho Simões Advogados, os casos de Covid-19 devem ser considerados de urgência e emergência:
— No entanto, se o plano comprovar a infecção antes da assinatura do contrato, provar que houve fraude na declaração de saúde na contratação, pode cancelar o contrato. Mas se o segurado não foi testado, entendemos que a operadora assumiu o risco e deve cobrir.
A Defensoria Pública de São Paulo também conseguiu uma liminar na Justiça, em abril, que determina que as operadoras liberem imediatamente a cobertura para os atendimentos e os tratamentos prescritos por médicos em casos suspeitos ou comprovados de coronavírus, independentemente do cumprimento de carência. A ação foi movida contra Amil, Bradesco Saúde, Unimed Central Nacional, Notre Dame Intermédica, Prevent Senior e SulAmérica.
A Justiça de Brasília também determinou que os planos de saúde prestem atendimento de urgência e emergência independentemente de prazo de carência.
— O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já entendeu que se há risco de sequela ou morte, se precisa internar, tem que internar. Mas ao contratar um plano, o usuário deve levar em consideração que pode encontrar dificuldades — alertou Ana Carolina Navarrete, coordenadora de pesquisa em saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
A servidora pública Joyce Aguiar, de 26 anos, decidiu aderir a um plano após assistir aos casos fatais se multiplicarem:
— Moro em Santa Cruz e sei que muitas pessoas estão saindo das unidades públicas de saúde sem serem testadas para coronavírus. Já vi vizinhos morrerem com sintomas de Covid-19. Por isso tudo, fiquei preocupada e, apesar de já ter uma assistência ambulatorial, resolvi aderir a um plano com cobertura para internação, pagando R$ 188 por mês. Fiz a contratação agora, no início de maio, mas sei que há uma carência de 60 dias para utilizar. O problema é que o meu marido, que está desempregado, continua sem cobertura.
O que dizem as operadoras sobre a liminar
Procuradas pelo EXTRA, as empresas Amil, Bradesco Saúde, Unimed Central Nacional, Notre Dame Intermédica, Prevent Senior e SulAmérica — citadas na ação movida pela Defensoria Pública de São Paulo para que garantam o atendimento em casos comprovados ou suspeitos de Covid, independentemente de carência — se manifestaram sobre a decisão.
A Bradesco Saúde, a SulAmérica e a Amil informaram que vêm cumprindo o que determina a liminar. A Prevent Senior declarou que sempre atendeu em suas unidades os casos de Covid-19, sem exigir o cumprimento dos prazos de carência, realizando os exames necessários e fornecendo, gratuitamente, os medicamentos para o tratamento da doença.
A Central Nacional Unimed afirmou que, como associada FenaSaúde, compartilha do mesmo posicionamento e segue as diretrizes da entidade. A NotreDame Intermédica informou que também segue o entendimento da FenaSaúde e que vem cumprindo as regras da ANS relacionadas às coberturas dos exames para diagnóstico prescritos adequadamente por médicos e respectivos tratamentos da Covid-19.
Mentir não vale a pena
Em relação aos usuários, especialistas em saúde observam que os consumidores devem sempre ter atenção na hora de preencher os termos de adesão a um plano de saúde, sem mentir na declaração.
— Está todo mundo correndo para fazer um plano de saúde, com medo do colapso na rede pública. Mas as pessoas têm que observar as regras de carência. Além disso, quem está assinando um contrato preenche uma ficha e não pode mentir. Mas, se o usuário não sabia se tinha a doença, não pode ser penalizado — disse a advogada Gabriela Simões.
Rafael Robba diz que, caso o usuário tenha omitido o diagnóstico de Covid-19 antes de contratar o plano, o contrato pode ser cancelado:
— Essa conduta caracteriza fraude. A operadora pode abrir um procedimento para apurar a veracidade da informação, e caberá à ANS investigar. Se for caracterizada a doença, e a omissão dessa informação antes de contratar o plano, a operadora poderá cancelar o contrato.
Falta de leito na rede privada já é uma realidade
Para que as operadoras priorizem a assistência aos casos graves da Covid-19, a ANS autorizou a prorrogação de prazos máximos de atendimento para a realização de consultas, exames, terapias e cirurgias que não sejam urgentes. Mesmo assim, algumas operadoras já sentiram a pressão do aumento da demanda por leitos nos hospitais e na rede credenciada.
O advogado Rafael Robba, especializado em Direito à Saúde, do escritório Vilhena Silva Advogados, ressalta que o consumidor que não conseguir leito de UTI no plano de saúde tem direito à cobertura fora da rede credenciada. E toda a despesa deve ser custeada pelo plano:
— Se o beneficiário tiver que pagar, ele pode exigir reembolso integral das despesas médicas e hospitalares, mas precisa demonstrar que a operadora não tinha condições de atendimento na rede credenciada.
Procurada, a Fenasaúde informou que não houve mudança quanto a internações, consultas, exames, terapias e procedimentos relacionados ao tratamento da Covid-19. Segundo a entidade, as operadoras devem cobrir todos os procedimentos obrigatórios inscritos no rol definido pela ANS. Os prazos de carência também não sofreram alterações. Já a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) defendeu que a carência é usada mundialmente com o objetivo de garantir que o plano de saúde se mantenha sustentável, atendendo às necessidades dos beneficiários ao longo do tempo. “Qualquer decisão arbitrária, que desconsidere os fundamentos técnicos prejudicando a utilização da carência, poderá comprometer a continuidade do sistema suplementar de saúde”, declarou a entidade, em nota.
Tire suas dúvidas
Quais os prazos de carência?
Urgência e emergência: 24 horas / demais coberturas: 180 dias / parto a termo: 300 dias.
Segundo a ANS, os beneficiários de planos de saúde têm garantidas as coberturas do exame e do tratamento aos pacientes com Covid-19, após o cumprimento dos períodos de carência, de acordo com a segmentação assistencial do plano: o ambulatorial dá direito a consultas, exames e terapias (por exemplo, reeducação e reabilitação respiratória) e o hospitalar garante internação (em leitos normais e de UTI).
Quais são as regras de acordo com a modalidade do plano?
Nos planos individuais ou familiares, pode haver aplicação de carência.
Planos coletivos empresariais:
- Com até 29 beneficiários: poderá haver aplicação de carência.
- Com 30 ou mais pessoas: isenção de carência desde que o beneficiário peça o ingresso em até 30 dias da celebração do contrato ou da sua vinculação à empresa contratante.
Planos coletivos por adesão: poderá haver carência. Há isenção nos seguintes casos:
- Se o ingresso do beneficiário acontecer até 30 dias após a celebração do contrato.
- Se o ingresso acontecer no aniversário do contrato.
O plano tem que cobrir testes de coronavírus?
A ANS incluiu, em março, o exame para detecção do coronavírus PCR no rol de procedimentos obrigatórios. Mas deverá seguir uma prescrição médica. O paciente deve procurar sua operadora para pedir indicação de um estabelecimento da rede apto à realização do teste.
O teste rápido está incluído?
Não. O chamado “teste rápido” para a detecção do coronavírus não está incluído no rol vigente.
Os medicamentos para tratamento do coronavírus são custeados pelo plano de saúde?
Não, se o paciente estiver em casa. Em caso de internação, os custos são da operadora.
Se o usuário faz adesão sabendo que está doente e não informa na declaração, ele pode ser excluído do plano?
No momento da contratação de um plano de saúde, a operadora solicita que o consumidor preencha uma declaração de saúde, formulário no qual deve informar as doenças ou lesões de que saiba ser portador. Caso não declare doença que saiba ser portador no momento da contratação, a operadora poderá solicitar abertura de processo administrativo para que a ANS julgue se houve fraude (não declaração de doença/lesão conhecida), e o usuário poderá perder o plano.
Se não houver leitos de internação ou CTI para o paciente do plano na rede credenciada ou hospital próprio, o que o plano deve oferecer?
As operadoras de planos de saúde têm obrigação de dispor de prestadores de serviços (médicos, hospitais e laboratórios) para garantir o atendimento contratado.
Em se tratando de urgência/emergência, não cabe autorização prévia, e o atendimento deve ser imediato. Em caso de inexistência ou indisponibilidade de rede prestadora, a operadora deverá garantir o atendimento em prestador não credenciado no mesmo município ou o ressarcimento dos custos ao usuário. O pagamento do serviço ou do procedimento será feito pela operadora ao prestador não credenciado. Na impossibilidade de acordo entre a operadora e o prestador não credenciado, a empresa deverá garantir o transporte do beneficiário até o prestador credenciado para o atendimento.